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Texto para reflexão
Estes textos oferecem uma visão diferenciada e interessante sobre vários acontecimentos cuja análise pode ser feita por meio da sociologia.
A reflexão é um importante instrumento intelectual para fazer com que o indivíduo consiga perceber a relação entre as estruturas sociais e as biografias individuais.
Na Sociologia sempre esteve presente a discussão entre indivíduo e sociedade (agencia vs. estrutura), chegando ao ponto de estudiosos mais radicais, principalmente nas primeiras décadas do século XX, ignorar os estudos que tinham seu foco no
indivíduo. Simmel, por exemplo, foi um sociólogo renegado por anos por esse motivo. Bauman e May nos ajudam a entender em quais condições o indivíduo é objeto da Sociologia. Para esses autores “atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência .
Desse modo os textos para reflexão ensejam uma análise de como nós nos relacionamos com nossa estrutura e proporcionam um contraponto discurso do discurso dominante.
Voto de cabresto: aprenda a identificá-lo em nosso cotidiano
Primeiramente é necessário compreendermos o que é “voto de cabresto” para buscarmos identificá-lo em nosso cotidiano.O voto de cabresto tem esse nome para fazer alusão ao cabresto usado em animais, o qual é um instrumento cujo objetivo é guiá-los por onde o montador, geralmente cavaleiros e boiadeiros, desejar. Sob o uso do cabresto o animal perde sua capacidade de escolher por onde andar. Semelhantemente, o eleitor pode ser direcionado pelo político por meio de “cabrestos”, os quais são elementos que o torna praticamente obrigado a fazer o que deseja o político: votar nele ou em quem ele indicar. Originalmente o voto de cabresto ocorria nas fazendas, porém vendo os maus políticos que tal pratica os beneficia, estenderam para as áreas urbanas.“Encabrestar” o eleitor é o desejo e uma prática do político que não tem qualidades para ser eleito. “Encabrestar” o eleitor e torná-lo dependente do político ou em estado de devedor de um favor. Podemos dar vários exemplos de prática que “encabresta” o eleitor, tais como, oferecer a ele ajuda financeira em troca de voto ou apoio eleitoral; oferecer emprego em cargo comissionado em troca de voto e favores, tal qual em um ônibus e ir em um comício de um candidato apontado pelo político empregador; arrumar uma ambulância para levar um parente até a capital e torna-lo “grato” e devedor de retribuição. Há também o voto de cabresto do religioso, que sente-se obrigado a votar em seu pastor ou irmão de fé. Em todos esses exemplos o objetivo do político é indicar ao eleitor em quem votar, mantendo-o fiel, no seu cabresto.O cabresto muitas vezes vem pela troca contínua de voto por benefícios pessoais. Esse problema da troca de voto por favores ou recursos materiais não é um problema originário apenas por parte dos candidatos. Muitos eleitores tomam a iniciativa de procurar políticos a fim de vender o seu voto. Por outro lado, muitos políticos lançam a culpa sobre os eleitores a fim de justificar essa prática que lhes rende votos. A verdade é que o bom político, o profissional preparado para o cargo pleiteado, deve orientar os eleitores, mostrando que o assistencialismo e a venda ou troca de voto é prejudicial a todos, apresentando suas propostas, buscando convence-los de que é a melhor opção para que o futuro seja melhor e que amanhã esse eleitor não necessite mais de favores de políticos. Uma das coisas que levam o eleitor a se comportar desta forma é a falta de perspectiva de melhores governos e a crença de que se não “aproveitar o momento” nunca ganhará nada de um político. Infelizmente, em muitos casos, esse cidadão realmente não será diretamente beneficiado. Mas insisto em dizer que o bom político, saberá esclarecer que muitas das necessidades do eleitorado são de competência do poder executivo e se eles escolherem bem seus candidatos, os benefícios serão maiores do que uma consulta médica ou um saco de cimento.Um político honesto e sério ao se deparar com um eleitor necessitado de uma consulta médica, o ensinará o caminho para obter tal consulta, isso para que não dependa de ajuda de políticos em outros momentos. Mas a ideia e a prática de muitos é justamente o oposto, arrumar a consulta para que a cada eleição este, não sabendo o procedimento, retorne solicitando o “favor”.O retorno ao político é fundamental para a consolidação do voto de cabresto. Por isso, a manutenção da pobreza, da falta de acesso aos bens públicos e a desinformações sine qua non, sendo pontos estratégicos dos maus políticos.Por Cristiano BodartAriano Suassuna: entre osso e filé
