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Texto para reflexão

Estes textos oferecem uma visão diferenciada e interessante sobre vários acontecimentos cuja análise pode ser feita por meio da sociologia.

A reflexão é um importante instrumento intelectual para fazer com que o indivíduo consiga perceber a relação entre as estruturas sociais e as biografias individuais.

Na Sociologia sempre esteve presente a discussão entre indivíduo e sociedade (agencia vs. estrutura), chegando ao ponto de estudiosos mais radicais, principalmente nas primeiras décadas do século XX, ignorar os estudos que tinham seu foco no
indivíduo. Simmel, por exemplo, foi um sociólogo renegado por anos por esse motivo.  Bauman e May nos ajudam a entender em quais condições o indivíduo é objeto da Sociologia. Para esses autores “atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência .

Desse modo os textos para reflexão ensejam uma análise de como nós nos relacionamos com nossa estrutura e proporcionam um contraponto discurso do discurso dominante.

  • “Tempestade num copo d’agua”: O espetáculo do terrorismo ou o terrorismo do espetáculo?

    “Tempestade num copo d’agua”: O espetáculo do terrorismo ou o terrorismo do espetáculo?

     

    Por Tarcísio Arquimedes Araújo Carneiro*
     
    Em alguns programas de televisão, a realidade transforma-se em ficção, desde que seja explicado que esta ficção não é propriamente uma mentira, nem propriamente uma invenção, ainda que a imagem continue sendo enganosa (Marc Augé).
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    Desde o atentado terrorista às torres gêmeas do Word Trade Center em 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, observamos uma espécie de complô por parte da grande mídia (ou mídia internacional) no sentido de se espetacularizar o fenômeno do terrorismo, reforçando sutilmente estigmas como: a ligação direta do Islamismo ao fundamentalismo e um etnocentrismo através de uma “exemplar democracia ocidental contra o atraso dos orientais” (ou seja, o reforço da luta travada desde George W. Bush e Tony Blair do ‘bem contra o mal’).

     

    O espetáculo é um fenômeno típico das sociedades ocidentais modernas e as imagens tem

    um papel fundamental neste processo confusão entre o real e o virtual. A repetição excessiva de determinadas notícias na mídia, a veiculação de imagens repletas de emotividade, o reduzido tempo dos telejornais e a carência de pontos de vista conflitantes, são alguns elementos que colaboram com este processo de espetacularização e ficcionalização dos acontecimentos.

     

     

    Ou como diria Guy Debord, em sua obra ‘A sociedade do espetáculo’, “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fumaça da representação”. De forma que a relação entre o espetáculo e a mídia pode ser pensada entendendo que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens”. Retomo aqui, como exemplo, acontecimentos como o conflito entre Israel e Palestina, tomado de banalidade devido a sua excessiva repetição nos telejornais e carência na mídia aberta de um debate mais amplo sobre suas raízes e aspectos ideológicos. Ou seja, este conflito transformou-se num filme de guerra como aqueles que passam na sessão da tarde.

     

    E quem não lembra a invasão ao Iraque liderada pelos Estados Unidos em 2003, tendo como justificativa a “apreensão de armas de destruição maciça e a necessidade de se levar democracia a um país oprimido pelo ditador Saddam Russein?”. Conflito este transmitido em tempo real para todo o mundo. E, dias antes da transmissão, o milho para a pipoca e o refrigerante já tinham sido guardados por muitos para se assistir a morte de milhares de civis. Lembro que no dia anterior à transmissão, muitas pessoas se dirigiam a mim, eufóricas, perguntando: “E aí, vai assistir a guerra amanhã?”

     

    E para reforçar esta argumentação, cito aqui também o acontecimento da semana passada relativo ao atentado em Boston, no qual se repetiu excessivamente a notícia de uma operação policial a qual envolveu uma caçada humana que paralisou a região metropolitana de Boston durante cerca de 20 horas. O aparato de segurança montado para a captura dos dois suspeitos ao atentado, transformou a cidade em um palco fantasiado de guerra civil.

     

    Assim, especulações apressadas em torno da ‘possível ligação dos jovens com grupos terroristas russos da Chechênia’ veio logo à tona. A divulgação da rede social dando ênfase à religião de Dzhokhar Tsarnaev, 19 anos, como adepto ao Islã, apesar da aparente imparcialidade, também não deixa de ser um sutil julgamento. E o mais interessante é a atitude das autoridades norte americanas em fazer de tudo para que Dzhokhar Tsarnaev, que estava quase morto por conta da perseguição policial, continue vivo no sentido da construção de um garnd finale coroado com uma pena de morte possivelmente transmitida em cadeia nacional. Ou seja, “para morrer, basta estar vivo!”.

     

    Apesar das mortes ocasionadas pelas bombas na maratona de Boston que, sem dúvida nenhuma, merecem todo o nosso luto, o jargão popular “fez-se uma tempestade num copo d’água” é a análise mais adequada que encontro para se pensar a excessiva ênfase dada pela mídia aberta a todo um processo de captura de duas pessoas por parte de todas as forças policiais e bélicas norte-americanas. Agora fiquei na dúvida, a série CSI é realidade ou ficção?!

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  • Breve reflexão entorno da lógica atuais protestos e contexto

    Breve reflexão entorno da lógica atuais protestos e contexto

     

    Por Cristiano Bodart
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    Cristiano Bodart em manifestação por demandas locais.
    Junho de 2013. Piúma/ES

    Existe uma “lógica” nos principais protestos que vivenciamos no Brasil? Reformulando a pergunta de forma mais precisa: “ existe(m) padrão(ões) de atuação nesses movimentos sociais? Tal indagação geralmente é a base para a reflexão sociológica entorno dessa temática. Tentarei introduzir, preliminarmente, uma reflexão a respeito.

     

    O sociólogo americano Sidney Tarrow, em seu livro “Power in Movement”, de 1998, apontou brilhantemente que “o que varia muito no tempo e no espaço são os níveis e tipos de oportunidades com que as pessoas se deparam, as restrições em sua liberdade de ação e a percepção de ameaças a seus interesses e ações”. A partir dessas premissas encontramos a “Teoria das Oportunidades Políticas”, cujo pilar está nessas variações apontadas por Tarrow.

