regras para mudar o mundo

Regras para mudar o mundo

Toda vez que há um ação, reivindicação, protesto que visa mudar o mundo, percebo uma série de regras que reafirmam, então resolvi redigir esse pequeno manual com oito regras para mudar o mundo. Esse texto é fruto de algumas observações sobre como a grande mídia, parte da intelectualidade e demais expressões do senso comum se mobilizam para se dirigir a movimentos que reivindicam superar as desigualdades, opressões e exploração da nosssa sociedade moderna.

Por Roniel Sampaio Silva

Regras para mudar o mundo nº 1:

Não se pode haver nenhum ato de violência. Nenhum mundo melhorou com a violência. Afinal, como todos sabemos, as grandes transformações sociais sempre aconteceram com flores, sorrisos e longos debates cordiais. Todos os sujeitos estabelecidos de poder, renunciaram do seu espaço tão somente pela argumentação racional e convencimento.

Regras para mudar o mundo nº 2:

Não se pode haver vandalismo. Nenhum mundo melhorou com depredação do patrimônio público ou privado. Todas as revoluções que destronaram os déspotas são oriundas de abaixo-assinados e petições meticulosamente redigidas por gênios que a humanidade jamais vai conseguir reproduzir.

Regras para mudar o mundo nº 3:

Não se pode afetar a economia e o curso “natural” do trânsito, no expediente do trabalho, da escola e da rotina consumada do nosso cotidiano. Qualquer tentativa de perturbar essa ordem sagrada arruinará o PIB, ofenderá os mercados e lançará o país no abismo do caos. Não se pode fazer uma revolução subvertendo a ordem econômica das coisas.

Regras para mudar o mundo nº 4:

Não se pode haver questionamento da ordem vigente. Afinal, todo poder é atribuído às pessoas e aos grupos são expressões puras de direito, conquistadas por muita legitimidade, garra e força de vontade. Os latifundiários, banqueiros, especuladores. Servidores públicos com vencimentos acima do teto. Grandes oligarcas que vivem de benesses tributárias. Todos são merecedores, estudaram e lutaram por isso. Todos conquistaram seu lugar com legitimidade e força de vontade — é o que dizem. Todas essas pessoas são impessoalizadas quando convém e humanizadas – também – quando convém. Portanto, não devem ser afetadas.

Regras para mudar o mundo nº 5:

Não se pode haver baderna, barulho, sujeira ou qualquer percepção estética fora da ordem estabelecida. Nenhuma revolução passou por cima de normas de etiqueta, padrões estéticos estabelecidos. Ora, afinal, queremos um mundo melhor e mesmo no momento de transformá-lo deve ser feito de modo tranquilo, lindo, limpo e organizado.

Regras para mudar o mundo nº 6:

Deve-se tolerar de maneira inquestionável todos os pensamentos antidemocráticos, antipovo, negacionismo, classismo, ideologias eugenistas, machismo, racismo e demais ideologias excludentes e nazifascitas. Afinal, como pode um novo regime não aceitar a liberdade de ideologias que tem como germe a destruição de outras expressões ideológicas.

Regras para mudar o mundo nº 7:

Pense na gratidão. Pense nas coisas como estão e como elas são boas. Tenha gratidão. Pense na comida fria, devorada às pressas em 15 minutos. Pense nas quatro horas diárias perdidas no transporte. Pense — e agradeça. Pense que está ruim, mas poderia estar muito pior, mas muito pior. Então, seja muito grato por cada segundo que você sobrevive em vez de viver.

Regras para mudar o mundo nº 8:

Não lute por um mundo melhor. Porque, afinal, querer um mundo melhor exige quebrar regras — e essas regras existem justamente para garantir que o mundo nunca melhore.

Talvez, no fundo, saibamos que essas regras não existem para mudar o mundo, mas sim para garantir que ele continue exatamente como está. Elas se disfarçam de bom senso, de civilidade, de amor à ordem, mas na prática servem como instrumentos de manutenção das desigualdades. São muros invisíveis que delimitam o que pode e o que não pode ser sonhado. São grilhões suaves que nos impedem de romper com o inaceitável. Ainda assim, há quem ouse desobedecer. São essas pessoas, desacreditadas, criminalizadas ou silenciadas, que nos lembram que só é possível transformar o mundo quebrando as regras que o sustentam.

O que você achou dessas regras? Alguma coisa ficou de fora?

Roniel Sampaio Silva

Doutorando em Educação, Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais e Pedagogia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Zona Sul.

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O blog é uma das referências na temática de ensino de Sociologia, sendo acessado também por leitores de outras áreas. Há vários materiais didáticos disponíveis: textos, provas, dinâmicas, podcasts, vídeos, dicas de filme e muito mais.

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