Reflexão em torno do objeto de estudo da Sociologia

Fragmentos do artigo “A Sociologia e o mundo moderno” de Otávio Iani
Tempo Social; Rev. Social. USP, S. Paulo, VOLUME 1(1)Vista em perspectiva ampla, observa-se que a Sociologia formula e desenvolve alguns temas da maior importância para a compreensão do Mundo Moderno. Eles dizem respeito às transformações e crises, às épocas e dilemas desse Mundo. (…) Podem ser considerados temas clássicos, inclusive porque polarizam contribuições e controvérsias fundamentais da Sociologia. Estes certamente são alguns dos temas clássicos que essa história nos revela: sociedade civil e estado nacional, multidão, massa e povo, classe social e revolução, ordem e progresso, normal e patológico, racional e irracional, anomia e alienação, sagrado e profano, ideologia e utopia, comunidade e sociedade, passado e presente, tradição e modernidade. É claro que esses e outros temas são tratados diferentemente por umas e outras abordagens teóricas. (…) Mas é inegável que todos dizem respeito ao empenho da Sociologia em compreender e explicar o Mundo Moderno.
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No passado e no presente a reflexão sociológica busca compreender, explicar e influenciar as transformações e crises sociais. Apresenta-se como urna forma de conhecer e ordenar a vida social, de modo a aperfeiçoar o status quo.
Não é fácil dizer, e demonstrar, qual é o núcleo da Sociologia, o seu tema principal, sua essência. Se aceitamos que o pensamento sociológico se forma e transforma com o Mundo Moderno, cabe-nos reconhecer que temas como comunidade e sociedade, ordem e progresso, ideologia e utopia, tradição e modernização, anomia e alienação, revolução e contrarevolução expressam dimensões sociais e teóricas básicas da Sociologia. Talvez seja possível afirmar que esses e alguns outros temas expressam o núcleo dessa forma de pensamento.
Mas é possível sugerir que um aspecto essencial da Sociologia aparece no seu empenho em compreender, explicar e controlar a multidão. A multidão surge na sociedade civil, urbano-industrial, burguesa, capitalista. Aparece nas manifestações de camponeses, operários, populares, desempregados, miseráveis, famélicos. Desde os começos da sociedade nacional, quando se rompem as relações, os processos e as estruturas que organizam o feudo, o grêmio, o convento, a aldeia, o vilarejo, desde esse então ela irrompe na sociedade, com a sociedade. Nos campos e cidades, nas casas de negócios e fábricas, nas ruas e praças, ela se torna uma realidade viva, forte, surpreendente, assustadora, deslumbrante.
(…)
O que está em causa, fundamentalmente, é a questão social que irrompe no horizonte da sociedade moderna, seus governantes, os que detêm os meios materiais e espirituais de controle das instituições sociais. As mais diversas manifestações populares, na cidade e no campo, revelam aspectos sociais, econômicos, políticos, religiosos, culturais e outros da questão nacional.
Uma parte significativa da reflexão sociológica, desde os seus primeiros tempos, relaciona-se a essa problemática, influenciando as reflexões sobre sociedade civil e estado nacional, ordem e progresso, racional e irracional, anomia e alienação, ideologia e utopia, revolução e contra-revolução, comunidade e sociedade. Trata-se de compreender, explicar, orientar, controlar ou expressar a força e o significado da multidão. Nesse sentido é que se pode dizer que a Sociologia realiza uma complexa metamorfose da multidão.
(…)
Uma primeira corrente da Sociologia lida com a ideia de massa. Para muitos, o conceito de massa é suficiente, claro, explicativo. A massa é naturalmente composta de trabaIhadores assalariados, empregados e desempregados, na cidade e no campo. É uma coletividade forte, impressionante, mas que depende de instituições, regras, objetivos e meios para organizar-se, manifestar-se. Caso contrário transborda dos limites do razoável, da conveniência, da ordem. Por isso, depende da elite. Esta é que pode Ihe oferecer referências, norte, sentido. O contraponto necessário da massa é a elite que dirige, comanda, organiza, governa, manda. Pareto é um autor clássico desse ponto de vista. Mas outros houve; e há.
A segunda corrente da Sociologia lida com a ideia de povo. O povo é visto como uma coletividade de cidadãos. Supõe a possibilidade de que a multidão pode ser organizada em movimentos sociais e partidos políticos que a expressam, organizam, educam. A multidão adquire os traços jurídico-políticos convenientes, adequados, quando se organiza como povo, no sentido de coletividade de cidadãos. Cidadãos que se caracterizam pela faculdade de votar e ser votados. No limite, todo e qualquer cidadão pode exercer cargos no legislativo, executivo ou judiciário, desde que preencha os requisitos jurídico-políticos estabelecidos na constituição liberal democrática Tocqueville é um autor que pode situar-se nesse ponto de vista. Outro é Stuart Mill. Mas cabe lembrar que ambos eram moderados, no que se refere à participação do povo no processo político. Cada um a seu modo, julgavam que o exercício do poder político da maioria poderia provocar a tirania.
Isto é, o exercício do poder pelo povo carrega consigo a tirania da maioria. Tocqueville e Stuart Mill podem ter sido os primeiros, mas outros houve; e há.
E uma terceira corrente da Sociologia lida com a ideia de classe social. A classe é vista como uma categoria que expressa as diversidades e desigualdades que se acham na base das manifestações da multidão, massa, povo. Em última instância, o que funda o movimento social, protesto, greve, revolta, revolução, é o modo pelo qual se produz e reparte a riqueza social. A expropriação do trabalhador, produtor de mercadoria, valor, lucro, mais-valia, está na base do pauperismo, desemprego, carência.Disponível em

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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