     

    A “Teoria das Oportunidades Políticas” corrobora para compreendermos que os

    movimentos sociais afloram em contextos históricos propícios ao confronto político. No caso do Brasil, vive-se um momento de oportunidade política marcado por características construídas nos últimos anos, as quais são fundamentais para que os protestos ocorram e se multiplique. Apresento algumas das características que compõem o contexto de oportunidades: 1) maior liberdade de expressão, seja nas artes, nas ruas ou nas redes sociais; 2) maior acesso a informação, especialmente motivado pela ampliação do acesso a internet e ao sistema educacional, ainda que de qualidades duvidosas; 3) a “grande mídia”, embora ainda conservadora, colabora para a visibilidade dos movimentos, o que incentiva outros grupos; 4) maior tolerância do Estado em relação aos movimentos de protestos; 5) o desenvolvimento de protestos pacíficos.

     

     

    Essas características da realidade atual contribuem para que os movimentos surjam e se multipliquem. Não é a corrupção, os altos impostos, o valor da passagem, a falta de representatividade política e a desigualdade social que possibilitaram tais movimentos eclodirem e se manterem, mas as oportunidades políticas; haja visto que tais problemas já estavam postos.

     

    A lógica de atuação dos movimentos está ligada as oportunidades políticas atuais. Atualmente tais oportunidades abrem caminhos para a ações pacíficas e de cunho bastante coletivo. Ainda que grupos sejam afetados negativamente por tais protestos, o cenário é favorável à tolerância e ao discurso de “um mundo mais justo” e “uma política mais limpa”. Tal tolerância se limita à determinadas atuações, o que a literatura especializada chama de “repertórios de confronto político”.

     

    O conceito de “repertórios de confronto político” remete a um jogo que envolve tradição e inovação na definição da ação coletiva, uma vez que as ações de confrontos políticos representam o acúmulo de lutas passadas que são continuamente re-significadas no presente de acordo com as necessidades que os grupos julgarem existir. Há repertórios que são eficazes em determinados contextos de oportunidades políticas, outros não. O caso do conflito violento parece não ser “bem visto” atualmente no Brasil, nem mesmo pelos agentes dos movimentos sociais.

     

    Os repertórios têm se re-significados a partir de experiências passadas, especialmente das pacifistas e dos movimentos pós-materiais, tais como os movimentos contra o preconceito e em defesa do meio ambiente. Os movimentos pós-materiais anteriores tinham a capacidade de agregar indivíduos de classes sociais diferentes em uma mesma luta, porém quase sempre não se caracterizando como um embate com o Estado, tratando-se de ações de conscientização dos cidadãos. Esses movimentos criaram redes agora acionadas, utilizando-se do aprendizado em agregar indivíduos de diversas classes sociais.

     

    Grosso modo, os atuais movimentos sociais são marcados por repertórios forjados anteriormente, somados às condições atuais de mobilizações “permitidas” pelas oportunidades políticas, tais como passeatas pacíficas, uso de cartazes, faixas, pinturas nos corpos, palavras de ordem e bloqueios temporários de avenidas.

     

    Não sabemos até onde ou quando se dará esse ciclo de confronto, mas certamente estamos em um contexto que pode e deve ser aproveitado para que consigamos ganhos sociais e políticos substantivos, seja na esfera local, estadual ou federal.

     

  • As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo

    As manifestações de junho de 2013 na cidade de São Paulo

    Junho de 2013 na cidade de São Paulo por Marilena Chauí

    junho de 2013

    Observações preliminares

    O que segue não são reflexões sobre todas as manifestações ocorridas no país, mas focalizam principalmente as ocorridas na cidade de São Paulo, embora algumas palavras de ordem e algumas atitudes tenham sido comuns às manifestações de outras cidades (a forma da convocação, a questão da tarifa do transporte coletivo como ponto de partida, a desconfiança com relação à institucionalidade política como ponto de chegada) bem como o tratamento dado a elas pelos meios de comunicação (condenação inicial e celebração final, com criminalização dos “vândalos”) permitam algumas considerações mais gerais a título de conclusão.

    O estopim das manifestações paulistanas foi o aumento da tarifa do transporte público e a ação contestatória da esquerda com o Movimento Passe Livre (MPL), cuja existência data de 2005 e é composto por militantes de partidos de esquerda. Em sua reivindicação
    especifica, o movimento foi vitorioso sob dois aspectos: 1. conseguiu a redução da tarifa; 2. definiu a questão do transporte público no plano dos direitos dos cidadãos e, portanto, afirmou o núcleo da prática democrática, qual seja, a criação e defesa de direitos por intermédio da explicitação (e não do ocultamento) dos conflitos sociais e políticos.

    O inferno urbano

    Não foram poucos os que, pelos meios de comunicação, exprimiram sua perplexidade diante das manifestações de junho de 2013: de onde vieram e por que vieram se os grandes problemas que sempre atormentaram o país (desemprego, inflação, violência urbana e no campo) estão com soluções bem encaminhadas e reina a estabilidade política? As perguntas são justas, mas a perplexidade, não, desde que  voltemos nosso olhar para um ponto que foi sempre o foco dos movimentos populares: a situação da vida urbana nas grandes metrópoles brasileiras.

    Quais os traços mais marcantes da cidade de São Paulo nos últimos anos e que, sob certos aspectos, podem ser generalizados para as demais? Resumidamente, podemos dizer que são os seguintes:

    – explosão do uso do automóvel individual: a mobilidade urbana se tornou quase impossível, ao mesmo tempo em que a cidade se estrutura com um sistema viário destinado aos carros individuais em detrimento do transporte coletivo, mas nem mesmo esse sistema é capaz de resolver o problema;

    – explosão imobiliária com os grandes condomínios (verticais e horizontais) e shopping centers, que produzem uma densidade demográfica praticamente incontrolável além de não contar com uma rede de água, eletricidade e esgoto, os problemas sendo evidentes, por exemplo, na ocasião de chuvas;

    – aumento da exclusão social e da desigualdade com a expulsão dos moradores das regiões favorecidas pelas grandes especulações imobiliárias e o conseqüente aumento das periferias carentes e de sua crescente distância com relação aos locais de trabalho, educação e serviços de saúde. (No caso de São Paulo, como aponta Hermínia Maricatto, deu-se a ocupação das regiões de mananciais, pondo em risco a saúde de toda a população); em resumo: degradação da vida cotidiana das camadas mais pobres da cidade;

