Grosso modo, segurança pública é o conjunto de medidas e ações integradas e permanentes que visam garantir a ordem socialmente estabelecida, como pensa BARREIRA(2004). Tal ordem social vai muito mais além que a proteção das pessoas e de seus respectivos patrimônios por parte das forças policiais, ela é muito mais ampla e engloba liberdades individuais, a harmonia entre as pessoas, grupos e a dignidade da pessoa humana.
Neste texto, iremos para além dessa noção geral de segurança pública e buscaremos problematizar tal conceito. Neste sentido, para além da introdução, a primeira parte do texto diz respeito à vivência que me levou a pesquisar segurança pública. Na segunda parte, aprofundaremos um pouco mais acerca do que é e o que não é segurança pública com base nas minhas vivências como cidadão e pesquisador.
Minha vivência e interesse na segurança pública
Cresci em um bairro popular na zona sul de Teresina, cerceado por vilas e favelas, que se organizavam em gangues e galeras para disputar territórios em torno da venda de drogas, bem como, para alimentar um ethos bélico, ou, em alguns casos, apenas por motivos fúteis. O Parque Piauí, parecia imune à essa situação, algumas raras expressões dessas disputas aconteciam no bairro, mas nenhuma gangue ou galera se organizava por aqui. Percebia também que eventos culturais eram comuns e constantes, havia uma praça ocupada por jovens do movimento Hip-hop, por jovens do movimento Underground(do ROCK), jovens do skate Board, da Cross[2], jovens de movimentos religiosos ocupavam as igrejas arredores, movimentavam o bairro no período dos festejos católicos, evento aguardado o ano inteiro, e também durante todo o ano, esse movimento era estimulado pelos párocos. Jovens de diversas matizes políticas e culturais ocupavam prédios públicos, alguns como o CSU- Centro Social Urbano, e o anexo de uma escola pública estadual, onde essas atividades aconteciam durante todo o ano, a violência quase inexistia, e mesmo os violentos respeitavam esses espaços, por verem que neles, pessoas próximas a eles de alguma forma estavam protegidos da violência, do tráfico e da letalidade juvenil que assolava a cidade( e do qual eram participes como vitimas ou algozes), esses eventos diversos feitos por esses diversos grupos, ocorriam durante todo o ano. Alguns desses jovens receberam recursos para cursos com a comunidade das vilas ao redor , como serigrafia, grafite, entrançamento de cabelos, break dance, discotecagem e a possibilidade de gravação de seus tão sonhados CD’S( que hoje são EP’S) , bolsas de estudos e de qualificação, tanto em eventos culturais, como para oficinas de formação artística cultural e musical. Enquanto a violência letal aumentava passo a passo em Teresina, e outros crimes também: como crimes ao patrimônio, violência contra a mulher, contra a criança, homicídios, esse bairro parecia estar imunizado a isso tudo. Havia um espaço de nome Casa do hip-hop, nesse espaço os jovens podiam experienciar uma profissionalização pela arte e pela cultura, algo até então impensável para os padrões do Piauí e do Brasil. Além de intenso movimento de grupos distintos juvenis e culturais, o artesanato em madeira era um ponto forte do bairro(aulas ocorriam a céu aberto e para quem se interessasse), além do diálogo sempre constante entre esses grupos para realização de atividades em comum. O Partido dos Trabalhadores local também surgiu ali no bairro, e com ele uma pauta de valorização da juventude e da cultura. O bairro passava por mudanças na urbanização nos idos de 2005-2015. Na ocasião houve incremento de mais linhas de ônibus, o comércio começava a se intensificar principalmente em uma avenida tida como principal. Concomitante a isso, e com apoio cada vez mais diminuto aos grupos juvenis culturais, tanto por parte dos entes estatais como por parte da própria igreja, a violência começa a aumentar. A ausência de uma política de formação, apoio e inserção desses jovens no mundo do trabalho(o estado não conta com uma secretaria estadual de juventude , apenas uma coordenadoria), a mudança nas dinâmicas criminais com a chegada das facções criminais no estado e sua preferência por adolescentes e jovens para aumentar suas fileiras, com oportunidade de inserção no mercado informal do comércio de drogas e na economia do crime e das mortes, se tornou uma realidade cada vez mais presente no bairro.
Afinal, o que o que seria a segurança pública?
Conceituar esse assunto é uma tarefa difícil porque muitos de nós temos muitas pré-noções equivocadas. Ainda mais com a simplificação cotidiana realizada pelos programas televisivos sensacionalistas, que em busca de audiência, assimilam segurança pública unicamente com policiamento ostensivo, ações em favelas e bairros mais pobres e apreensões de drogas e de pessoas, mesmo essas ações não apresentando resultados concretos mensuráveis. Contei essa pequena história da infância(ocorrida em um bairro de uma cidade do Brasil) para poder pensar a segurança pública como um conjunto de atividades integradas e permanentes, com monitoramento constante(políticas de saúde, políticas culturais e de geração de renda, qualificação e integração no mercado de trabalho puderem vir por esse campo cultural, para muitos jovens que tenho ouvido seria um sonho, políticas de assistência social, políticas de incentivo aos esportes(o Brasil desperdiça muitos talentos por ausência de espaços para treino e patrocínio, como bolsa atleta) de ocupação permanente dos espaços públicos e sua vitalização para diversos públicos, que vão desde eventos culturais para crianças, jovens, adultos e idosos. Lembremos que a ocupação de espaços culturais e públicos é um fator de proteção contra violência, comercio e consumo de drogas. Não posso responder se essa fórmula funcionaria aqui, mas ela foi usada com sucesso nos dois maiores experimentos de enfrentamento a violência letal que o mundo já conheceu, Medellin na Colômbia e Juarez no México( o segundo conheço bem, tanto por que morei lá realizando pesquisa , como escrevi sobre), na Europa essa fórmula é aplicada desde a década de 1970, e tem funcionado. Temos muita coisa em comum, tanto no campo político, como social com esses dois espaços, por isso muito a aprender com eles.
Considerações finais
A segurança pública vai muito além das instituições de repressão porque a nossa proteção social se dá para muito além das instituições policiais. A repressão faz parte da regulação da vida social, porém a proteção social está intimamente relacionado à produção cultural, acesso à bens e serviços, direito à cidade, ao lazer, à juventude. Em um cenário de negação de direitos a segurança pública simplificidada à força de repressão policial jamais poderá preencher as lacunas históricas de negação de direitos.
Referencias : BARREIRA, Cesar. Questão de segurança: Políticas Governamentais e Práticas policiais. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumara, 2004.
[1] Doutor em sociologia- UECE -Professor do Instituto Federal do Piauí
[2] Como os jovens se identificavam, como jovens que andavam de bicicletas e faziam manobras por toda a cidade de Teresina.