Em março de 2014 escrevi um texto evidenciando a posição de Suassuna em relação a música brasileira. O dia 23 de julho de 2014 marca a despedida desse gênio entre nós.Republico aqui o texto:O grande escritor brasileiro Ariano Suassuna, em palestra proferida na Universidade de Brasília (Unb), saiu em defesa da “música brasileira de qualidade”, tecendo críticas as músicas cujos versos são marcados por expressões vazias como o “oh, oh, oh” e suas variáveis igualmente pobres. Denunciou o escritor a qualidade das letras e o valor que o mercado musical brasileiro cria entorno dessas músicas, assim como a falta de acesso a obras mais apuradas e ricas.Suassuna assim proferiu sua denúncia:“Eu tenho a obrigação de mostrar ao povo uma alternativa a essa ‘arte de quarta categoria’ que andam espelhando ai. Corrompendo o gosto de nosso povo, do nosso grande povo. Procurando nivelar tudo pelo gosto médio. Isso é uma coisa triste. Não pode. Um pais como o Brasil, um povo como o brasileiro ele tem direito a outra coisa.Meu amigo do peito ficava danado quando o pessoal dizia que o cachorro gosta de osso. Ele dizia que só dão osso para o cachorro. O cachorro é doido por comida. Bote um filé e bote um osso e veja o que o cachorro escolhe. O que me está deixando indignado é que não estão dando direito ao povo brasileiro, principalmente ao jovens, o direito de entrar em contato com o filé. Só dão osso a eles”.Suassuna toca em um ponto bastante “espinhoso”, já que a população desprovida de educação musical também tem o direito de se expressar por meio dessa arte. É importante destacar que Ariano Suassuna não deseja cercear o direito de compor músicas de melodias não criativas e letras que ferem a gramática portuguesa, mas defender o direito de que todo o brasileiro tenha acesso a belas composições, em suas palavras, ao filé.Alguns poderão contestar dizendo que “gosto cada um tem o seu”. Na verdade essa expressão é equivocada. A admiração por algo, assim como o julgamento do que é belo ou feio é uma dimensão cultural, produzida e reproduzida socialmente. O que julgamos ser bom ou ruim é reflexo do parâmetro de julgamento do nosso grupo social. É nesse ponto que Suassuana toca com genialidade: o problema não está em quem gosta de “osso”, mas no fato de darem apenas osso a esses.Se o gosto é uma construção social, dificilmente alguém que não teve acesso ao valor da história local e as raízes brasileiras, sobretudo nordestinas, irá admirar como bela a obra “O alto da Compadecida”. Uma criança que cresce ouvindo “oh, oh, oh” e suas variáveis dificilmente irá admirar as composições de Tom Jobim.Suassuna propõe dar condições de que todos tenham acesso a músicas de qualidade, ao melhor “filé” que temos em terras tupiniquins. Depois disso, se quiserem osso, será uma questão de escolha. O que ele não concorda é dar apenas “osso e dizer que o se gosta de osso”. Em outras palavras, o que não é aceitável é a mídia brasileira vender apenas os “oh, oh, oh” e suas variáveis e afirmar que isso é o que o brasileiro gosta e quer; que isso é o que pede o “mercado”.Eu, particularmente, prefiro filé. Mas, ao meu ver, a questão não é gostar de filé ou de osso, o problema é achar que prefere um sem ter saboreado o outro. Entre ossos e filés deve haver a possibilidade de escolha. Para Suassuna, quem como filé uma vez nunca mais vai querer comer osso.Originalmente publicado em: https://www.portal27.com.br/entre-files-e-ossos-a-musica-brasileira-na-pauta-de-suassuna/Pra quê ciências humanas? Formação sem reflexão adianta?