    – o transporte coletivo indecente, indigno e mortífero.  No caso de São Paulo, sabe-se que o programa do metrô previa a entrega de 450 k de vias até 1990; de fato, até 2013, o governo estadual apresenta 90 k. Além disso, a frota de trens metroviários não foi ampliada, está envelhecida e mal conservada; além da insuficiência quantitativa para atender a demanda, há atrasos constantes por quebra de trens e dos instrumentos de controle das operações. O mesmo pode ser dito dos trens da CPTU, que também são de responsabilidade do governo estadual. No caso do transporte por ônibus, sob responsabilidade municipal, um cartel domina completamente o setor sem prestar contas a ninguém: os ônibus são feitos com carrocerias destinadas a caminhões, portanto, feitos para transportar coisas e não pessoas; as frotas estão envelhecidas e quantitativamente defasadas com relação às necessidades da população, sobretudo as das periferias da cidade; as linhas são extremamente longas porque isso as torna mais lucrativas, de maneira que os passageiros são obrigados a trajetos absurdos, gastando horas para ir ao trabalho, às escolas, aos serviços de saúde e voltar para casa; não há linhas conectando pontos do centro da cidade nem linhas inter-bairros, de maneira que o uso do automóvel individual se torna quase inevitável para trajetos menores;

    Em resumo: definidas e orientadas pelos imperativos dos interesses privados, as montadoras de veículos, empreiteiras da construção civil e empresas de transporte coletivo dominam a cidade sem assumir qualquer responsabilidade pública, impondo o que chamo de inferno urbano.

    2. As manifestações paulistanas

    A tradição de lutas

    Recordando: A cidade de São Paulo (como várias das grandes cidades brasileiras) tem uma tradição histórica de revoltas populares contra as péssimas condições do transporte coletivo, isto é, a tradição do quebra-quebra quando, desesperados e enfurecidos, os cidadãos quebram e incendeiam ônibus e trens (à maneira do que faziam os operários no início da Segunda Revolução Industrial, quando usavam os tamancos de madeira – em francês, os sabots – para quebrar as máquinas – donde a palavra francesa sabotage, sabotagem). Entretanto, não foi este o caminho tomado pelas manifestações atuais e valeria a pena indagar por que. Talvez porque, vindo da esquerda, o MPL politiza explicitamente a contestação, em vez de politiza-la simbolicamente, como faz o quebra-quebra.

    Recordando: Nas décadas de 1970 a 1990, as organizações de classe (sindicatos, associações, entidades) e os movimentos sociais e populares tiveram um papel político decisivo na implantação da democracia no Brasil pelos seguintes motivos: 1. introdução da ideia de direitos sociais, econômicos e culturais para além dos direitos civis liberais; 2. afirmação da capacidade auto-organizativa da sociedade; 3. introdução da prática da democracia participativa como condição da democracia representativa a ser efetivada pelos partidos políticos. Numa palavra: sindicatos, associações, entidades, movimentos sociais e movimentos populares eram políticos, valorizavam a política, propunham mudanças políticas e rumaram para a criação de partidos políticos como mediadores institucionais de suas demandas.

    Isso quase desapareceu da cena histórica como efeito do neoliberalismo, que produziu: 1. fragmentação, terceirização e precarização do trabalho (tanto industrial como de serviços) dispersando a classe trabalhadora, que se vê diante do risco da perda de seus referenciais de identidade e de luta; 2. refluxo dos movimentos sociais e populares e sua substituição pelas ONGs, cuja lógica é distinta daquela que rege os movimentos sociais; 3. surgimento de uma nova classe trabalhadora heterogênea, fragmentada, ainda desorganizada e que por isso ainda não tem suas próprias formas de luta e não se apresenta no espaço público e que por isso mesmo é atraída e devorada por ideologias individualistas como a “teologia da prosperidade” (do pentecostalismo) e a ideologia do “empreendedorismo” (da classe média), que estimulam a competição, o isolamento e o conflito inter-pessoal, quebrando formas anteriores de sociabilidade solidária e de luta coletiva.

    Erguendo-se contra os efeitos do inferno urbano, as manifestações guardaram da tradição dos movimentos sociais e populares a organização horizontal, sem distinção hierárquica entre dirigentes e dirigidos. Mas, diversamente dos movimentos sociais e populares,  tiveram uma forma de convocação que as transformou num movimento de massa, com milhares de manifestantes nas ruas.

    O pensamento mágico

    A convocação foi feita por meio das redes sociais. Apesar da celebração  desse tipo de convocação, que derruba o monopólio dos meios de comunicação de massa, entretanto é preciso mencionar alguns problemas postos pelo uso dessas redes, que possui algumas características que o aproximam dos procedimentos da midia:

    1. é indiferenciada: poderia ser para um show da Madonna, para uma maratona esportiva, etc. e calhou ser por causa da tarifa do transporte público;

    2. tem a forma de um evento, ou seja, é pontual, sem passado, sem futuro e sem saldo organizativo porque, embora tenha partido de um movimento social (o MPL), à medida que cresceu passou á recusa gradativa da estrutura de um movimento social para se tornar um espetáculo de massa. (Dois exemplos confirmam isso: a ocupação de Wall Street pelos jovens de Nova York e que, antes de se dissolver, se tornou um ponto de atração turística para os que visitavam a cidade; e o caso do Egito, mais triste, pois com o fato das manifestações permanecerem como eventos e não se tornarem uma forma de auto-organização política da sociedade, deram ocasião para que os poderes existentes passassem de uma ditadura para outra);

    3. assume gradativamente uma dimensão mágica, cuja origem se encontra na natureza do próprio instrumento tecnológico empregado, pois este opera magicamente, uma vez que os usuários são, exatamente, usuários e, portanto, não possuem o controle técnico e econômico do instrumento que usam – ou seja, deste ponto de vista, encontram-se na mesma situação que os receptores dos meios de comunicação de massa. A dimensão é mágica porque, assim como basta apertar um botão para tudo aparecer, assim também se acredita que basta querer para fazer acontecer. Ora, além da ausência de controle real sobre o instrumento, a magia repõe um dos recursos mais profundos da sociedade de consumo difundida pelos meios de comunicação, qual seja, a ideia de satisfação imediata do desejo, sem qualquer mediação;

    4. a recusa das mediações institucionais indica que estamos diante de uma ação própria da sociedade de massa, portanto,  indiferente à determinação de classe social; ou seja, no caso presente, ao se apresentar como uma ação da juventude, o movimento  assume a aparência de que o  universo dos manifestantes é homogêneo ou de massa, ainda que, efetivamente, seja heterogêneo do ponto de vista econômico, social e político, bastando lembrar que as manifestações das periferias não foram apenas de “juventude” nem de classe média, mas de jovens, adultos, crianças e idosos da classe trabalhadora.

