Tag: Eixo- Movimentos sociais/ cidadania/ democracia e políticas públicas

Eixo- Movimentos sociais/ cidadania/ democracia e políticas públicas

Em resumo, podemos entender a cidadania como toda prática que envolve reivindicação, interesse pela coletividade, organização de associações, luta pela qualidade de vida, seja na família, no bairro, no trabalho, ou na escola. Ela implica um aprendizado contínuo, uma mudança de conduta diante da sociedade de consumo que coloca o indivíduo como competidor pelos bens da produção capitalista.
 Mas é preciso não confundir a cidadania com as soluções individualistas estimuladas pelo próprio sistema de competição hoje vigente: ou seja, o indivíduo que prefere pagar por sua segurança em um condomínio fechado ou contratando “polícia” particular, não exigindo que o poder público forneça a segurança de ir e vir no espaço urbano, não está exercendo sua cidadania.

E um dos grandes problemas para o exercício da cidadania em nossa sociedade é exatamente o individualismo incentivado pela sociedade de consumo e pelo neoliberalismo. Ao nos preocuparmos apenas com nós mesmos, ao abandonar a defesa da coletividade, estamos enfraquecendo a cidadania em nosso país, assim como nossos próprios direitos

  • O Marco Civil da internet: muito adjetivo e pouca leitura

    O Marco Civil da internet: muito adjetivo e pouca leitura

    O Marco Civil da internet está sendo discutido e encaminhado para aprovação.  Acompanhamos uma chuva de desinformação. Até que ponto o anti-esquerdismo vira um coral da ignorância? Muitas das matérias legislativas atuais são dotadas de uma política-partidária vazia que cria discursos falaciosos. Evidentemente muitos estão mais preocupados em combater as pessoas do que as ideias.

    Um exemplo claro disso é o marco civil, que está há muito tempo em discussão dos mais variados segmentos sociais (para mais detalhes acesse https://edemocracia.camara.gov.br/ ). Não é um projeto do governo é um projeto de iniciativa popular que foi “adotado” por um deputado governista. Isso tem sido o suficiente pra tirar o foco da discussão.

     

    Uma direita a qual é representada por Bolsonaro é tão contraditória que vai de encontro aos princípios liberais de Norberto Bobbio: “Democracia é sobretudo as defesas das regras do jogo”. O Marco civil representa justamente a defesa das regras do jogo. Ainda assim, preferem rotular o feito como “Ditadura comunista do PT”, dar adjetivos é mais conveniente do que argumentar, não concorda?

    Pra entender melhor, buscaremos ser didáticos:

    O que é Marco Civil da internet?

    Se antes a internet não era regulada por princípios norteadores, agora tem. Antes não existia nem direitos e nem deveres para os usuários, que por sua vez ficavam reféns dos abusos dos sites e dos provedores de internet. Pra se ter uma ideia, em casos de controvérsias judiciais era necessário abrir uma ação judicial no país da empresa prestadora do serviço. O Gmail prejudicou você? vá até os EUA e abra uma ação com base nas leis estadunidenses . Em suma enquanto o Projeto de Lei não for sancionado o internauta ficará desamparado, sem direitos nem garantias civis.

    São verdadeiras as críticas ao Marco Civil? Existe uma série de campanhas dentro e fora da internet buscam barrar o projeto, as alegações são as mais variadas possíveis, mas será se elas estão presentes no texto da lei?

    No vídeo abaixo, faz algumas críticas ao projeto e a partir disso vamos buscar a coerência com o texto da câmara. Vejamos o vídeo:

    Vamos recortar algumas pontos da fala do deputado e buscar o correspondente no Marco Civil da Internet:

    I- Afirmação “Regular é Censurar” Cria-se um sinônimo que orienta um discurso de forma descontextualizada. Regular significa criar regras para que não fiquemos vulneráveis aos abusos de quem quer que seja na internet.

    Veja o que diz o o documento:

    “Art. 3º A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes princípios: I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição; ”

    II- Afirmação “Prefiro que o Obama leia meus emails.” Clara alusão à subserviência aos interesses imperialistas. A NSA foi denunciada por um cidadão estadunidense de nome Snowden que desmascarou o sistema de espionagem em seu país contra cidadãos, aliados e principalmente brasileiros.

    III- Afirmação “Uma quadrilha indicada pelo PT” A quadrilha mencionada é justamente o comitê gestor que existe desde 1995 e envolve vários segmentos da sociedade para discutir soluções técnicas para melhoria da internet brasileira. Funciona com uma espécie de conselho e assessora várias instituições em materiais a internet. Pelo jeito, o deputado não se simpatiza com democracia participativa, muito menos com democracia. Ele é um dos grandes opositores da Comissão Nacional da Verdade e defende a ditadura de 1964 sempre que é oportuno. Contraditório, não?

    IV- Afirmação “[…]Eles podem invadir a tua privacidade e acabar com tua vida” Por ignorância o deputado está sendo contra sua própria privacidade, tendo em vista que o documento diz:

    “Art. 8º A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet.”

     

    Considerações finais

    O documento causa incomodo porque dá fim a muitos privilégios das grandes coorporações de telecomunicações. Pelo jeito, o lobby para o arquivamento da proposta tem sido gigantesco, afinal tem muito poder em jogo. Todavia, os argumentos contra o projeto são tão pífios que assim que um crítico tem acesso ao documento, fica com vergonha de ter falado tanta asneira sem sequer ter lido o documento.