Por Tarcísio Arquimedes Araújo Carneiro[1]“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.” (Paulo Freire).
Devido a muitos questionamentos em relação à importância das ciências humanas neste mundo tomado pelo imediatismo do mercado e buscando também responder a famosa perguntinha: “Para que serve Filosofia e Sociologia?”, lembrei-me de Francis George Steiner, crítico literário, professor na Universidade de Cambridge e Genebra. No livro Linguagem e silêncio, George Steiner, ao referir-se ao Nazismo na Alemanha, nos mostra o paradoxo da época de a Alemanha ter uma filosofia e uma intelectualidade altamente avançada e, ao mesmo tempo, ter aderido ao regime Totalitário.
Steiner expõe que os gritos dos campos de concentração eram ouvidos de dentro das universidades na Alemanha, de forma que o autor ao referir-se a este paradoxo se questiona como aquela nação pode ter aceitado isso.
Outro aspecto referente ao Nazismo apresentado pelo autor diz respeito a um engenheiro de uma empresa metalúrgica muito famosa, existente até hoje, que ganhou uma concorrência para construir uma linha de produção mais eficaz que interligasse fornos crematórios e ao mesmo tempo com o objetivo de aumentar a produtividade que era queimar mais judeus. E este engenheiro justificou pós-guerra que estava simplesmente obedecendo a uma concorrência entre empresas famosíssimas na época.
Até que ponto esta atitude “racional”, “burocrática” ou “técnica” por parte deste engenheiro, pode justificar as aberrações provocadas por estes fornos crematórios nazistas? Tanto a politização excessiva quanto a burocratização inquestionável podem ser bastante perigosas.
Qual o papel da educação? O que é formação? Existe neutralidade científica no processo educativo? Por que o século XX é entendido por grande parte dos pensadores, acadêmicos e os mutilados (sobreviventes dos conflitos) como um século de crise? A ciência tem sido usada a serviço de quem e do que? São questões humanas fundamentais que as ciências humanas nos ajudam a pensar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. 5ª edição. São Paulo: Cortez, 2001.
STEINER, G. Linguagem e Silêncio: ensaios sobre a crise da palavra. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
[1] Sociólogo, Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Educador físico; Professor do Instituto Federal do Piauí (IFPI, Campus Parnaíba); email: [email protected].
Uma breve análise do Brasil: “bancamos” a festa e nosso povo ficou de fora.
Por Cristiano BodartNosso fracasso tem múltiplos motivos. Faltou planejamento, sobrou erros de juízes, excesso de dirigentes incompetentes e muitas vezes corruptos. A tradicional fé depositada, de quatro em quatro anos, sobre os ombros de um herói, um “salvador da pátria”, não foi até aqui suficiente. Perdemos… fracassamos…Nossa torcida é sempre no sentido de ver o Brasil brilhar. Sobra o desejo de expressar ao mundo nosso orgulho de ser brasileiro. De desfilar com nossa bandeira sob o grito de “eu sou brasileiro, com muito orgulho”.Erros sequenciais fizeram grande parte de nosso povo chorar, sofrer, perder a esperança, rasgar nossa bandeira… O nosso fracasso era esperado pelo mundo, mas nós acreditávamos. Sempre elegemos um herói para nos salvar, para nos trazer alegria. Depositamos nele nossa esperança, ainda que no fundo sabíamos que sozinho pouco poderia fazer. Esperávamos que com o decorrer dos dias tivéssemos uma equipe lutando pelo nosso país, nos representando com orgulho e desejo de nos trazer muitas alegrias.A realidade é que fracassamos e isso está estampado em jornais de todo o mundo. Vimos em nosso solo juízes não cumprindo seu oficio de forma esperada e nos prejudicando. Aqueles que escolhemos para que fossem nossos “heróis” foram os únicos que encheram os bolsos, ainda que o Brasil seja, ao seu povo, um fiasco. No quesito estratégia fomos ridicularizados por diversos momentos: o domínio e a superioridade dos países do velho continente foi latente e constante. Não trata-se de um pequeno apagão: estivemos em trevas por bastante tempo. Nossa defesa nunca funcionou, por isso os