O homem nasce bom e a sociedade o corrompe ou o contrário?
Por Cristiano das Neves Bodart
O debate
Uma discussão bem antiga, mas que sempre “vem à tona” é aquela que discute se “o homem nasce bom e a sociedade que o corrompe” ou se “o homem nasce mau e a sociedade que o torna bom”.
Dentre os estudiosos que levantaram tal questão estão Rousseau e Hobbes; ambos defendo uma perspectiva distinta. Grosso modo, Rousseau defendia que o homem nasce bom, mas em contato com a sociedade que é má, tornam-se igualmente maus. Essa perspectiva dialoga bem com a visão cristã, onde as crianças seriam tidas como puras e tornam-se pecadoras à medida que começam a perceber os males do mundo, os quais as envolvem. Por outro lado, Hobbes defendeu que o homem nasce mau, com instintos de sobrevivência, e que devido a tais instintos é capaz de fazer qualquer coisa. Para Hobbes, a sociedade tem o papel de educá-lo, de humanizá-lo, de torná-lo sociável.
O homem nasce bom? O que está certo?
A essa altura você, leitor, já deve ter pensado em concordar com uma das duas perspectivas, assim como deve estar esperando um posicionamento do autor desse texto em relação a um dos dois lados, o que não vai acontecer; isso por eu ter uma terceira perspectiva a respeito dessa problemática, a qual quero compartilhar com você. Antes um trecho de uma música que já diz muita coisa:
Quem foi que disse que amar é sofrer? Quem foi que disse que Deus é brasileiro, Que existe ordem e progresso, Enquanto a zona corre solta no congresso? Quem foi que disse que a justiça tarda mas não falha? Que se eu não for um bom menino, Deus vai castigar! (Zé Ninguém, de BIQUINI CAVADÃO).
O homem não nasce nem bom, nem mau. Nascemos em uma sociedade marcada por regras historicamente construídas, inclusive definidora do que é bom ou ruim. Quando nascemos somos moldados de acordo com tais regras. A metáfora da “folha em branco” nos ajudará a pensar essa perspectiva. Segue:
O homem nasce bom? A folha em branco?!
Nascemos como “uma folha em branco”. Não temos história, apenas nossos instintos. Ao longo da vida vamos passando por experiências sociais, como se fossemos amassados. Isso seria as nossas experiências sociais. Por mais que buscamos desamassar uma folha, permanecerá nela marcas, umas mais profundas, outras menos.
Assim são nossas experiências sociais; a “vida” nos marca e são essas marcas que ficam registradas em nosso consciente e subconsciente, as quais nos propiciam predisposições para nossas ações. O fato é que, a folha inicialmente é lisa e só depois de amassada possuirá marcas, sejam elas feias ou bonitas; isso quem vai julgar é o “medidor” social que varia de sociedade para sociedade, assim como de tempo em tempo. Desta forma, acredito que a classificação bom ou mau não está ligado ao homem, mas a ideia de mau e bom que cada sociedade possui.
E você, o que pensa a esse respeito? O homem nasce bom?
Outro elemento importante para pensarmos essa questão é o papel da cultura na formação do indivíduo. A cultura, como sistema simbólico que organiza valores, normas, crenças e práticas, é fundamental para a construção daquilo que consideramos certo ou errado, justo ou injusto, moral ou imoral. Assim, o julgamento do que é “bom” ou “mau” não pode ser analisado fora do contexto cultural em que o sujeito está inserido. O que é considerado uma virtude em determinada sociedade pode ser visto como um desvio em outra. A ideia de “bom” e “mau”, portanto, está menos na essência do ser humano e mais na forma como ele é inserido e interage com o mundo social.
Nesse sentido, é possível recorrer à contribuição de Émile Durkheim, para quem os fatos sociais são exteriores ao indivíduo e exercem sobre ele um poder coercitivo. Isso significa que, antes mesmo de nascermos, já existem normas, regras e valores que irão orientar nossas ações. Quando uma criança nasce, ela já encontra um mundo pronto, que espera dela determinadas condutas. Essa socialização, como destaca Durkheim, é o que molda o indivíduo. E, assim, o “bom” ou o “mau” que se imprime nessa pessoa é, na verdade, o reflexo de sua adequação (ou não) às normas estabelecidas socialmente.
Pierre Bourdieu também contribui para essa reflexão ao introduzir a noção de habitus: um sistema de disposições duráveis e transponíveis que orientam as práticas sociais. O habitus é formado na interação entre o indivíduo e o mundo social, em especial nas primeiras experiências com a família, a escola e os grupos de convívio. Ou seja, não somos apenas moldados passivamente pela sociedade, mas internalizamos suas estruturas, que passam a orientar nossas escolhas, gostos, atitudes e até mesmo o que consideramos bom ou ruim. Portanto, não se trata de nascer com uma essência má ou boa, mas de como somos formados dentro das estruturas simbólicas que compõem nossa realidade social.
Outro autor relevante é Norbert Elias, ao mostrar como os processos de civilização foram moldando o comportamento dos indivíduos ao longo do tempo. A sociedade passou a exigir o autocontrole dos impulsos e a regulação das emoções. Isso nos ajuda a entender que o “homem mau” de Hobbes talvez fosse uma representação de um indivíduo ainda não disciplinado pelos mecanismos sociais que, com o tempo, foram sendo naturalizados. O que Hobbes via como selvageria talvez fosse apenas a ausência de um processo civilizatório mais refinado, como apontado por Elias.
Portanto, quando dizemos que alguém é “bom” ou “mau” ou “O homem nasce bom”, estamos, na verdade, fazendo um julgamento a partir de padrões culturais que nos foram ensinados. Isso nos leva à reflexão de que tais conceitos são historicamente determinados, e que o ser humano, mais do que uma essência, é um processo contínuo de construção social. Somos, como dizia Paulo Freire, seres de relações e de transformações. Não nascemos prontos; tornamo-nos. E nos tornamos a partir das experiências, dos aprendizados, dos afetos e das contradições do mundo em que vivemos.
Forma de citar este material:
BODART, Cristiano das Neves. O homem nasce bom e a sociedade o corrompe ou o contrário?. Blog Café com Sociologia, Maceió/AL, p.1-6, ago. 2020. Disponível em: <https://cafecomsociologia.com/o-homem-nasce-bom-e-sociedade-o/>.
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