    No ponto de chegada, as manifestações introduziram o tema da corrupção política e a recusa dos partidos políticos. Sabemos que o MPL é constituído por militantes de vários partidos de esquerda e, para assegurar a unidade do movimento, evitou a referência aos partidos de origem. Por isso foi às ruas sem definir-se como expressão de partidos políticos e, em São Paulo, quando, na comemoração da vitória, os militantes partidários compareceram às ruas foram execrados, espancados, e expulsos como oportunistas – sofreram repressão violenta por parte da massa. Ou seja, alguns manifestantes praticaram sobre outros a violência que condenaram na polícia,

    A crítica às instituições políticas não é infundada, mas possui base concreta:

    a) no plano conjuntural: o inferno urbano é, efetivamente, responsabilidade dos partidos políticos governantes;

    b) no plano estrutural: no Brasil, sociedade autoritária e excludente, os partidos políticos tendem a ser clubes privados de oligarquias locais, que usam o público para seus interesses privados; a qualidade dos legislativos nos três níveis é a mais baixa possível e a corrupção é estrutural; como consequência,  a relação de representação não se concretiza porque vigoram relações de favor, clientela, tutela e cooptação;

    c) a crítica ao PT:  de ter abandonado a relação com aquilo que determinou seu nascimento e crescimento, isto é, o campo das lutas sociais auto-organizadas e ter-se transformado numa máquina burocrática e eleitoral (como têm dito e escrito muitos militantes ao longo dos últimos 20 anos).

    Isso, porém, embora explique a recusa, não significa que esta tenha sido motivada pela clara compreensão do problema por parte dos manifestantes. De fato, a maioria deles não exprime em suas falas uma análise das causas desse modo de funcionamento dos partidos políticos, qual seja, a estrutura autoritária da sociedade brasileira, de um lado, e, de outro, o sistema político-partidário montado pelos casuísmos da ditadura. Em lugar de lutar por uma reforma política, boa parte dos manifestantes recusa a legitimidade do partido político como instituição republicana e democrática. Assim, sob este aspecto, apesar do uso das redes sociais e da crítica aos meios de comunicação, a maioria dos manifestantes aderiu à mensagem ideológica difundida anos a fio pelos meios de comunicação de que os partidos são corruptos por essência. Como se sabe, essa posição dos meios de comunicação tem a finalidade de lhes conferir o monopólio das funções do espaço público, como se não fossem empresas  capitalistas movidas por interesses privados. Dessa maneira,  a recusa dos meios de comunicação e as críticas a eles endereçadas pelos manifestantes não impediram que grande parte deles aderisse à perspectiva da classe média conservadora difundida pela mídia a respeito da ética. De fato, a maioria dos manifestantes, reproduzindo a linguagem midiática, falou de ética na política (ou seja, a transposição dos valores do espaço privado para o espaço público), quando, na verdade, se trataria de afirmar a ética da política (isto é, valores propriamente públicos), ética que não depende das virtudes morais das pessoas privadas dos políticos e sim da qualidade das instituições públicas enquanto instituições republicanas. A ética da política, no nosso caso, depende de uma profunda reforma política que crie instituições democráticas republicanas e destrua de uma vez por todas a estrutura deixada pela ditadura, que força os partidos políticos a coalizões absurdas se quiserem governar, coalizões que comprometem o sentido e a finalidade de seus programas e abrem as comportas para a corrupção. Em lugar da ideologia conservadora e midiática de que, por definição e por essência, a política é corrupta, trata-se de promover uma prática inovadora capaz de criar instituições públicas que impeçam a corrupção, garantam a participação, a representação e o controle dos interesses públicos e dos direitos pelos cidadãos. Numa palavra, uma invenção democrática.

    Ora, ao entrar em cena o pensamento mágico, os manifestantes deixam de lado que, até que uma nova forma da política seja criada num futuro distante quando, talvez, a política se realizará sem partidos, por enquanto, numa república democrática (ao contrário de uma ditadura) ninguém governa sem um partido, pois é este que cria e prepara quadros para as funções governamentais para concretização dos objetivos e das metas dos governantes eleitos. Bastaria que os manifestantes se informassem sobre o governo Collor para entender isso: Collor partiu das mesmas afirmações feitas por uma parte dos manifestantes (partido político é coisa de “marajá” e é corrupto) e se apresentou como um homem sem partido. Resultado: a) não teve quadros para montar o governo, nem diretrizes e metas coerentes e b) deu feição autocrática ao governo, isto é, “o governo sou eu”. Deu no que deu.

    Além disso, parte dos manifestantes está adotando a posição ideológica típica da classe média, que aspira por governos sem mediações institucionais e, portanto, ditatoriais. Eis porque surge a afirmação de muitos manifestantes, enrolados na bandeira nacional, de que “meu partido é meu país”, ignorando, talvez, que essa foi uma das afirmações fundamentais do nazismo contra os partidos políticos.

    Assim, em lugar de inventar uma nova política, de ir rumo a uma invenção democrática, o pensamento mágico de grande parte dos manifestantes se ergueu contra a política, reduzida à figura da corrupção. Historicamente, sabemos onde isso foi dar. E por isso não nos devem surpreender, ainda que devam nos alarmar, as imagens de jovens militantes de partidos e movimentos sociais de esquerda espancados e ensangüentados durante a manifestação de comemoração da vitória do MPL. Já vimos essas imagens na Itália dos anos 1920, na Alemanha dos anos 1930 e no Brasil dos anos 1960-1970.

    Conclusão provisória

    Do ponto de vista simbólico, as manifestações possuem um sentido importante que contrabalança os problemas aqui mencionados.

    Não se trata, como se ouviu dizer nos meios de comunicação, que finalmente os jovens abandonaram a “bolha” do condomínio e do shopping center e decidiram ocupar as ruas (já podemos prever o número de novelas e mini-séries que usarão essa ideia para incrementar o programa High School Brasil, da Rede Globo). Simbolicamente, malgrado eles próprios e malgrado suas afirmações explícitas contra a política, os manifestantes realizaram um evento político: disseram não ao que aí está, contestando as ações dos poderes executivos municipais, estaduais e federal, assim como as do poder legislativo nos três níveis. Praticando a tradição do humor corrosivo que percorre as ruas, modificaram o sentido corriqueiro das palavras e do discurso conservador por meio da inversão das significações e da irreverência, indicaram uma nova possibilidade de práxis política, uma brecha para repensar o poder, como escreveu um filósofo político sobre os acontecimentos de maio de 1968 na Europa.