europeus “pintaram e bordaram” em nossa casa. Não apresentamos nenhuma organização mínima para resistir o abuso em solo brasileiro. Não tivemos, em todo esse tempo, planejamento. Até sabíamos que nosso desejo era ser “um campeão”, mas não tivemos foco, sobrou amadorismo dentre nossos dirigentes, quando não corrupção.O certo é que fracassamos. “Bancamos a festa” para outros e o povo brasileiro ficou de fora.Mudanças precisam acontecer. O primeiro passo é deixar de pensar que tudo se refere ao futebol, inclusive esse texto. Estamos tratando de coisas bem mais reais e importantes: falamos de Brasil e não de CBF.Pontos Para Filosofia do Presente: A Modernidade Caducou
Por Camillo César Alvarenga*Em toda parte vê-se obra do homem, este ente inventado por tanto ser estudado. A coisa em si se redefiniu, Kant. O mundo multicultural emergiu aos olhos do homem e ele se vê apoplético, catatônico. As formas sociais da modernidade se tradicionalizaram e como tal entram em crise, caducarm. Com a radicalização das formas materiais e simbólicas da cultura ocidental as sociedades, ao redor do globo entraram em metamorfose estrutural e sistêmica. As alterações neste complexo (entenda-se as instâncias do Estado, Família e (religião)-igreja católica, com ela a desconstrução do catolicismo, etc.) num plano político, econômico, psicológico, filosófico, estético e social, se iniciam com a tradicionalização[1], antes então entendida como secularização, estas formas antes cimentadas veem se borrar os contornos previamente estabelecidos e projetados no trágico século dezenove.A cultura moderna ocidental se reproduziu de tal forma que um novo fenômeno do impacto histórico da ocupação dos ecossistemas ameríndios por parte de europeus e a industria humana por terras Africanas, que foi motor de todos os séculos movido para a promoção da ampliação e desdobramento de todo esse processo que foi a Colonização; está acontecendo: a descolonização da consciência ocidental – as sociedades humanas foram até muito tempo desintegradas e rearranjadas em movimentos societais que, ao mobilizar mais de 150 milhões de pessoas de praticamente 80 por cento dos povos humanos entre um terço de mortes um terço de exploração e mais um terço de “Civilização” ou “Cultura” promoveram a difusão de um ethos (judaico-cristão| racional) de tal maneira que é simplesmente as formas sociais se apresentando sob as formas do conflito intensificado pelo principio do etnocentrismo e também pela mostra de como a construção da atual sociedade mundial, cosmopolita e móbil, só representam as maneiras de como os contatos e trocas culturais entre povos de diversas natureza permitiram, a partir de certo grau de fronteira. A condição humana sob a banalidade do mal só reificou essas formas socialmente organizadas com o direito de matar. A morte é sim o ponto de partida da dita história social.O ponto nodal na percepção ontológica da situação atual é a abertura para formas mais flexíveis e reflexivas, ao invés de, como e ainda hoje, em Havard, ensinarem Economia, ou melhor, Economia política a partir dos neoclássicos. Então se ainda se aprende e se faz a mesma escola econômica do começo do mercantilismo, já que falamos de alunos de Havard falamos de lideres mundiais, nomes renomados em áreas como Medicina e Direito, como nos confirma o caso de estudantes de Economia abandonarem as aulas do professor… . No caso então que apresentamos há uma falência até mesmo das próprias ciências inventadas e mais desenvolvidas pelas células fundamentais da organização política, econômica e administrativa da sociedade em que estas se desenvolveram.Pois que se a centralidade das relações recaiu sobre a reflexividade e a alteridade de identidades justapostas pelo cotidiano, a experiência social então também se redefiniu e não mais apenas com os pares ou semelhantes, mas entre todos os membros da comunidade mundial. Os estados mundiais (multiculturais, híbridos, circulares e móveis), baseados no Estado-Nação como construído e aperfeiçoado pela sociologia, no caso aqui apontado, nos serve como crítica, assim como fez Appiah