    É a favor ao projeto? “É cubano! É cubano rapaz! Vai pra Cuba!” O mantra predileto do deputado, continua sendo mais fácil que argumentar.

     

    Link do PL completo:

    https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=517255

  • Justiça social e confronto político

    Justiça social e confronto político

    A justiça social é um tema central para a sociologia, pois está relacionada com a distribuição de recursos e poder na sociedade. Segundo McAdam, Tilly e Tarrow (2001), a luta por justiça social envolve a mobilização de grupos e indivíduos que se encontram em desvantagem em relação aos demais membros da sociedade, buscando mudar as estruturas políticas e econômicas que perpetuam a desigualdade.

    A justiça social é um conceito complexo e multifacetado, que envolve diversos aspectos da vida social. Segundo Tilly (2000), a ela  pode ser entendida como uma luta contra a exclusão social e a discriminação, visando a garantia de acesso igualitário aos recursos e oportunidades disponíveis na sociedade. Para McAdam (1999), a justiça social pode ser vista como uma demanda por igualdade de condições e oportunidades, que envolve não apenas a distribuição de recursos, mas também a transformação das relações de poder que mantêm a desigualdade.

    A luta por este tipo de justiça pode assumir diversas formas, desde manifestações pacíficas até conflitos violentos. Segundo Tilly (2006), os movimentos sociais são uma forma comum de mobilização por justiça social, que envolvem a organização de grupos que compartilham uma identidade coletiva e uma demanda por mudanças sociais. Para McAdam (1999), os movimentos sociais são importantes porque são capazes de mobilizar recursos e gerar pressão política, o que pode levar à transformação das estruturas de poder e à conquista de direitos.

    No entanto, a luta por tal justiça também enfrenta desafios e obstáculos, como a resistência por parte das elites políticas e econômicas e a repressão por parte das forças de segurança. Segundo Tarrow (1998), a ação coletiva por justiça social pode ser dificultada pela falta de recursos, pela fragmentação dos grupos e pela ausência de estratégias eficazes de mobilização. Além disso, a luta por justiça social pode gerar conflitos e divisões dentro dos próprios grupos, especialmente quando se tratam de demandas divergentes ou conflitantes.

    Conclusão

    A justiça social é um tema central para a sociologia, que envolve a luta por igualdade de condições e oportunidades na sociedade. A mobilização por ela pode assumir diversas formas e envolver diferentes grupos e indivíduos, mas é sempre uma demanda por mudanças nas estruturas políticas e econômicas que perpetuam a desigualdade. No entanto, a luta por ela  também enfrenta desafios e obstáculos, como a resistência por parte das elites e a repressão por parte das forças de segurança. É importante que a sociologia continue a estudar e analisar a luta por ela , a fim de compreender suas dinâmicas e desafios e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

     

    injusti a social sociedade Brasil

    O porquê de tantos movimentos sociais e outras ações coletivas na sociedade moderna?

    O que cria insatisfação social em países como o Brasil? Seria a pobreza ou a desigualdade social ou, ainda, a falta de justiça social?
    Poderíamos apresentar aqui as contribuições de McAdam, Tilly ou de Tarrow, mas vamos nos remeter a algo menos “pesado”. O vídeo abaixo nos dá pistas iniciais para a compreensão desses fenômenos.

     

     

    Referências

    MCADAM, D.; TILLY, C.; TARROW, S. Dynamics of Contention. Cambridge University Press, 2001.

  • CGU Poderes da turminha: Conscientização de professores e alunos

    CGU Poderes da turminha: Conscientização de professores e alunos

    Os poders da Turminha capa

    Está disponível, desde esta quinta-feira, dia 6, a versão para impressão do gibi ”Os poderes da Turminha”, criado pela Controladoria-Geral da União para atingir o público infantil. A revista, até o momento disponível apenas para leitura online no Portalzinho da Criança Cidadã, poderá ser agora impressa e facilitar a discussão do tema “Ética e Cidadania” entre as crianças.

    A história em quadrinhos poderá ser usada nas escolas e em órgãos públicos, além de poder ser compartilhada em ações comunitárias. A ideia é que as pessoas tenham em mãos, gratuitamente, essa publicação para que haja uma maior difusão do tema “Combate à Corrupção” junto ao público infantil.
    O gibi é composto por oito páginas e trata a vida de Eduardo e Lia, um casal em busca de uma vaga na creche pública para o filho Gabriel. O conteúdo da revistinha leva a criança a conhecer o papel dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; compreender a origem dos recursos públicos e saber sobre o direito que as pessoas têm de fiscalizar o uso desses recursos.
    A versão para impressão da história “Os poderes da Turminha” está disponível na seção “Professor > Material Didático” do Portalzinho da Criança Cidadã, da CGU. Gostou do CGU Poderes da turminha? Deixe nos comentários
  • Apostila CGU: Controle social