    Justamente porque uma nova possibilidade política está aberta, algumas observações merecem ser feitas para que fiquemos alertas aos riscos de apropriação e destruição dessa possibilidade pela direita conservadora e reacionária.

    Comecemos por uma obviedade: como as manifestações são de massa (de juventude, como propala a mídia) e não aparecem em sua determinação de classe social, que, entretanto, é clara na composição social das manifestações das periferias paulistanas, é preciso lembrar que uma parte dos manifestantes não vive nas periferias das cidades, não experimenta a violência do cotidiano experimentada pela outra parte dos manifestantes. Com isso, podemos fazer algumas indagações. Por exemplo: os jovens manifestantes de classe média que vivem nos condomínios têm ideia de que suas famílias também são responsáveis pelo inferno urbano (o aumento da densidade demográfica dos bairros e a expulsão dos moradores populares para as periferias distantes e carentes)? Os jovens manifestantes de classe média que, no dia em que fizeram 18 anos, ganharam de presente um automóvel (ou estão na expectativa do presente quando completarem essa idade), têm ideia de que também são responsáveis pelo inferno urbano? Não é paradoxal, então, que se ponham a lutar contra aquilo que é resultado de sua própria ação (isto é, de suas famílias), mas atribuindo tudo isso à política corrupta, como é típico da classe média?

    Essas indagações não são gratuitas nem expressão de má-vontade a respeito das manifestações de 2013. Elas têm um motivo político e um lastro histórico.

    Motivo político: assinalamos anteriormente o risco de apropriação das manifestações rumo ao conservadorismo e ao autoritarismo. Só será possível evitar esse risco se os jovens manifestantes levarem em conta algumas perguntas:

    1. estão dispostos a lutar contra as ações que causam o inferno urbano e, portanto, enfrentar pra valer o poder do capital de montadoras, empreiteiras e cartéis de transporte que, como todo sabem não se relacionam  pacificamente (para dizer o mínimo) com demandas sociais?

    2. estão dispostos a abandonar a suposição de que a política se faz magicamente sem mediações institucionais?

    3. estão dispostos a se engajar na luta pela reforma política, a fim de inventar uma nova política, libertária, democrática, republicana, participativa?

    4. estão dispostos a não reduzir sua participação a um evento pontual e efêmero e a não se deixar seduzir pela imagem que deles querem produzir os meios de comunicação?

    Lastro histórico: quando Luiza Erundina, partindo das demandas dos movimentos populares e dos compromissos com a justiça social, propôs a Tarifa Zero para o transporte público de São Paulo, ela explicou à sociedade que a tarifa precisava ser subsidiada pela Prefeitura e que ela não faria o subsídio implicar em cortes nos orçamentos de educação, saúde, moradia e assistência social, isto é, dos programas sociais prioritários de seu governo. Antes de propor a Tarifa Zero, ela aumentou em 500% a frota da CMTC (explicação para os jovens: CMTC era a antiga empresa municipal de transporte) e forçou os empresários privados a renovar sua frota. Depois disso, em inúmeras audiências públicas, ela apresentou todos os dados e planilhas da CMTC e obrigou os empresários das companhias privadas de transporte coletivo a fazer o mesmo, de maneira que a sociedade ficou plenamente informada quanto aos recursos que seriam necessários para o subsídio. Ela propôs, então, que o subsídio viesse de uma mudança tributária: o IPTU progressivo, isto é, o imposto predial seria aumentado para os imóveis dos mais ricos, que contribuiriam para o subsídio juntamente com outros recursos da Prefeitura. Na medida que os mais ricos, como pessoas privadas, têm serviçais domésticos que usam o transporte público, e, como empresários, têm funcionários usuários desse mesmo transporte, uma forma de realizar a transferência de renda, que é base da justiça social, seria exatamente fazer com que uma parte do subsídio viesse do novo IPTU. Os jovens manifestantes de hoje desconhecem o que se passou: comerciantes fecharam ruas inteiras, empresários ameaçaram lockout das empresas, nos “bairros nobres” foram feitas  manifestações contra o “totalitarismo comunista” da prefeita e os poderosos da cidade “negociaram” com os vereadores a não aprovação do projeto de lei. A Tarifa Zero não foi implantada. Discutida na forma de democracia participativa, apresentada com lisura e ética política, sem qualquer mancha possível de corrupção, a proposta foi rejeitada. Esse lastro histórico mostra o limite do pensamento mágico, pois não basta ausência de corrupção, como imaginam os manifestantes, para que tudo aconteça imediatamente da melhor maneira e como se deseja.

    Cabe uma última observação: se não levarem em consideração a divisão social das classes, isto é, os conflitos de interesses e de poderes econômico-sociais na sociedade, os manifestantes não compreenderão o campo econômico-político no qual estão se movendo quando imaginam estar agindo fora da política e contra ela. Entre os vários riscos dessa imaginação, convém lembrar aos manifestantes que se situam à esquerda que, se não tiverem autonomia política e se não a defenderem com muita garra, poderão, no Brasil, colocar água no moinho dos mesmos poderes econômicos e políticos que organizaram grandes manifestações de direita na Venezuela, na Bolívia, no Chile, no Peru, no Uruguai e na Argentina. E a mídia, penhorada, agradecerá pelos altos índices de audiência.

    Fonte: https://midiafazmal.wordpress.com/2013/06/27/marilena-chaui-sobre-manifestacoes-2013-2/

  • Vinagre nas manifestações: uma nova arma química terrorista! Stand up do dia!

    Vinagre nas manifestações: uma nova arma química terrorista! Stand up do dia!

    o vinagre nas manifestações era uma estratégia utilizada para minimizar os damos do gás lacrimogênio. O vinagre é um ácido acético diluído e, quando inalado, pode ajudar a neutralizar os efeitos do gás lacrimogêneo, que é um irritante químico usado para controlar multidões. Ao ser pulverizado no rosto, o gás lacrimogêneo causa lacrimejamento, tosse, falta de ar e dor nos olhos e na garganta.

    Ao usar vinagre, os manifestantes podem embeber lenços ou máscaras em uma solução de vinagre diluído e usá-los para cobrir o nariz e a boca. Isso pode ajudar a reduzir os efeitos do gás lacrimogêneo e permitir que os manifestantes respirem com mais facilidade. No entanto, é importante notar que o vinagre não é uma solução milagrosa e pode não ser eficaz em todos os casos. Além disso, a solução de vinagre pode ser irritante para a pele sensível e os olhos, portanto, é importante usar o vinagre com cautela e de maneira responsável.