sobre a concepção de Weber. O estado-nação de modelo europeu não pode mais comportar o que as suas expansões derivou. Voltamos ao que Pierre Claustres definiu de uma situação na qual a sociedade contra o Estado configura o momento social das organizações humanas, agora só que o que revolve é o que antes revolveu. As culturas subsumidas às criações de sociedades imaginadas como indica Benedict Andersen apresentam suas contradições internas em estado radical, o que propõem transformações tão profundas inclusive nas visões sobre esses mesmos estados (como no caso do surgimento da União Europeia) e suas representações que aos poucos perdem o poder de reproduzir as suas ordens e regras na consciência dos atores sociais.A emergência do epifenômeno é de dentro dos países (unidades territoriais), continentes (territórios extensos o suficiente para abarcar complexos), conglomerados socioculturais, geopolíticos como a comunidade da América equatorial e sua região mais aos trópicos. O parentesco com ancestrais, as sociedades geneticamente cosmopolitas, de povos heteróclitos, culturas compósitas, sociedades contemporâneas (demarco o contemporâneo após a descolonização de África e da queda das ditaduras latino americanas, junto a queda do muro de Berlim e do comunismo russo – comunismo na China e em Cuba, outras ditaduras em alguns países em África ainda em voga, como na Guiné Equatorial, também apontam a simultaneidade de tempos históricos, bem como as sociedades indígenas no interior do Brasil como apresentação de presentes contemporâneos) que de agora em diante reivindicam uma intensa interelação com a modernidade, o capitalismo e os Estados nacionais em direção ao reconhecimento na direção da crítica à sua auto-imagem e representação.[1] Giddens fala num certo sentido sobre modernização, modernidade inclusive um ponto com o qual estamos de acordo mas não da mesma maneira, com tendência da modernidade a operar um retorno às tradições. Proponho aqui que a sociedade moderna passa a assumir feições de uma cultura sedimentada o suficiente para produzir tradições fortes o suficiente que o grau tão agudo em que estas se encontrem no tempo histórico faz com o que elas passem a se transformar. As rachaduras e ruídos nestes complexos só começam a ser percebidos com a devida atenção.* Camillo César Alvarenga é Bacharel em Ciências Sociais (UFRB) e atualmente é Mestrando em Sociologia (PPGS/CCHLA- UFPB).Juventude revolucionária? Será que não fazem jovens como antigamente?
Juventude revolucionária? Uma análise de culturas políticas e de perspectivas de gerações
Por Cristiano BodartJá ouvi diversas vezes a expressão que “não fazem mais jovens como antigamente”. Tomara que seja isso uma verdade, pois o “espírito jovem de ontem” parece ter data de validade.
Vemos figuras que antes eram jovens que, se preciso fossem, enfrentavam o Estado. Jovens que com suas bandas de música cantavam afrontas aos poderosos ditadores e denunciavam o status quo, mas que se tornaram velhos (e) reacionários de hoje. O espírito de juventude revolucionária foi-lhe arrebatado. Espírito que motiva e que nos faz indignados frente aos descalabros sociais.
Os filósofos afirmam que as crianças têm uma sensibilidade maior para observar e maior motivação para indagar. Os jovens, me parece, que têm uma sensibilidade maior frente às injustiças e maior motivação para se indignar. Será que Che Guevara morreu com o “espírito revolucionário” por que morreu jovem? De outra forma estaria ele com sua “boca, cheia de dentes, escancarada esperando a morte chegar”? Precisamos fazer jovens que não percam a capacidade de indignar-se concomitantemente com a perda de melanina de seus cabelos.
Essa semana, em São Paulo, um pai foi buscar o filho de 16 anos, que participava de um protesto de black blocs no Tatuapé, para levá-lo para casa. No encontro seguiu-se o diálogo:
– Deixa eu protestar. Eu não quero isso. Esse governo é errado. Eu tenho direito de protestar, dizia o jovem.
– Você vai ter o seu direito quando trabalhar e ganhar o seu dinheiro, tá? Eu sou seu pai, escuta o seu pai, dizia o “velho pai”.