    Apostila CGU: Controle social

    Download apostila controle social

    controle social
    Com a elaboração desta cartilha sobre controle social, a Controladoria-Geral da União (CGU) quer contribuir para a formação de uma nova cultura política, fundada na democracia participativa, em que cada cidadão, individualmente, ou reunido em associações civis, é convidado a exercer o seu papel de sujeito no planejamento, gestão e controle das políticas públicas.  A CGU deseja compartilhar com o cidadão o conhecimento que possui sobre planejamento orçamentário, execução de despesas e outros assuntos relacionados aos recursos públicos, com o objetivo de estimular a formação de uma infinidade de fiscais do dinheiro público que, consequentemente, irá ajudar a combater e prevenir a corrupção e trabalhar em favor da aplicação correta e transparente dos impostos arrecadados.
    Com esse material, o cidadão terá a oportunidade de aprender como se organiza politicamente o Estado brasileiro, terá explicações sobre a fundamentação jurídica que garante a cada um de nós o direito de exercer o controle social e receberá orientações de como se organizar e participar efetivamente.

    Para ter acesso ao material baixe aqui ou aqui

  • Movimento Passe Livre – SP – protagonista das manifestações

    Movimento Passe Livre – SP – protagonista das manifestações

    Protagonismo Juvenil: Movimento Passe Livre

    Por Felipe Onisto*  

     

    Interpretar as manifestações das ruas, que ganharam força no mês de junho de 2013 é a atual tarefa dos intelectuais do país. Sua complexidade possibilita inúmeras análises e projeções futuras. Algo soa comum: o Movimento Passe Livre (PL) – São Paulo foi precursor das revoltas que eclodiram, porém, os protestos se desdobraram frente a inúmeras exigências cobradas dos gestores públicos, representantes das instituições políticas. Esta segmentação oportuniza uma série de considerações, destarte, este artigo se volta à discussão exclusiva do movimento Passe Livre – SP.
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    Durante entrevista concedida ao programa Roda Viva (TV Cultura – 2013), integrantes do PL salientaram que o real sentido das manifestações naquele momento era a redução da tarifa do ônibus. No entanto, a população de forma geral sentiu a necessidade de colocar em pauta outras questões. Ao estudar o PL, é notório que suas diretrizes questionam a maneira como se conduz o Estado, principalmente no tocante a abstenção em gerir o transporte coletivo.
    Frente ao movimento, composto por cerca de 40 pessoas, encontram-se na grande maioria professores e estudantes da área de Ciências Humanas, com articulação discursiva peculiar e um conjunto de estatísticas que objetivam sustentar seus argumentos. Em um dos discursos, os integrantes sintetizam que 15% da renda de pessoas que recebem até um salário mínimo é gasto em transporte público, relembram assim, a revolta não é contra partidos ou figuras políticas específicas, mas, contra a forma que se autorregula o sistema econômico vigente e a maneira que se posiciona o Estado.
    Neste sentido, o principal foco das manifestações foi colocar em discussão a função social do Estado diante da mobilidade urbana, levando em consideração que este postulado favorece a dinâmica social dos grandes centros. Segundo os integrantes do PL, discutir transporte coletivo é primordial frente ao processo de desenvolvimento econômico adotado pelo Governo Federal. Fazer do transporte de massa um serviço de qualidade, resulta em “descarregar” o trânsito, melhorar a qualidade do ar e tornar a cidade espaço de todos os cidadãos. Ao potencializar o consumo de carros com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e queda da Taxa Básica de Juros, o governo caminhou contrário a esta análise, enxertando milhões de veículos nas ruas. No entanto, a infraestrutura não acompanhou este ritmo, emergindo tais discussões.
    Ao colocar em cena a responsabilidade do Estado em custear o transporte coletivo, o movimento em São Paulo conseguiu um subsídio de R$ 400.000.000,00 para evitar o aumento das tarifas. Em contrapartida, o resistente prefeito Fernando Haddad deixou claro que a cidade não possuía o valor em caixa, visto que não estava no orçamento. Todavia, este valor sairia de outro setor, fato que levanta outras discussões.
    As manifestações conseguiram demonstrar a capacidade de articulação da população ao se mobilizar contra as injustiças sociais, que se reafirmam historicamente. Com isso, talvez nossos representantes pensarão muito na tentativa de criar políticas em prol de apenas uma classe, levando em conta a capacidade organizacional da população como um todo. Ao conseguir o primeiro objetivo, os integrantes do PL se tornaram satíricos ao escrever um artigo para o livro “Cidades Rebeldes” (2013) da editora Boitempo, com o título “Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo”. No início do texto, a analogia ao livro “Manifesto do Partido Comunista” (1848) de Karl Marx é notória: Como um fantasma que ronda as cidades deixando marcas vivas no espaço e na memória, as revoltas populares em torno do transporte coletivo assaltam a história das metrópoles brasileiras desde sua formação.
    O anúncio desta frase possibilita prever possíveis manifestações para o este ano, no momento em que os reajustes tarifários voltarem à cena, se isso for colocado em jogo pelos governos, certamente não será. Frente a isto, surge uma indagação latente: Teriam os governos uma segunda saída além de resolver os problemas da mobilidade urbana? Em ano de eleições esta discussão é primordial. Desta forma, o problema deve ser debatido excessivamente e não maquiado com subsídios para que a população não espere afoita com recursos próprios.

