//

A leitura crítica da fotografia no ensino de Sociologia

Cristiano das Neves Bodart[1]

Gostaria de chamar a atenção para uma questão fundamental ao trabalhar com imagens fotográficas nas aulas de Sociologia: a necessidade de uma abordagem sociológica crítica. Não basta olhar apenas para a cena retratada; é imprescindível considerar os aspectos históricos, políticos, as interações e relações presentes nos fenômenos capturados, bem como as técnicas utilizadas. Além disso, devemos estar atentos às intenções e ideologias tanto do(a) autor(a) da foto, como do(a) divulgador(a) e do(a) consumidor(a) da mensagem imagética. Afinal, a preocupação promover a “percepção figuracional da realidade social” deve estar presente em cada uma de nossas aulas de Sociologia.

Por ‘percepção figuracional da realidade social’, entendemos como a competência de: a) refletir os fenômenos sociais de forma historicizada, considerando os conflitos e as acomodações que se dão a partir de correlações de poder que conformam cada objeto em estudo; b) pensar as relações de interdependência entre indivíduo e Sociedade, assim como indivíduo e estrutura; c) olhar as estruturas e relações sociais como resultados de movimentos históricos dialéticos sempre inacabados e; d) considerar o papel dos constrangimentos exteriores’ para moldar as ‘estruturas interiores’ dos indivíduos e esses às estruturas sociais, o que se dá dialeticamente (BODART, 2021, p. 148).

Para que o uso da fotografia seja produtivo no ensino de Sociologia, é fundamental possuir conhecimentos sociológicos prévios sobre o próprio artefato, a técnica utilizada e o “mundo social” que a envolve. É necessário questionar as supostas objetividades das imagens fotográficas (sim, a produção da máquina envolve interesses e visões de mundo) e explorar como as relações de poder presentes moldam certas representações sociais.

As fotografias não são meros registros da realidade e tampouco são produzidas de forma politicamente neutra. Pelo contrário, as relações de poder se manifestam em sua produção, divulgação e consumo. As fotos são representações do real, porém, nunca conseguem capturar a realidade em sua totalidade. Aqui temos dois pontos importantes: a) a fotografia não é o real; e b) a fotografia é uma representação parcial, de muitas outras possíveis.

O teórico francês Philippe Dubois, em seu livro “O Ato Fotográfico” (1993), destaca que a fotografia pode testemunhar a existência do objeto fotografado, mas isso não implica que a imagem fotográfica seja uma cópia exata do objeto. A fotografia pode ser produzida ou posteriormente manipulada de forma a transmitir mensagens tão abstratas quanto algumas pinturas.

É essencial lembrar que o que é representado na fotografia é, em grande parte, o ponto de vista do(a) fotógrafo(a), o que envolve sua cultura e interesses conscientes. O ponto de vista do(a) fotógrafo(a) é moldado por questões objetivas e subjetivas. A cultura do(a) fotógrafo(a) influencia suas escolhas sobre o que, por que, como, quando e onde fotografar. As estruturas sociais, igualmente. No entanto, nem sempre o(a) fotógrafo(a) tem liberdade para fazer esses questionamentos e tomar decisões, devido a diversas limitações.

Além disso, a máquina fotográfica em si precisa ser compreendida como mais do que um mero suporte técnico. Ela é uma mediadora que interfere na representação fotográfica, envolvendo interesses dos produtores e programadores da tecnologia. Esses aspectos não devem ser ignorados na leitura das representações imagéticas.

O suporte em que a fotografia é projetada ou impressa também influencia na representação final, alterando cores e determinando texturas. Hoje em dia, com a fotografia ocupando um papel importante na sociedade de consumo, o suporte pode assumir diversas formas e estruturas.

Não sejamos ingênuos. A fotografia é resultado de interesses presentes no “mundo fotográfico”, como demonstro de forma mais detalhada e aprofundada no meu livro “Usos da fotografia no ensino de Sociologia” (BODART, 2023). Ao utilizarmos fotografias nas aulas de Sociologia, podemos ajudar os(as) estudantes a superar visões superficiais e romper com a perspectiva ingênua de neutralidade nas práticas e artefatos culturais.

Certamente você já deve ter notados que as imagens fotográficas têm sido amplamente utilizadas como instrumentos de manipulação da opinião pública, transmitindo falsas informações e fenômenos sociais. Sua crença na objetividade torna-as eficientes para esse propósito, e essa instrumentalização vem se ampliando exponencialmente com o advento das redes sociais virtuais. Cabe a nós, professores de Sociologia, promover a prática de desvelar esses fenômenos entre os(as) estudantes e ensiná-los(as) a interpretar as imagens a partir das contribuições das Ciências Sociais.

Considerações finais

Importa ressaltar que, ao trabalharmos com fotografias nas aulas de Sociologia, devemos incentivar uma leitura crítica, considerando-as como plataformas discursivas e resultados de arbitrariedades culturais. A fotografia é um recurso poderoso para aprofundar a compreensão do mundo social para além das perspectivas comuns. Vamos explorar esse potencial em nossa prática pedagógica para formar cidadãos conscientes e capazes de, a partir de colaborações da Sociologia, melhor interpretar a sociedade em que vivemos.

Em tempos de uma sociedade da imagem, não podemos permitir que nossos(as) estudantes sejam analfabetos(as) em leitura imagética. Os impactos disso têm sido desastrosos, especialmente em relação à ideologia política e econômica que impera na contemporaneidade.

Referências

BODART, Cristiano das Neves. Usos da fotografia no ensino de Sociologia. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2023.

BODART, Cristiano das Neves. O ensino de Sociologia para além do estranhamento e da desnaturalização: por uma percepção figuracional da realidade social. Latitude, v.15, 139–160, 2021.

DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993.

 

 

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. A leitura crítica da fotografia no ensino de Sociologia Blog Café com Sociologia. ago. 2023. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/fotografia-no-ensino-de-sociologia/

 

[1] Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

 

Versão em PDF AQUI

 

 

 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Sair da versão mobile