Por Roniel Sampaio Silva
É incrível como o termo medíocre passou a ter tantas conotações, oscilando entre sentidos positivos e negativos. Se no arcadismo a mediocridade dourada fazia referencia à simplicidade, hoje a mediocridade tem sido associada ao esforço mínimo. Assim como a ideia de mediocridade foi construída historicamente, o cotidiano traz armadilhas que embora nos obrigue a fugir delas, sempre deixando uma armadilha para nos prender.
Dia após dia tenho me deparado diante de situações que me fazem refletir sobre essa bendita mediocridade; como ela se configura no tempo e no espaço – principalmente como ela está enraízada na cultura brasileira. Vez por outra ela aparece quando pessoas próximas a mim se esquivam do problema educacional.Por exemplo, quando usam a seguinte frase: “Poderia ser pior”. É óbvio que poderia ser pior. Mas não poderia a frase ser revertida para um “poderia ser melhor”?Essa cultura da mediocridade é construída socialmente e ao longo da vida ela parece ter o seguinte desenvolvimento:
Na Escola Como bem escreveu Cristiano Bodart a educação brasileira tem sido obrigada a ser medíocre mediante a uma série de limitações estruturais e institucionais. O professor precisa sempre “nivelar por baixo” e isso vai limitando o potencial de professores e alunos, e desde cedo ensina que o padrão não é a superação e sim a mediocridade. O fato de nossa educação ser quantitativistafaz com que os alunos estejam mais preocupados com um número o qual resume seu desempenho bimestral, ai invésdo aprendizado propriamente dito. Muitos deles estão preocupados em ter a nota maior do que o colega. Nesse sentido, o problema não é a mediocridade em si, mas a referência. A referência da mediocridade do arcadismo era a simplicidade e a vida no campo e não o conhecimento, diferentemente de hoje. Como assim? A referência dos alunos é ser melhor que os outros, não o melhor de si. Assim, se o ambiente for de pessoas cujo potencial é baixo, os demais, ao ter como referência os medíocres vão tornando-se igualmente medíocres. Nas redes sociais costumamos ver sátiras de que os asiáticos são melhores do que nós. Possivelmente isso é procedente. Sabe por quê? Por que culturalmente eles aprendem a ser melhor do que foram ontem e não a ser melhor que o outro. Sendo melhor que você foi ontem, sua referência é sempre positiva, o que o faz superar com maior facilidade a mediocridade.
Na universidade Quando ingressamos na universidade, passamos por uma rigorosa seleção que elimina boa parte dos medíocres. Porém isso não garante um distanciamento da mediocridade, uma pessoa engajada pode virar medíocre, e vice-versa. Alguns estudantes ingressam no movimento estudantil, na iniciação pesquisa, procuram professores para desenvolver projetos e etc. Quando não conseguem, organizam coletivos juvenis e outros projetos externos. Dependendo da instituição, o aprender e o pensar ficam limitados em sala de aula e assim, os professores medíocres costumam influenciar alunos para isso.A mediocridade quantitativista tanto exigida pela capes e a sobrecarga de trabalho dificultam o desenvolvimento de um trabalho criativo, restando, na maioria das vezes uma reprodução academicista para “inflar o lattes”.
No concurso público Terminei a universidade e agora? Preciso arrumar um trabalho, mas não quero ir pra iniciativa privada. A solução é buscar dedicar-se ao máximo para passar em um concurso. Duficilmente um concurseiro, por mais irresponsável que seja é medíocre. Para passar num bom concurso é preciso superar-se e romper com a mediocridade. No ritmo dos estudos, este concurseiro, assim que ingressa no serviço público pensa: “Vou começar o trabalho, darei o máximo de mim e me engajar pra fazer o melhor possível”. Pobre alma…
No trabalho Infelizmente, o peso da cultura institucional e do ambiente social pode motivar ou desmotivar a pessoa. Motivação tem uma relação íntima com a atmosfera institucional, esta por sua vez pode ser medríocre ou engajada, dependendo da gestão. O cara engajado que ingressou no serviço público quando cai numa instituição medíocre tende a ser mediocrizado. Para quem não tem cuidado, a estabilidade do serviço público gera comodismo. Quem busca superar isso é alvo de inveja, boicote e perseguição. É um “mané” quem busca melhorar o trabalho, ou em outro extremo, é petulante ou arrogante. As ações feitas por uma pessoa engajada são questionadas até que o servidor engajado transforma-se num medíocre. Ainda assim, existem exceções. Vinicius de Morais e Machado de Assis eram servidores públicos, seriam eles medíocres? Talvez na repartição sim. É impossível ser competente e engajado quando boa parte da estrutura está comprometida. O jeito é procurar uma válvula de escape ou procurar um ambiente menos medíocre.
Considerações finais. O mais fatalista de tudo é quando sobrevivemos a toda essa trajetória de mediocridade e findamos em um trabalho cuja lógica é medíocre. O trabalho na perspectiva de Émile Durkheim é um ambiente que faz com que as pessoas se sintam integradas à sociedade. Na medida em que o trabalhador se sente improdutivo, inútil ele tente a se sentir fora do ciclo social. É muito comum as pessoas ingressarem no tão sonhado emprego e serem subutilizadas a ponto de serem mediocrizadas. Pessoalmente, morro de medo disso; pra mim isso é como “privatizar a alma”.
Excelente texto. Como servidor público e professor universitário, sinto na pele cada uma das etapas. Uma das coisas que me irrita é quando alguém diz que, pelo fato de já ser concursado, eu já "estou com a vida ganha". O que essa pessoa pensa da vida? A primeira coisa que vem à cabeça de uma pessoa assim é que ela só produz sob a pressão da demissão e será um desperdício de dinheiro público ao passar em um concurso.