     

    *Felipe Onisto – Sociólogo, Pós Graduado em Gestão Pública – UFSC, professor da Universidade do Contestado – UnC, onde leciona nos cursos de Ciências Sociais e História.

  • Consumo, imaginário e “rolezinho”

    Consumo, imaginário e “rolezinho”

    rolezinho é um fenômeno social que surgiu no Brasil no final de 2013, quando grupos de jovens, em sua maioria da periferia, começaram a se organizar para se encontrar em shoppings centers, geralmente em grandes grupos, com o objetivo de se divertir, socializar e aproveitar as atrações disponíveis.

    Os rolezinhos surgiram como uma forma de ocupação pacífica de espaços públicos que historicamente foram negados a esses jovens, devido a barreiras econômicas e sociais. Os shoppings centers são espaços de consumo, mas também são lugares de convivência, e os rolezinhos permitiram que esses jovens ocupassem esses espaços e tivessem acesso a essas experiências.

    No entanto, o fenômeno dos rolezinhos também gerou polêmica e controvérsia. Alguns shoppings centers proibiram a entrada de grupos de jovens em suas dependências, alegando razões de segurança e ordem pública. Houve também relatos de conflitos entre os jovens e a polícia, que muitas vezes utilizou a força para dispersar os grupos.

    Parte da polêmica em torno dos rolezinhos se deve ao fato de que eles são vistos como um desafio à ordem estabelecida, e como uma ameaça ao status quo. Os jovens que participam desses encontros são em sua maioria negros e de classes populares, e muitas vezes são estigmatizados pela sociedade como delinquentes ou marginais. O fato de ocuparem espaços que historicamente lhes foram negados é visto como uma forma de reivindicação de direitos e de inclusão social.

    Por outro lado, há também críticas aos rolezinhos por parte de setores conservadores da sociedade, que veem esses encontros como uma forma de vandalismo e desrespeito às normas e valores sociais. Para esses setores, os rolezinhos representam uma ameaça à segurança pública e à ordem social, e devem ser combatidos com rigor.

    O debate em torno dos rolezinhos envolve questões complexas de exclusão social, racismo, criminalização da pobreza e da juventude, entre outras. É importante que sejam criados espaços de diálogo entre os diferentes setores da sociedade para se discutir essas questões e buscar soluções para as desigualdades e injustiças que levaram à criação do rolezinho.

    Um ponto positivo dos rolezinhos é que eles mostram a força e a criatividade da juventude brasileira, que luta por seus direitos e por uma sociedade mais inclusiva e justa. Os rolezinhos também são uma forma de resistência cultural, que valoriza a diversidade e a pluralidade cultural do país.

    Para garantir o direito dos jovens de participar dos rolezinhos e de ocupar os espaços públicos, é preciso que haja um diálogo entre os jovens, as autoridades e os empresários que administram os shoppings centers. É preciso criar mecanismos de segurança que garantam a integridade física dos participantes dos rolezinhos, mas que não os criminalizem ou os impeçam de se divertir e de se socializar

    Por Lisandro Lucas de Lima Moura[1]
    cnt7291854 h348 w619 aNoChange video mostra aglomeracao durante rolezinho em shopping de sp
    Foto: Notícias Terra.

    Por trás das ações espontâneas ou organizadas denominadas de “rolezinhos”, tais como passear, curtir, zoar, conhecer gente nova, beijar, “vestir roupas de marca”, “subir a escada rolante que desce” ou “entrar no cinema pela saída”, está uma nova maneira de encarar o consumo na sociedade contemporânea, que tem os shopping centers como lugar sagrado. No centro desse fenômeno social está a população oriunda das periferias das grandes cidades, que vem ganhando poder de consumo, e que hoje está no centro de uma nova onda cultural marcada pelo Funk Ostentação. Não foi assim que aprendemos, que o consumo define o nosso caráter? Que você é aquilo que você tem? Que para pertencer à sociedade, ser um cidadão, você precisa ser antes um consumidor? Pois então, o que acontece quando os jovens decidem seguir essas recomendações?

    Sociologicamente, no contexto dessa nova perspectiva acenada pelos jovens indesejados, o consumo não é tanto o resultado de uma estrutura material de mercadorias com valor de uso, mas uma forma simbólica e emocional de expressão que pode ganhar ares de contestação. O filósofo Alain de Botton é preciso nas palavras: “De certa forma, estamos todos participando deste sistema, onde bens materiais carregam valores. Quem diz que estamos nos tornando cada vez mais materialistas e gananciosos está perdendo o ponto: não estamos interessados na matéria, somos uma sociedade que investiu significado emocional em objetos.”