     

     
    vinagre esta proibido
    Por Tarcísio Arquimedes Araújo Carneiro[1]
    Colegas leitores deste stand up do dia, CUIDADO! Uma nova ameaça TERRORISTA está se instalando por parte dos manifestantes brasileiros. Pois venho informar-lhes que o jornalista Piero Locatelli, repórter do site da revista Carta Capital, que estava cobrindo o 4º ato pela redução da tarifa do transporte público em São Paulo, foi detido. O motivo: porte de um pote de vinagre nas manifestações!
    Pesquisando mais sobre o assunto no Wikipédia, observei que “o termo vinagre, deriva do francês vinaigre, que quer dizer vinho agre ou azedo”. Certamente, a polícia militar de São Paulo, através de pesquisas científicas apuradas em relação às armas biológicas, deve ter chegado à conclusão que esse vinho AZEDO, por rimar com a palavra MEDO, deve

    ser considerado uma arma química! Apoiado!

    Atenção cozinheiros, cozinheiras e donas de casa, não custa nada tirar o Vinagre dos temperos caseiros, até mesmo por que, com esta INFLAÇÃO ridícula para o setor de alimentos, já estamos deixando de comer TOMATE e deixar de comprar o vinagre não vai ser muito sacrifício! Né não?
    Observei, pesquisando mais ainda sobre esta perigosa substância, que “a Bíblia, no Antigo e Novo Testamento, faz referência ao vinagre. Talvez o fato mais conhecido seja a Crucifixão de Jesus, em que os romanos oferecem uma esponja inundada de vinagre a Jesus Cristo”. (Wikipédia).
    Então agora está tudo explicado. Já encontrei mais um motivo para apoiar a iniciativa da nossa quase autoritária polícia militar. Não que o Vinagre seja inofensivo, mas que as coisas se inverteram, pois no tempo de Jesus soldados castigavam os “criminosos” com o vinagre e agora eles é que estão sendo castigados!
    Viva a DEMOCRACIA brasileira! Viva a nossa POLÍCIA com resquícios quase imperceptíveis da nossa “distante” DITADURA MILITAR! Viva a filosofia MILITARISTA em nossas polícias! E não compremos mais VINAGRE!
    Nós apanhamos, mas nos divertimos!
    E até o próximo stand up da vida real…
    REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
    Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vinagre. Acesso: 15/06/2013.
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5w1fxiXxdbw. Acesso: 15/06/2013.
    [1]; Sociólogo, Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Educador físico; Professor do Instituto Federal do Piauí (IFPI, Campus Parnaíba); email: [email protected];
  • Desabafo de um baderneiro: preocupado e confuso

    Desabafo de um baderneiro: preocupado e confuso

    Por Cristiano Bodart (ironizando coisa séria)
    aaaaa
    Serei bem breve, questão de tempo, preso sem ao menos ter direito de saber qual ouquais os motivos. Processado sem saber o motivo do crime, tal qual umpersonagem kafkiano (personagemdo livro “O Processo” que é preso sem saber o porquê). Apenas sei que estárelacionado à ação criminosa de se fazer protesto em busca de um país melhor.
    O encarceramento será menos problemático do que a dúvida do(s) motivo(s) de minhaprisão. Estou em situação semelhante a uma mulher que engravidou após terrelação sexual com um grande grupo de homens, só que no meu caso envolvemvários “crimes”.Aproveitareios momentos só, em uma cela qualquer, para mergulhar, em mim mesmo, na busca deuma resposta. Não será fácil, haja visto que os “crimes” cometidos por mim sãoinúmeros.
    Resta-me saber por qual deles serei apreendido, agredido e humilhado. Por ora, farei uma lista das ilegalidades as quais cometi e ando cometendo essasemana. Assim, na cadeia ou dentro do camburão, terei elementos iniciais para descobrir qual ou quais os motivos justos de minha detenção. Caso você, leitor,tenha um dica, por favor, me conte. Me ajude a identificar o motivo pelo qual serei em breve preso. Vou procurar na memória, tentando reconstituir a ordemdos fatos para saber onde eu errei:Primeiro,permaneci ilegalmente sentado na avenida paulista em protesto ao aumento das passagens enquanto a polícia me retirava com chutes;Depois,ofereci ironicamente flores aos policiais que me lançavam bombas lacrimogênias;Usei máscaras para me proteger do gás lacrimogênio;Em seguida, fui pego portando a substância ilegal chamada vinagre que parece ser usada em bombas de destruição em massa;Filmei,sem permissão escrita, o protesto, até que um policial no exercício de sua função me bateu com seu porrete corrigindo-me.Confessei publicamente, via megafone, que sou contrário aos lucros das empresas que detêmc oncessão para explorar o transporte público.
    Aqui fui traiçoeiro com o sistemaque impera;Gritei “sem violência”, desacatando com isso os policiais;Tentei ajudar os demais criminosos feridos pela polícia, inclusive um senhor de 74 anos possivelmente tão perigoso quanto eu;Escreviem meu corpo que sou contrário a violência;Portei ilegalmente cartaz com frases que faziam apologia a paz;Fiz apologia a um mundo mais justo;Gritei que a polícia não sabe qual o seu papel. Nesse ponto rompi com toda anormalidade desejável.[…]Vouparar por aqui, pois podem dobrar minha pena por publicar ações de segurançanacional que estão em segredo de justiça. Ou, quem sabe, me bater ainda maisforte, se é que isso é possível.
  • Contenção aos movimentos sociais: da ordem imediata à desordem de/à longo prazo.

    Por Roniel Sampaio
    Silva
    Um dos grandes legados ideológicos
    do Brasil é o positivismo. Prova disso é nosso lema comteano “Ordem e
    progresso” na bandeira nacional. Até hoje essa filosofia é muito forte e vem
    sendo transmitida como um dos grandes pilares da nossa sociedade como valor moral
    sacramentado que é constantemente profanado. Todavia, o que se constata é que a
    ordem e o
    progresso são direcionados apenas ao que se convém, perdendo-se nos
    discursos.
    Estamos acompanhando o processo
    de fermentação de duas grandes situações emblemáticas vivida pelo nosso país,
    cheio de contradições. A primeira diz respeito ao conflito envolvendo fazendeiros
    e índios
    Terena
    , a segunda envolve os protestos populares pela melhoria do acesso
    aos transportes
    públicos
    . Pretendo fazer uma análise preliminar a

    partir do positivismo, avaliando
    as contradições dos discursos para além do “Ordem e progresso.”