Pegou o filho pelo braço, retirou dele sua máscara, dizendo “você não é criado para isso. Eu trabalho para te sustentar, não é para você esconder a cara” e o colocou para dentro de casa.
O jovem ainda retrucava:
– Eu quero escola, eu quero saúde. Deixa eu protestar. Minha avó quase morreu num hospital público. Você acha certo isso? Pelo amor de Deus, deixa eu correr atrás. Tanta gente morrendo. Deixa eu fazer a minha parte, ajudar um pouco. Eu sei que eu tenho 16 anos. Eu não vou me machucar, relaxa.
O velho em resposta dizia:
– Eu pago a sua escola. Eu e sua mãe trabalhamos para te sustentar. Vamos para casa, por favor, R****. Você não vai mudar o mundo. Meu filho, você tem 16 anos, não é a hora agora. Eu te amo, cara. Você é meu filho. Eu estou pedindo demais? R****, um passo de cada vez – implorava o pai, na presença da imprensa que cobria a manifestação.
O rapaz, ainda argumentando que tinha o direito de protestar, foi arrastado pelo pai. E ambos foram para o conforto de casa. Não era hora de protestar por ter apenas 16 anos. Deveria ele esperar ficar velho, como o pai. Um passo de cada vez, ensinou seu progenitor. Espero que esse jovem não tenha sido forjado “como os jovens de antigamente”, pois aqueles desistiram de mudar o mundo há tempo e reduziram suas vidas ao individualismo e ao trabalho… para sustentar… o status quo. Não quero dizer com isso que apoio o vandalismo, muito menos o militarismo, mas ficar sentado no sofá de casa ensinando o filho de que não vamos mudar o mundo em nada ajudará na construção de uma sociedade melhor por meio de uma juventude revolucionária.Brasileiro lê pouco, mas assiste muita TV, ouve muito Rádio e usa muito o Computador
Um recente pesquisa entre 30 países buscou identificar quantas horas semanais, em média, passa o cidadão assistindo TV, ouvindo rádio, usando o computador/internet (sem fins de trabalho) e lendo um livro.Duas coisas me chamaram atenção: o tempo de leitura semanal do brasileiro (obs: não trata-se de leitura de livros, mas qualquer uma, tais como jornal e revista) e o pouco tempo que “sobra” para as nossas relações pessoais.De acordo com a pesquisa, em relação ao tempo semanal de leitura, o brasileiro (5,2 horas) só é menor que, respectivamente Taiwan, Japão e Korea, ficando em 27º no ranking de 30 países. Estamos abaixo da média global (6,5).Outro problema é o pouco tempo que a modernidade nos “permite” ter com nossos amigos e familiares. Pense comigo. Uma semana tem 168 horas, desta, cerca de 49 horas passamos dormindo, e 40 horas trabalhando. Sobram 79 horas para todas as demais tarefas. 51 horas são destinadas a TV, ao Rádio, à Internet e à leitura. Quanto sobra para a família e os amigos?Os grandes “vilões roubadores” de tempo são a TV, o Rádio e a internet. Passamos, em média, 18,4 horas semanais assistindo TV, 17,2 horas ouvindo rádio e 10,5 horas em frente ao computador. Somados são 46,1 horas semanais.Tabela 1. Situação do Brasil em comparação com a média globalTVRádioInternet/computadorLeituraHorasRankingHorasRankingHorasRankingHorasRankingBRASIL18,4 horas8º17,2 horas8º10,5 horas9º5,2 horas27ºMÉDIA
GLOBAL*16,6 horas14º8 horas20º8,9 horas15º6,5 horas14ºFonte: NOP World Culture Score(™)
*Dentre a colocação dos 30 países analizados, foi realizado um estudo para identificar a média global e posteriormente comparar com os países em análise.Ranking: Horas semanais destinado à leitura:1. India — 10 hours, 42 minutes2. Thailand — 9:243. China — 8:004. Philippines — 7:365. Egypt — 7:306. Czech Republic — 7:247. Russia — 7:068. Sweden — 6:548. France — 6:5410. Hungary — 6:4810. Saudi Arabia — 6:4812. Hong Kong — 6:4213. Poland — 6:3014. Venezuela — 6:2415. South Africa — 6:1815. Australia — 6:1817. Indonesia — 6:0018. Argentina — 5:5418. Turkey — 5:5420. Spain — 5:4820. Canada — 5:4822. Germany — 5:4222. USA — 5:4224. Italy — 5:3625. Mexico — 5:3026. U.K. — 5:1827. Brazil — 5:1228. Taiwan — 5:0029. Japan — 4:0630. Korea — 3:06Quais conclusões são possíveis de serem extraídas dessa pesquisa, sobretudo em relação ao Brasil? Deixo essa questão como sugestão para reflexão.Redução da maioridade no Brasil: está na hora?