     

    Seguindo o raciocínio do Botton, quando os valores humanos e emocionais se sobressaem em relação à materialidade dos bens, ao valor de uso e ao valor de troca das mercadorias, tornando-se uma forma de “protesto”, o consumo passa a representar o poder do feitiço no sentido original do termo. Não mais o feitiço como “fetichismo da mercadoria” ou como “falsa consciência”. A fantasia deixa de ser sinônimo de alienação, na qual a mercadoria exerceria controle sobre o indivíduo. E a aquisição de bens de consumo passa a representar algo a mais do que um simples desejo de ascensão social. O que se observa agora é uma nova prática que se utiliza da sedução do consumo como exercício de crítica, consciente ou inconsciente.
    Eis o depoimento de um jovem participante do rolezinho: “Queremos apenas o direito de zoar e nos divertir, de desfrutar das mesmas opções de lazer e entretenimento das elites. Queremos ter acesso a bens de consumo das mesmas marcas e qualidade dos que a burguesia usa. Nossa ostentação e barulho é um grito contra a verdadeira ostentação e violências que os poderosos jogam na nossa cara todo dia.”
    Tudo indica que o rolezinho é sintoma de um mundo neotribal imerso num duelo de imaginários, em que o consumo passa a ser a figura emblemática, o totem do combate simbólico contra o preconceito e as desigualdades sociais. As marcas funcionam como arquétipos da conquista do direito a ser visto e a fazer parte da sociedade-ostentação, sociedade até então restrita à classe média branca consumista. O rolezinho, nesse caso, é uma espécie de rito orgiástico que carrega consigo a força (socialmente mal-interpretada) do anti-herói.
    É cômico observar as críticas generalizadas por parte da classe média consumista ao consumo da população mais pobre. Apesar de contraditório, isso não é nenhuma novidade. Quando os jovens negros da periferia decidem reivindicar o shopping como espaço de direito de todos e não de privilégio de poucos, numa espécie de transe coletivo, a classe média branca reage porque sempre atuou consciente ou inconscientemente pela lógica da distinção, como já demonstrou o sociólogo Pierre Bourdieu. Para uma parcela da população brasileira, soa irritante ver os meninos do funk desfilando num Citroën, carregado de mulheres e “plaques de 100”, como nos clipes musicais do Mc Guimê. Até então, algo indiscutivelmente restrito ao universo vip dos camarotes da elite.
    A ocupação dos shopping representa, portanto, uma forma de participação mágica no estranho, no universo urbano, seguro e familiar do branco. Essa participação é vista como invasão de espaço pela população preconceituosa. E é também por isso que uma prática aparentemente trivial transformou-se numa manifestação política ao revelar um Brasil segregacionista, que tem dificuldades de dividir espaço com quem é diferente. Quem poderia imaginar que um rolezinho no shopping pudesse revelar nossas próprias contradições? Quem desconfiava que o ato de consumir pudesse nos dizer algo sobre uma possível contestação à própria sociedade do consumo? Eis a força do feitiço da mercadoria que se volta contra ela própria. Estaria o capitalismo sendo derrotado pelo próprio imaginário que tentou engendrar?
    [1] Professor de Sociologia do IFSul Câmpus Bagé. Graduado em Ciências Sociais pela UFRGS e Mestre em Educação pela UFPel.
  • Dica de atividade Reforma política brasileira

    Dica de atividade Reforma política brasileira

    reforma politica
    O Brasil precisa de uma reforma política?
    Não importa a ocasião, há um tema sempre reincidente na ordem do dia e que é muito mencionado pelos especialistas e pela mídia: a reforma política.
    Desse modo, muito se fala em fidelidade partidária, financiamento público de campanha, voto distrital, coeficiente eleitoral e etc. Todos estes termos são bem complexos para maioria das pessoas, no entanto, toda essa discussão é bem bem oportuna para se discutir em sala uma vez que é comum os meios de comunicação trazerem “fórmulas prontas” orientado por interesses dos grupos que os financiam.

     

    Pensando nisso, elaboramos um questionário a partir de um texto elaborado pela Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade- ABRACCI. Abaixo segue um roteiro para que seja respondido e discutido em sala.
    Desse modo é possível discutir alguns conceitos básicos de ciência política e ao mesmo tempo problematizar alguns direcionamentos para que a democracia brasileira seja aprimorada. Com base no texto abaixo, responda o questionário:

     

    Questionário:

    1- Faça um cronograma com os principais eventos relacionados à reforma política:

    2- Qual o conceito de democracia e quais as formas de participação democrática?

    3- Cite uma frase do dia-dia que corresponda aos termos a seguir:
    a) Patriarcado
    b)Patrimonialismo
    c) Oligarquia
    d) Nepotismo
    e) Clientelismo
    f) Personalismo

    4- Pesquisa em outras fontes o que são políticas públicas.

    5- Procure imaginar uma política pública existente ou não para cada princípio abaixo:
    a) igualdade
    b) diversidade
    c) justiça
    d) liberdade
    e) participação
    d) transparência
    e) controle social

    Parte II- Divida a sala em 5 grupos e peça que cada um deles apresente as propostas do documento.  Após um grupo fazer a proposta, o grupo seguinte deve tecer comentários sobre a viabilidade, vantagem, desvantagem e orientação teórica para tais direcionamentos.

    6- No texto há cinco eixos de propostas relacionados a reforma politica. Leia e comente sua opinião sobre cada uma delas:
    I- Fortalecimento da democracia direta;
    II- Fortalecimento da democracia participativa
    III- Aprimoramento da democracia representativa: Sistemas eleitorais e partidos políticos
    IV- Democratização da informação e da comunicação
    V- Democratização e transparência do poder judiciário

    7- O Brasil precisa de uma reforma política? Justifique sua resposta.

