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Que Sociologia queremos no Ensino Médio?

Sociologia no Ensino Médio

Por Cristiano das Neves Bodart*

Em um evento voltado à professores de Sociologia do ensino médio, onde proferi uma conferência de abertura, me deparei com uma inquietude daqueles professores de Sociologia, sobretudo dos que não são formados na área. Em sua maioria, a plateia era formada por pedagogos efetivados na cadeira de Sociologia.

Na ocasião fiz uma exposição da trajetória do ensino de Sociologia no Brasil buscando destacar as mudanças ocorridas ao longo de seu histórico intermitente. Busquei evidenciar que nem sempre a Sociologia escolar foi crítica e que precisamos conhecer essa trajetória para sabermos qual sociologia ensinar, sem contudo entrar em maiores detalhes, pois na minha cabeça pareceria que essa questão já estava posta, respondida e superada. Engano meu! As especificidades da Sociologia e sua importância precisam ser repetidas exaustivamente, sobretudo para que nossa classe política dirigente e legislativa compreenda a Sociologia escolar para além de estereótipos absurdos que temos ouvido nos últimos dias. Essa compreensão é fundamental para o aprimoramento da prática docente, sua manutenção e consolidação no currículo escolar. 

Após a exposição, uma professora fez uma importante pergunta: qual Sociologia ensinar? Na ocasião busquei formular uma resposta que tentarei aqui reproduzir por acreditar que ajudará muitos outros professores que possui tal dúvida, bem como evidenciar [ainda que de forma breve] a importância da manutenção dessa disciplina no ensino médio.

Diferentemente de quando a Sociologia tornou-se componente curricular obrigatório no ensino secundário, nos anos de 1920, hoje deve ser crítica, assim como todas as demais Ciências Humanas. Mas essa não é a especificidade da Sociologia, muito menos “formar cidadãos conscientes”; criticidade e cidadania não são questões apenas de Sociologia, mas da Educação. Isto posto, qual seria a especificidade da Sociologia escolar?

Prefiro iniciar dizendo o que não cabe à Sociologia escolar ou o que não é a “Sociologia que queremos”. Não é tarefa do professor de Sociologia resolver conflitos entre alunos (ou de alunos), como se fosse um assistente social ou psicólogo da escola. Não cabe o cabe lecionar algo do tipo “Moral e Cívica”, ditando o que é certo e o que é errado, ensinando-os a cantar o Hino Nacional, realizando projetos de comemoração cívica ou orientar os alunos a fazer fila para receber a merenda. É certo que ao conduzir os alunos à compreensão das diferenças sociais e culturais e do papel das regras de convivência, por exemplo, os conflitos podem vir a reduzir. Nesse sentido, a atuação do professor é indireta. Também não cabe ao professor de Sociologia escolar formar cientistas sociais, exigindo dos alunos do ensino médio a compreensão de teorias e conceitos complexos, nem leitura de textos clássicos (embora seja possível e indicado iniciá-los com fragmentos).

Então, qual a Sociologia escolar que queremos? Desejamos aquela que promova nos alunos o desenvolvimento do estranhamento e da desnaturalização, bem como uma compreensão mínima das relações sociais, ou seja, desenvolver uma percepção relacional dos fenômenos e que tome como ponto de partida a realidade do aluno, seu mundo e suas inquietações.

Por estranhamento entendemos, grosso modo, como sendo a capacidade de questionar as coisas como elas são, buscar compreender o porquê, para quê e como são os fenômenos sociais que se apresentam em nosso cotidiano. Estranhar no sentido de não observar com familiaridade os fenômenos sociais, como se já os conhecesse suficientemente bem e, por tanto, não carecendo de ser problematizado; ao contrário, olhar com curiosidade.

Por desnaturalização chamamos a prática de olhar os fenômenos sociais justamente como sendo “sociais”, ou seja, fruto de relações sociais que se desenvolvem ao longo da História. Em outros termos, destacar que esses fenômenos não são natural (fruto das determinações da natureza), mas resultados de interesses, conflitos e cooperações sociais e, portanto, possíveis de serem modificados.

Por percepção relacional dos fenômenos, entendemos como a competência de refletir os fenômenos sociais em suas relações com os demais fenômenos. Levar os alunos a compreender de que forma suas biografias individuais se ligam as biografias dos demais sujeitos e as estruturas materiais e simbólicas.  

Juntamente com a preocupação de promover o desenvolvimento das competências de estranhamento, de desnaturalização e uma percepção relacional, é necessário oferecer aos alunos elementos teóricos e conceituais mínimos para que possam problematizar os fenômenos sociais para além do senso comum, compreendendo-os e sendo capazes de modificá-los, se assim acreditarem ser o melhor a fazer. Não se trata de romper com o senso comum, mas superá-lo; tomá-lo como ponto de partida.

Uma Sociologia que ofereça aos alunos ferramentas conceituais e teóricas [no plural] mínimas para olhar seu cotidiano de forma relacional, com estranheza e de forma desnaturalizada é o que precisamos. Se avançarmos e conseguirmos introduzir os alunos à prática da pesquisa científica será, certamente, um grande ganho qualitativo; não com o compromisso de produzir Ciência, mas para que possam compreender com maior clareza a diferença entre o conhecimento das Ciências Sociais e o senso comum. É essa a Sociologia que queremos para o ensino médio e entendemos como fundamental para a formação dos nossos jovens.