Por Cristiano BodartReduzir a maioridade, que hoje é de 18 anos, não é a solução para a criminalidade no Brasil, o que não significa que esta não pode ou não deve ser reduzida. São questões diferentes e que se misturadas geram confusões interpretativas da realidade brasileira..O tema, quase sempre, envolve um erro em sua reflexão: redução maioridade penal sendo entendida ou apontada como caminho para a redução do alto índice de criminalidade. A causa da criminalidade não é a idade, mas as condições materiais e educacionais do criminoso, somado aos diversos elementos coercitivos da sociedade – e não apenas o castigo via sistema prisional. Envolve estrutura familiar, condições socioeconômicas, acesso à cultura, lazer, esporte e a educação escolar...É certo que a pena prisional é um elemento coercitivo, porém, no Brasil isso acaba se configurando em uma “meia verdade”, haja vista que a eficiência e a eficácia da justiça brasileira é bastante debilitada; sua função inicial de inibidora bastante prejudicada.Ao afirmar que “reduzir a maioridade, que hoje é de 18 anos, não é a solução para o Brasil” estou buscando apontar que outros fatores são muito mais impactantes sobre o índice de criminalidade do que a maioridade penal. Fatores que se resumem em três pontos difíceis de serem solucionados: i) ao abandono social de muitos brasileiros pelo Estado; ii) as condições dos sistemas penal, policial e prisional brasileiro; iii) a ineficiência e pessoalidade do sistema judiciário. Reduzir nosso problema de criminalidade à redução da maioridade penal é o que mais querem os “responsáveis” por minimizar esse problema. Carecemos de políticas públicas, valorização da polícia, um sistema carcerário que, de fato, ressocialize o infrator e de uma justiça que não determine sentenças com base no criminoso, mas no crime..Enquanto tivermos uma polícia mal paga, despreparada e desvalorizada, dificilmente esta cumprirá eficientemente e eficazmente seu papel. Enquanto as crianças não forem educadas corretamente, tendo acesso à cultura, lazer e ao esporte, dificilmente conseguiremos impedi-las de se tornarem jovens ou adultos criminosos. Enquanto liberdades (condicionais ou não) forem dadas para reduzir as lotações dos presídios, dificilmente o sistema penitenciário cumprirá seu papel. Enquanto a justiça julgar pela “cara” ou pelo “bolso”, os verdadeiros malfeitores da sociedade continuarão nos cargos públicos desse nosso país. Enquanto essas questões não forem resolvidas, de nada adiantará reduzir a maioridade penal no Brasil..Não podemos nos apropriar do argumento de que em países desenvolvidos a maioridade penal geralmente é menor que no Brasil. Lembre-se, por lá eles já minimizaram os reais fatores da criminalidade. Por lá, a maioridade penal é uma discussão ética e não uma política pública de redução da criminalidade em si..Resolvidos ou minimizados nossos problemas, passamos a pensar a redução da maioridade penal. Lembrando que esta foi definida nos anos de 1940 no Brasil e carece de um debate e reavaliação, tendo por base o princípio que a norteia: “a partir de que idade um jovem tem consciência do que está fazendo e suas consequências”? Lembre-se, trata-se de uma discussão puramente ética e de justiça e não de política pública, como se isso fosse suficiente para solucionar nossos problemas..
Temos, para agora, vários problemas à resolver. Resolvidos, quem sabe amanhã teremos adultos mais sóbrios para trazer o tema à pauta?
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