    Acesse o texto completo aqui

     

  • Lei Maria da Penha em Cordel

    Lei Maria da Penha em Cordel

    Verso Maria da Penha

    capa dvd tiao simpatia
     lei maria da penha em cordel
    (tião simpatia)
    i
    a lei maria da penha
    está em pleno vigor
    não veio pra prender homem
    mas pra punir agressor
    pois em “mulher não se bate
    nem mesmo com uma flor”.
    ii
    a violência doméstica
    tem sido uma grande vilã

    e por ser contra a violência
    desta lei me tornei fã
    pra que a mulher de hoje
    não seja uma vítima amanhã.

    iii
    toda mulher tem direito
    a viver sem violência
    é verdade, está na lei
    que tem muita eficiência
    pra punir o agressor
    e à vítima, dar assistência.
    iv
    tá no artigo primeiro
    que a lei visa coibir;
    a violência doméstica
    como também, prevenir;
    com medidas protetivas
    e ao agressor, punir.
    v
    já o artigo segundo
    desta lei especial
    independente de classe
    nível educacional
    de raça, de etnia;
    e opção sexual…
    vi
    de cultura e de idade
    de renda e religião
    todas gozam dos direitos
    sim, todas! sem exceção.
    que estão assegurados
    pela constituição.
    vii
    e que direitos são esses?
    eis aqui a relação:
    à vida, à segurança.
    também à alimentação
    à cultura e à justiça
    à saúde e à educação.
    viii
    além da cidadania
    também à dignidade
    ainda tem moradia
    e o direito à liberdade.
    só tem direitos nos “as”,
    e nos “os”, não tem novidade?
    xix
    tem, direito ao esporte
    ao trabalho e ao lazer
    e o acesso à política
    pro brasil desenvolver
    e tantos outros direitos
    que não dá tempo dizer.
    x
    a lei maria da penha
    cobre todos esses planos?
    ah, já estão assegurados
    pelos direitos humanos.
    a lei é mais um recurso
    pra corrigir outros danos.
    xi
    por exemplo: a mulher
    antes da lei existir,
    apanhava, e a justiça.
    não tinha como punir
    ele voltava pra casa
    e tornava a agredir. (agredi-la).
    xii
    com a lei é diferente
    é crime inaceitável
    se bater, vai pra cadeia
    agressão é intolerável
    o estado protege a vítima
    depois pune o responsável.
    xiii
    segundo o artigo sétimo
    os tipos de violência
    doméstica e familiar
    têm na sua abrangência
    as cinco categorias
    que descrevo na sequência.
    xiv
    a primeira é a física
    entendendo como tal:
    qualquer conduta ofensiva
    de modo irracional
    que fira a integridade
    e a saúde corporal…
    xv
    tapas, socos, empurrões;
    beliscões e pontapés
    arranhões, puxões de orelha;
    seja um, ou sejam dez
    tudo é violência física
    e causam dores cruéis.
    xvi
    vamos ao segundo tipo
    que é a psicológica
    esta, merece atenção
    mais didática e pedagógica
    com a auto estima baixa
    toda a vida perde a lógica…
    xvii
    chantagem, humilhação;
    insultos; constrangimento;
    são danos que interferem
    no seu desenvolvimento
    baixando a autoestima
    aumentando o sofrimento.
    xviii
    violência sexual:
    dá-se pela coação
    ou uso da força física
    causando intimidação
    e obrigando a mulher
    ao ato da relação…
    xix
    qualquer ação que impeça
    esta mulher de usar
    método contraceptivo
    ou para engravidar
    seu direito está na lei
    basta só reivindicar.
    xx
    a quarta categoria
    é a patrimonial:
    retenção, subtração,
    destruição parcial
    ou total de seus pertences
    culmina em ação penal…
    xxi
    instrumentos de trabalho
    documentos pessoais
    ou recursos econômicos
    além de outras coisas mais
    tudo isso configura
    em danos materiais.
    xxii
    a quinta categoria
    é violência moral
    são os crimes contra a honra
    está no código penal
    injúria, difamação;
    calúnia, etc. e tal.
    xxiii
    segundo o artigo quinto
    esses tipos de violência
    dão-se em diversos âmbitos
    porém é na residência
    que a violência doméstica
    tem sua maior incidência.
    xxiv
    quem pode ser enquadrado
    como agente/agressor?
    marido ou companheiro
    namorado ou ex-amor
    no caso de uma doméstica
    pode ser o empregador.
    xxv
    se por acaso o irmão
    agredir a sua irmã
    o filho, agredir a mãe;
    seja nova ou anciã
    é violência doméstica
    são membros do mesmo clã.
    xvi
    e se acaso for o homem
    que da mulher apanhar?
    é violência doméstica?
    você pode me explicar?
    tudo pode acontecer
    no âmbito familiar.
    xxvii
    nesse caso é diferente;
    a lei é bastante clara!
    por ser uma questão de gênero
    somente à mulher ampara
    se a mulher for valente
    o homem que livre a cara.
    xxviii
    e procure seus direitos
    da forma que lhe convenha
    se o sujeito aprontou
    e a mulher desceu-lhe a lenha
    recorra ao código penal
    não à lei maria da penha.
    xxix
    agora, num caso lésbico;
    se no qual a companheira
    oferecer qualquer risco
    à vida de sua parceira
    a agressora é punida;
    pois a lei não dá bobeira.
    xxx
    para que os seus direitos
    estejam assegurados
    a lei maria da penha
    também cria os juizados
    de violência doméstica
    para todos os estados.
    xxxi
    aí, cabe aos governantes
    de cada federação
    destinarem os recursos
    para implementação
    da lei maria da penha
    em prol da população.
    xxxii
    espero ter sido útil
    neste cordel que criei
    para informar o povo
    sobre a importância da lei
    pois quem agride uma rainha
    não merece ser um rei.
    xxxiii
    dizia o velho ditado
    que “ninguém mete a colher”.
    em briga de namorado
    ou de “marido e mulher”
    não metia… agora, mete!
    pois isso agora reflete
    no mundo que a gente quer.
    FONTE: https://latitudeslatinas.com
  • Democracia, corrupção e omissão: texto e atividades

