O que pede nossa juventude: A nova onda do Fuhrer

 

Rafael Ademir Oliveira de Andrade
            Os pensamentos que me levam a escrever este texto são as opiniões apontadas nas variadas redes sociais após o dia em que o Congresso Nacional aprova a tramitação do processo de impedimento da atual presidente do Brasil. Era de se esperar que as coisas que ali ocorreram pudessem levar a uma reflexão da sociedade brasileira, agora aparentemente mais envolvida com política, sobre os novos caminhos do país.

As coisas que ali ocorreram – para os historiadores do futuro: cuspes, homenagem à estuprador de mulheres, torturador de crianças, papagaios de votação, homens corruptos votando em nome de Deus sendo comandados por um corrupto, pequenas confusões e muitas manifestações de que o povo brasileiro é representado por pessoas ignorantes e não humanas.

            Mas o que ocorreu foi justamente o contrário. O povo brasileiro representado pelas redes sociais falou justamente das coisas pequenas que escrevi no parágrafo anterior e, o que é pior, defendeu o parlamentar que homenageou o torturador. Muitas das vezes falando que o cuspe também é uma ofensa, outras vezes falando dos ditadores socialistas também torturadores e resgatando a ficha criminal da presidente do país.
            O que me incomoda profundamente é o teor e a intenção destas falas. O objetivo das publicações e afirmações é defender a figura de um político. Político este que faz apologia a muitos aspectos não humanitários, dentre eles a morte de pessoas em conflito com a lei (o que nos faz pensar: se o processo de impedimento é conduzido por alguém que possui divisas no exterior sem declarar, que tipo de bandido queremos morto?), o fim das punições para violências de gênero, armar uma população histórica e cotidianamente violenta e, especialmente, a volta da ditadura militar.
            Meses atrás, publicações foram lançadas falando sobre casas, mansões, sítios de políticos envolvidos em escândalos de corrupção. Sem pestanejar, os internautas compartilharam, afinal, estamos falando de um crime contra a população. O mesmo não foi feito quando o irmão do deputado Jair Bolsonaro é funcionário fantasma da ALESP e quando foram descobertos imóveis de 1 milhão comprados por 400 e 500 mil pelo mesmo, o que resultou em um aumento de declaração de receita de 2,2
milhões em quatro anos.
            A questão aqui colocada é, além das questões partidárias, o que fez as massas escolherem que um tipo de superação da democracia é certa e a outra não? E que uma pessoa pode ter bens ilícitos e outra não, mesmo que ambos lados sejam apenas afirmações ainda não comprovadas? Por qual motivo condena-se um e do outro, espera-se um julgamento do outro ou nem isto?
            Na escrita de minha dissertação analisei o posicionamento do ensino de Sociologia frente à sociedade de massas. Usei alguns autores que trabalham com este conceito e são
estes que me dão certa visão sobre os processos atuais e gostaria de compartilhar estas visões para somar as já adquiridas. Hoje vejo que é preciso repensar minha dissertação pois nunca a cultura massificada foi tão forte no Brasil, ela não era tão violenta assim, envolvendo questões menos passionais. Estas reflexões ficam para outro momento.
            A primeira fala que gostaria de levantar é de Adorno e Horkheimer em Indústria Cultural e Sociedade (2002). Neste livro de pequenos ensaios, os autores irão falar sobre a força que tem os meios de comunicação de massa sobre a população, em construir desejos e opiniões. Este processo se dá pela reprodução destas opiniões de forma simplificada, repetitiva e de amplo acesso às diversas classes sociais.
Isto quer dizer que se for repetido várias vezes que a única solução para o país é a volta da ditadura militar- pois nela não havia corrupção e crime-  mesmo que isso não seja verdade, a população tende a acreditar pois alguns meios de comunicação são considerados “legítimos” por serem associados à partidos políticos, movimentos sociais, políticos e canais também “legítimos”. A partir de então, os fatos serão contrapostos a estes “canais de legitimidade” e, em sua grande maioria, negados frente às afirmações daqueles partidos, movimentos e políticos de “moral incorrupta” ou “um mal necessário”.