    Quando os índios são expulsos de
    suas terras as quais têm seu vínculo comprovado, tal barárie se
    diz em nome do progresso.  Sabe por quê?
    Porque “os índios são improdutivos, não plantam soja transgênica, eles não
    produzem nem pra sobreviver”, diria o assíduo receptor passivo de telejornal.
    Não produzem nada além de uma cultura retrograda que respeita idosos e
    crianças. Coisa que não precisamos aprender.
    Quando ativistas em prol da
    redução da tarifa pública vão para as ruas, se ouve “Ordem! Ordem! Ordem! Nesse
    pais de baderneiros”. Ordem para quem? Para os políticos nos seus complôs de
    gabinete vandalizarem com o nosso dinheiro e com uma política que diz respeito
    a nós? Quem são os
    baderneiros e vândalos?
    Como diria o Prof Dr Valdemar Pires, em sua página
    no Facebook, “Vamos fazer um acordo: manifestação sem baderna a troco de
    informação sem manipulação e política sem safadeza. Quem conseguir primeiro, avisa
    o outro para o jogo começar”…
    Baderna se combate com que? Com
    política? Não, com polícia. Podemos pensar que a polícia combate
    o sintoma, a manifestação popular, mas não a doença, isso porque o positivismo
    míope não percebe a doença. Muitos setores conservadores visualizam o movimento
    social como baderna. Numa instancia pontual e não como processo que com
    deflagra esses movimentos.
    Mas afinal o que é dersordem se
    não o fato de um trabalhador comprometer sua renda para locomover-se em favor
    de um grupo que tem ganância por lucros. Os reajustes são constantes e não se
    discute um transporte mais acessível. Seria, esses ajustes, parte dos acordos com
    quem financiou as campanhas eleitorais? A resposta é obvia!
    Daí vem a polícia para combater a
    ordem imediatista, quando a ordem a longo prazo se faz com política.
  • Solidão no meio da multidão: saudades de minha vizinha fofoqueira

    Solidão no meio da multidão: saudades de minha vizinha fofoqueira

    [Texto originalmente publicado no Portal 27]
    Por Cristiano Bodart
    alone in a crowd1
    Com a modernidade reivindicamos a liberdade e a individualidade, de tal modo que, quanto mais moderna a sociedade a qual estamos inseridos mais uno e individualizado buscamos ser. O moderno veio para crucificar o tradicional (brega, atrasado, antigo, etc.), para deixar às costas as antigas formas de vida social.
    Nascido e criado em cidade pequena, sempre tive o desejo de ter mais privacidade, coisa que a Maria Santinha*, minha vizinha, nunca deixou eu ter. Passado alguns anos, passei a quase residir em uma das maiores cidades do mundo, São Paulo. Costumo ficar durante a semana na capital paulista e voltar para minha cidadezinha nos fins de semana.
    Em meio à multidão, comecei a ter consciência daquilo que havia lido nos livros de Sociologia: um sentimento de solidão em meio a uma multidão, a falta de “calor humano” e um sentimento blasé (indiferença frente aquilo que deveria trazer surpresa ou choque).

    Notei, por experiência empírica, que o desenvolvimento das cidades tem tornado – e não é de agora, é claro – as relações sociais cada vez mais desprovidas do que chamamos “calor humano”.

    Observando a multidão ao meu redor, pude perceber que não há pior solidão do que aquela que se dá em meio a uma multidão de faces desconhecidas e olhares distantes. Se sentir só, por contraditório que possa parecer, é mais comum nessas grandes metrópoles. Quanto mais gente, mais só podemos nos sentir.

    A individualidade que busca o homem moderno urbano o tem feito refém da sensação de solidão. Quanto maior a cidade, mais as pessoas ao nosso redor deixam de ser “pessoas” para serem “indivíduos” que se diluem nas massas populacionais. Deixam de ser o Pedro Carlos e a Paulinha Rita para ser “o carteiro” e a atendente da Loja Americanas. Deixa de ser a Dona Regina, esposa do Rodrigo do Limão, para ser a “vizinha do 302”. É comum, por exemplo, no metrô de São Paulo, as pessoas ficarem ao telefone em busca de uma fuga dos minutos de solidão em meio à multidão. Nesses casos, ouvir música, ou ligar para alguém que ainda (isso mesmo, ainda) lhe é familiar, ajuda a não perceber a solidão em meio a uma multidão de indivíduos.

    Muitos, talvez a maioria das pessoas, sonham em morar aonde ninguém vai se intrometer em suas vidas, onde suas relações serão impessoais. Os que não migram para os centros urbanos buscam meios de tornar suas vidas mais privadas possíveis. À primeira vista é algo que só traz benefício, a final, parece ser a tão sonhada maneira de se livrar da “vizinha fofoqueira”. Essa busca pela individualidade tem distanciado as pessoas uma das outras, tornando suas relações superficiais e “frias”. Os amigos reduzem-se ao mínimo, muitas vezes à simples “colegas” de trabalho, de curso, etc.

    Mas por que essa tendência de solidão e impessoalidade no mundo moderno, principalmente nas cidades grandes? Já no início do século passado sociólogos debruçavam-se sobre esse fenômeno, dentre eles Georg Simmel.

    Simmel**, de forma brilhante, apontou que a individualidade crescente se aprofundou com o Sistema Capitalista, tornando as relações de troca em relações impessoais (diferente do mundo feudal de outrora), via dinheiro – coisa por coisa. A cidade grande moderna, já apontava Simmel, se voltou, quase que completamente, da produção para fregueses completamente desconhecidos, os quais nunca se encontrarão cara-a-cara com os verdadeiros produtores. Ele afirmou que, “[…] com isso, o interesse das duas partes ganha uma objetividade impiedosa, seus egoísmos econômicos, que calculam com o entendimento, não têm a temer nenhuma dispersão devida aos imponderáveis das relações pessoais” (SIMMEL, 1976, p. 04).

    Nesse sentido, o “espírito moderno” foi tornando-se em um “espírito contábil”. Quase tudo passou a ser quantificado. Cai um avião e a reportagem se pauta em contar o número de mortos e feridos. A notícia de 84 vítimas fatais seguida da correção para 81 mortos é vista como mero erro contábil. Tudo passou a ter número e preço. Até virgindade está sendo leiloada!