    Democracia, corrupção e omissão: texto e atividades

    A corrupção é um problema que afeta muitos países, incluindo aqueles com governos democráticos. A corrupção na democracia se refere à ilegalidade ou má conduta por parte de funcionários públicos ou políticos que abusam de suas posições de poder para beneficiar a si mesmos ou a outros, geralmente em troca de dinheiro ou outros benefícios.

    Corrupção na democracia

    A dica de leitura e reflexão (ou ainda, dica de uma aula) é ler o fragmento do texto sobre Corrupção na democracia, de Marcia Tiburi, e a partir dele refletir algumas questões importantes.

    Segue fragmento do texto e sugestões de questões para reflexão:

    Por que somos corruptos?

    A máxima “o poder corrompe” é a bandeira que cobre o caixão no qual velamos a política. Ela é primeiro desfraldada por aqueles que pretendem evitar a partilha do poder que constitui a democracia. Ela é aceita por todos aqueles que se deixam levar pela noção de que o poder não presta e, deste modo, doam o poder a outros como se dele não fizessem parte. Esquecem-se que a falta de poder também corrompe, mas esquecem sobretudo de refletir sobre o que é o poder, ou seja, ação conjunta.
    Democracia é partilha do poder. É o campo da vida comum, a vida onde todos estamos juntos como numa mesma embarcação em mar aberto. Partilhamos o poder querendo ou não, mas podemos fazê-lo de modo submisso ou democrático, omisso ou presente. Estamos dentro da democracia e precisamos seguir suas conseqüências. Democracia é também responsabilização pelo contexto em que vivemos: pelo resultado das eleições, pela miséria, pelo cenário inteiro que produzimos por ação ou omissão. Mas não nos detivemos em escala social para entender o que a democracia é e, por isso, falta-nos a reflexão que é capaz de orientar o seu sentido, bem como o sentido do poder e da política.
    […] É nosso dever hoje reavaliar a experiência brasileira diante da política. A compreensão da política como campo da profissão, por definição, corrupta, é ela mesma corrompida e corrupta. Ela destrói a política, cujo significado, precisamos hoje, refazer. Esta é a ação política mais urgente. Acostumamo-nos ao pré-conceito de que política é apenas governabilidade e deixamos de lado a ideia fundamental de que a política é projeto de sociedade da qual participam todos os cidadãos. Reclusos em nossas casas, acreditamos que a esfera da vida privada está imune ao político. Esquecemos que o pessoal é também político, não como espetáculo, mas como lugar de relação e modelo da esfera macroscópica da sociedade. […] Na omissão praticamos a anti-política. Toda anti-política que seja omissão e não crítica é corrupção da política por ser corrupção da ação. A mais urgente das ações políticas na atualidade, além da punição dos que transformaram nossa governabilidade em prostituição da ação, é refazermo-nos como políticos no verdadeiro sentido.
    Este artigo é fragmento do artigo que foi publicado em Zero Hora de 30 de abril de 2006, na Coluna Tema para Debate.

    Questões para reflexão:

    1.   1.  Quais as consequências do desinteresse da sociedade pela política?
    2.  É possível não nos envolvermos com a política?

    3. Corrupção existente hoje na política brasileira é culpa apenas dos políticos profissionais?

     

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  • Ei, psiu! Você que vai às ruas protestar e que cobra ações dos políticos, sabe o que é Accountability?

    Ei, psiu! Você que vai às ruas protestar e que cobra ações dos políticos, sabe o que é Accountability?

    Ei, psiu! Você que vai às ruas protestar e que cobra ações dos políticos, sabe o que é Accountability?

    Por Cristiano das Neves Bodart

    Democracia demanda liberdade de expressão/manifestação e condições para sua efetivação consciente. O conhecimento das regras do jogo é de suma importância para a efetivação de uma democracia sólida. Você, leitor, que vai às ruas protestar, sabe o que é Accountability? Tal conceito me parece chave para compreender a democracia e suas regras, assim como fundamental para a compreensão de nosso papel de cidadãos.

    O conceito accountability foi, inicialmente, problematizado sob à luz da realidade brasileira por Anna Maria Campos, quando em 1987, período de elaboração da Constituição Federal Brasileira, escreveu o artigo “Public service accountability: a comparative perspective”, publicado em 1988 e republicado em português em 1990.