 

 

*Doutor em Sociologia (USP) e professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. Que Sociologia queremos no ensino médio? Blog Café com Sociologia. 2016. Disponível em: < https://cafecomsociologia.com/que-sociologia-q…-no-ensino-medio/ ‎>. Acessado em: dia, mês, ano.

 

Versão em PDF deste texto AQUI

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

8 Comments

  1. Prezadxs colegas,
    Nosso livro didático “SOCIOLOGIA PARA JOVENS DO SÉCULO XXI” foi aprovado para o PNLD 2018!

    Muitos já conhecem a nossa proposta didática. Agora, aqueles que não a conhecem têm a oportunidade de conhecer.
    Fizemos algumas modificações em relação à edição anterior do PNLD 2015.
    Nesta nova edição temos em cada capítulo uma seção de “Aprendendo com jogos”, além de atividades, indicação de filmes, questões do ENEM, sites, livros, músicas e a seção de interdisciplinaridade.
    Como se trata de uma novidade em relação aos livros didáticos de Sociologia, queremos ressaltar que os jogos em si não constituem o principal da nova seção, e sim as atividades elaboradas que aplicam os jogos educacionais como parte de estratégias de ensino, voltadas para os conteúdos debatidos pela Sociologia. A proposta que apresentamos está fortemente ancorada em jogos de diferentes tipos, cuja função pedagógica deve ser pautada como esses jogos são inseridos em atividades e aulas, onde o desafio e a diversão estão sempre aliadas à imaginação, à cognição e à experiência.
    A questão, portanto, não é a motivação apenas (utilizar ou sugerir um jogo para tornar a aula “mais interessante”) e sim a realização de atividades com finalidades e baseadas em jogos que contribuem para o desenvolvimento da imaginação sociológica e da mobilização de conceitos da Teoria Social, proporcionando um melhor aproveitamento dos conteúdos da disciplina por parte nos estudantes e, acima de tudo, estimulando a sua capacidade crítica diante da realidade que nos cerca.

    ALÉM DESSA NOVIDADE, APRESENTAMOS NO CADERNO DE ORIENTAÇÃO AOS DOCENTES UMA SEÇÃO QUE SUGERE UMA PROPOSTA DIDÁTICA DE INICIAÇÃO À PESQUISA JUNTO AOS ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO.

    OUTRA NOVIDADE DESTA 4ª edição É A APRESENTAÇÃO DE TRÊS CAPÍTULOS NOVOS ABORDANDO A QUESTÃO DE GÊNERO, A DIVERSIDADE SEXUAL E A QUESTÃO INDÍGENA.

    CAPÍTULO 22 – “Lugar de mulher é onde ela quiser?” Relações de gênero e dominação masculina no mundo de hoje

    CAPÍTULO 23 – “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.”Debatendo a diversidade sexual e de gênero

    CAPÍTULO 24 – “Tudo se chama nuvem, Tudo se chama rio”: nossos ancestrais, primeiros habitantes do Brasil

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  2. Excelente texto. Vejo alguns colegas equivocadamente subsidiar indiretamente os defensores da idéia absurda da “escola sem partido” a partir de sua compreensão enviesada, e consequentemente, do ensino de sociologia. Por exemplo. A apresentação da cadeira ao aluno não pode ser tudo, como a minha paixão ou crença ideológica, também por exemplo. Se faltava uma direção para alguns colegas de profissão transmitir o conhecimento sociológico, o professor Bodart nos apontou um norte.

  3. Bom texto! Reflete o mais e o melhor da teoria e prática. Gostaria muito que o pouco pudesse permitir a leitura (pesquisa) e transformação das condições de existência dos professores, estudantes e comunidade. O próprio mundo do trabalho e seus resultados parecem nos desafiar no momento. Obrigado. Felicidades!

  4. Caro, Jorge… O problema da “escola sem partido” não é a “proibição” dos alunos quanto ao estudo da matéria que deveriam saber, mas (isso deveria ter sido superado) é a ajuda “inocente” de professores, que, idiotizados pelo sistema político de sua preferência, fazem com que os alunos ENGULAM suas “teorias” partidárias sem se dar conta que estão em vantagens quando comparados aos alunos. Isso é nocivo e antidemocrático. Sou cético em pensar que os profissionais das Ciências Sociais encontrarão a curto prazo uma solução justa para isso.

  5. Olá.
    Tenho dúvidas sobre 3 pontos. Seria magnífico obter esclarecimentos.
    O primeiro diz respeito aos responsáveis pelo blog. Bom, existe equidade de gênero ou pelo menos tentativa de equidade em sua produção? Ou seja, a quantidade de escritores (homens) dos conteúdos é paritário à quantidade de escritoras (mulheres)? Segundo ponto: acerca do conteúdo do blog em si, leva-se em consideração a relevância da produção acadêmica nas Ciências Sociais realizada por mulheres, pessoas trans e LGBTQ, indígenas, negros/as? O último ponto diz respeito ao ensino de sociologia no EJA (Educação de Jovens e Adultos), existe conteúdo e didática voltada para esse público? Agradeço.

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