Soma-se à esta capacidade da Indústria Cultural uma característica levantada pelo filósofo espanhol Ortega y Gasset (2002) das massas serem orientadas pela opinião não refletida. A opinião é a primeira e a última fase da reflexão das massas, não estando aberta ao diálogo, classificando aquele que não compartilha da mesma opinião em uma categoria inferior (no Brasil, “esquerdopata” ou “comunista vagabundo”, na Alemanha nazista, “judeu porco”), retirando sua humanidade, sua cidadania e diminuindo suas capacidades, o objetivo é a manutenção da opinião como verdade.
O resultado deste cenário não pode positivo ser continuarmos caminhando nesta direção. Vivemos uma espécie de “ditadura da opinião” que não surge espontaneamente das massas, mas
que é dirigida por meios de comunicação especializados, e quando temos um cenário desta configuração não é preciso aprovação total da população, lembrando que o Partido Nacional Socialista Alemão nunca teve mais do que 32% dos votos do povo alemão.
O temor da população menos raivosa é que possa se instaurar uma forma mais eficaz de ditadura burguesa ou uma ditadura militar, o que viria a ser o fim dos diálogos, já diminutos, entre
Estado, movimentos sociais e população e a expansão do domínio das classes mais poderosas sobre o povo, tudo isto sancionado pelo silêncio das massas: a indústria cultural voltaria a produzir silêncios e felicidades artificiais, parafraseando o romancista Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo e Paraísos Artificiais.
O título desta publicação tenta sintetizar exatamente o que lemos. Me assusta muitos de nossos jovens e crianças, sem leitura, diálogos ou experiências de vida idolatrarem e defenderem cegamente uma pessoa que defende torturadores e acha que “torturar foi pouco, deveria ter matado”, dentre outras atrocidades, afinal, o futuro do Brasil está nas mãos dos mesmos.
E faço uma aproximação com a animação “A nova onda do imperador”, onde um personagem da Disney tenta recuperar seu trono após ser transformado em um animal. A nova onda fascista  que assola nossa juventude é a forma mais cruel da indústria cultural e do pensamento de massas, pois exclui o direito à diversidade de vidas e pensamentos e fomenta o ódio e a rebelião contra setores específicos da sociedade enquanto salva alguns. A nova onda fascista quer o poder recuperado, mesmo após ter sido rechaçado pela população. E a magia que se pretende realizar está ocorrendo, só ligar a televisão ou acessar as redes sociais: a magia do ódio.
Referências:
ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Indústria Cultural e Sociedade. Trad. Julia Elisabeth Levy. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Trad. Marylene Pinto Michel. São Paulo:Martins Fontes, 2002.
*Cientista Social e Mestre em Educação(UNIR). Professor na Faculdade São Lucas, Porto Velho. Contato em rafael_ademir@hotmail.com

 

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

3 Comments

  1. Perfeita reflexão,pessoas que não convivem respeitosamente com a diversidade de opinião não são dignas de serem democratas!Quanto ao exército de acéfalos neo direitistas,serão os primeiros a serem eliminados quando perceberem,os equívocos da nova ordem,e resolverem se rebelar de forma idêntica à outrora. Basta lembrar do fato histórico do expurgo de Moscou de 1934(ah,muitos deles não leem história) esse cometido por um ditador de esquerda,e o fato fictício literário do romance 1984 de George Orwell,onde um conhecido militante governista ,do personagem Winston,desaparece pelas mãos da repressão do Big Brother por ser considerado muito proativo e portanto,subversivo suspeito.

  2. Boa reflexão! A repetição de discurso midiático se alastra em todas as redes sociais. Muitos não sabem e não entendem o que compartilham. Apenas são repetidores dessas ideias falaciosas que a mídia quer disseminar.

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