    Campos (1990) descreveu sua dificuldade de traduzir a palavra accountability para o português quando a ouviu pela primeira vez em uma aula dos Estados Unidos, embora dominasse muito bem o inglês. Descreveu Campos que,    […] no primeiro dia de aula não consegui acompanhar a discussão sobre accountability, incapaz de traduzir a palavra para o português(1). O único indício que pude captar foi que, apesar do som, nada tinha a ver com contabilidade. Após as aulas corri aos dicionários, que não me ajudaram. Tampouco me ajudaram os índices dos livros de leitura obrigatória. No dia seguinte, o debate continuou e, apesar do meu esforço, não logrei captar o significado da palavra, mas consegui entender que se discutia um conceito-chave no estudo de administração e na prática de serviço público. De volta ao Brasil com a minha charada, perguntei a muitas pessoas que talvez pudessem traduzir a palavra. Aqueles que tinham participado de programas de doutorado, nos EUA, confessaram que não sabiam como traduzi-la. Tentei fora da área de administração pública, pessoas competentes em inglês, muitos perguntavam: “Accountab••• Quê?” Desisti da ideia de tradução e me concentrei no significado(CAMPOS, 1990, p. 2).

    Afirma Campos (1990, p.2) que a dificuldade de tradução da palavra para o português estava na falta de conhecimento do conceito, de sua prática, “razão pela qual não dispomos em nosso vocabulário”. A partir dessa constatação, Campos indagou qual seria a consequência dessa ausência para a realidade da Administração pública brasileira.

    Em 2009, Pinho e Sacramento buscaram (re)percorrer o caminho de Campos na busca, nos dicionários tradutores, do sentido da palavra accountability em Português. Concluíram que,

    […] adota-se o pressuposto de que não existe mesmo uma palavra única que o expresse em português.2 O que se percebe são “traduções” diferentes para o termo por par- te de vários autores, ainda que os termos produzidos possam estar próximos ou convergentes. Em síntese, não existe perfeita concordância nas traduções (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1346).

    Devido a dificuldade de encontrar uma tradução para a palavra, Campos (1990) buscou o sentido do conceito. Para ela, o tema accountability “devia estar relacionado com a questão dos direitos do cidadão”, tratando-se de um tema de cunho normativo, sobretudo ligados aos deveres do administração pública  e do governo para com os cidadãos.

    O conceito de accountability parece ser sinônimo de responsabilidade objetiva ou obrigação de responder por algo. Caracterizado por uma responsabilidade subjetiva “acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organização perante uma outra pessoa, fora de si mesma, por alguma coisa ou por algum tipo de desempenho” (MOSHER, 1968, apud CAMPOS, 1990, p. 2). Assim, a accountability deve ser exigida “de fora para dentro”, ou seja, cabe o administrador público ser cobrado, responsabilizado pelos seus atos perante os cidadãos. Caberia saber, destacou Campos,

    quem – fora do detentor da função pública – deveria ser reconhecido como capaz de compelir ao exercício da accountability; quem teria o poder de declarar alguém responsável: um cliente, um eleitor, um burocrata de nível mais elevado, um legislador, um tribunal? (CAMPOS, 1990, p. 4).

    Certamente não é apenas os cidadãos os responsáveis pela fiscalização da Administrador público. Existem outras pressões “de fora”. Desta forma, podemos afirmar que a accountability pode ser dividida em dois tipos, a Accountability vertical e a Accountability horizontal. Prefiro chamá-los, respectivamente, de accountability social e accountability institucional. Isso por ser mais didático sua compreensão.

    No primeiro tipo, a sociedade exerce o seu poder de pressão sobre os seus governantes, punindo-os ou agraciando-os por meio do voto e por meio de outros mecanismos. No accountability institucional é exercido pela ação mútua de fiscalização entre os poderes ou setores. Dentre os setores podemos citar as agências estatais de supervisionamento, avaliação e punição, se for o caso, dos agentes ou das instituições públicas.

    A questão que levantamos é se temos, tido no Brasil, accountability social e/ou institucional. Se olharmos ao redor, a resposta parece ser a velha expressão: “mais ou menos”. Por um lado, instituições que têm perdido crédito junto à sociedade. Por outro, a sociedade que se afasta a cada dia da vida pública e, consequentemente, das ações de pressão e fiscalização dos seus representantes. Em contrapartida, há grupos, sobretudo de jovens, se organizando para cobrar ações públicas mais eficientes e maior justiça social, assim como protestando contra a corrupção e exigindo mais transparência na coisa pública, assim como maior participação social. Nesse contexto a internet e a rua parece ser “o palco da vez” na busca de maior accountability na gestão pública.

    Carecemos de dar novos passos, sobretudo rumo ao aprofundamento da accountability social. Necessitamos com urgência criar mais conselhos de fiscalização e acompanhamento social da gestão pública. Práticas como o Orçamento Participativo e o “Site Transparência” são bons caminhos para a maior transparência da gestão pública, mas não podemos parar por ai. Em um contexto de crise das instituições, a população deve e pode ampliar a accountability social.

    Referências

    CAMPOS, Anna Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o Português. Revista de Administração Pública, 1990 (Fev./abr.).

    PINHO, José Antonio Gomes de; SACRAMENTO,  Ana Rita Silva. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 43(6), 2009. (Nov./Dez.). Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/rap/v43n6/06.pdf> Acessado em 25 de Outubro de 2013.