    Há um caráter blasé que se aprofunda a cada dia. As pessoas não ficam chocadas com tragédias noticiadas na TV, vistas muitas vezes como mera curiosidade, o que se repede nas ruas por onde passa. Não nota-se a criança pedinte na calçada. Quando vista, entendida como um obstáculo a ser desviado. As pessoas ao derredor são apenas uma multidão. Falta “calor humano” nas relações! Falta percepção do que está em volta. As pessoas estão anestesiadas!

    Essa busca pela individualidade (acredito), já foi muito longe, pelo menos para mim. Quero conviver com a vizinha fofoqueira, mais precisamente a Maria Santinha! Quero viver por muito tempo em minha cidadezinha ou outra que tenha calor humano. Nada mais prazeroso do que ouvir um bom dia acompanhado com o nosso nome! As fofocas? Essas vamos suportando…

    *Os nomes próprios usados são fictícios. Afinal, não quero amanhã a minha vizinha em minha porta me gritando(rs).

    ** SIMMEL, Georg. Metropolis and Mental Life. New York: Free Press, 1976.

  • A Antropologia e a Sociologia Hoje

    A Antropologia e a Sociologia Hoje

    Antropologia e Sociologia hoje

    antropologia
    Reproduzo abaixo um texto escrito por Cristiana Costa intitulado “A Antropologia e a Sociologia hoje” para posteriormente levantar duas questões que acredito serem necessárias e urgentes.
    “A antropologia foi se desenvolvendo nos últimos duzentos anos investigando os elementos que orientam a ação e explicam a emergência de padrões e comportamentos sociais. Auxiliada por uma análise de cunho cognitivo e até psicológico, revelou sutis relações entre formas próprias de pensar e agir.
    Ao mesmo tempo que abandonava o campo da evidência empírica e se aprofundava na área da organização psíquica e emocional dos agentes sociais e das origens da intencionalidade de sua ação, as transformações históricas iam modificando violentamente as sociedades anteriormente tidas como seu objeto específico de estudo.O imperialismo e a expansão do capitalismo industrial acabaram por transformar radicalmente as sociedades não-européias, nelas introduzindo formas organizacionais típicas da civilização ocidental européia.
    No mundo globalizado, as diferenças culturais se nivelam numa estandardização desconcertante. E aquilo que resta de estruturas culturais tradicionais se encontra revestido de um novo sentido, capitalista e contemporâneo. Remotas tradições – como o uso de aros no pescoço das “mulheres girafas” da Tailândia – se transformam em atrações de uma bem-sucedida indústria turística, enquanto produções artesanais consagradas servem apenas como modelos dos seus substitutos industriais. Podemos encontrar hoje, em baixelas de plástico produzidas por multinacionais norte-americanas estabelecidas na Tailândia, os mesmo desenhos que ornavam as chinesas.
    A originalidade dos traços culturais é posta em dúvida numa economia planetária e de produção em massa. Grupos indígenas ainda existentes em certas áreas da sociedade brasileira, por exemplo, desenvolvem seus hábitos e costumes – fabricam utensílios e adornos plumários, vestem-se “a caráter” e alimentam-se de mandioca – apenas em horário comercial. Fora dele usam jeans e walkman.
         
    O que resta, portanto, da alteridade necessária à delimitação do objeto próprio da antropologia? Pouco, se considerarmos essa alteridade, como no século XIX, expressão de um modo de vida não-ocidental. Mas se pensarmos esse objeto e essa alteridade com tudo aquilo que possa ser um desvio dentro do sistema globalizado, como tudo aquilo que resiste e se opõe ao pleno funcionamento da economia planetária, o leque de opções se amplia como nunca. Se permitirmos que essa alteridade venha a dar conta dos inúmeros grupos minoritários que emergem nessa sociedade – grupos étnicos, religiosos, sexuais -, se aceitarmos que ela inclua as novas formas societárias que se desenvolvem à margem da sociedade, então veremos que a antropologia tem um imenso universo de estudo a desenvolver e seus comprovados métodos de investigação poderão obter muitos resultados.
    Por outro lado, se é verdade que a sociedade se urbaniza e se industrializa de forma global, submetendo o campo e a produção agrária aos princípios de organização urbano-industrial, as mais variadas populações de imigrantes e migrantes enquistam-se nas metrópoles, enquanto uma solidariedade estranha desenvolve-se na periferia entre os grupos excluídos das benesses do desenvolvimento.
         Proliferam as associações de bairros, de pais e mestres, de moradores e de amigos nas mais diferentes instituições. Como atuam, como identificam seus pares, como se comunicam, são certamente temas interessantes para a antropologia contemporânea. Adequadas às análises antropológicas são também as feiras informais que combina as antigas feiras comunitárias com os novos shopping centers.  Formas monetárias alternativas – de passes, tíquetes e fichas de telefone – convivem um sistema econômico que substitui as cédulas por cartões de crédito.
    Pode-se pensar também que a globalização, em vez de destruir antigas formas de sociabilidade e de comportamento, apenas as deslocou de um espaço distinto e próprio para os intervalos disponíveis no sistema capitalista urbano-industrial. Duas formas distintas de organização social parecem se sobrepor, mantendo entre si algumas ligações, como vasos sangüíneos comunicantes.
    Desse modo começam a ruir as fronteiras que delimitavam essas duas ciências, ou pelo menos que pareciam delimitar seus objetos de estudo. A sociologia e a antropologia procuram redefinir as múltiplas relações que emergem na sociedade, em meio às quais fica cada vez mais difícil definir quem sou eu e quem é o outro, o que é tradicional ou efetivamente moderno, aquilo que é globalizado e o que é regional.
         De qualquer maneira perduram certas práticas de pesquisa mais próprias de uma ou de outra ciência. Enquanto métodos de pesquisa de massa se desenvolvem na investigação das diferenças regionais entre fenômenos mundiais – como desemprego e miséria -, as análises minuciosas da antropologia procuram identificar nessa sociedade tecnológica e informacional os nichos de resistência e, como sempre, de manifestações de alteridade”.
    Sociologia : Introdução à Ciência da Sociedade / Cristina Costa – 2ª Edição – São
        Paulo: Moderna, 1997. O Desenvolvimento da Antropologia Social, 121 – 123.         
    ________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Questões para refletir e discutir:
    1 – A aparente tendência de invasão de fronteiras entre as duas ciências as leva a uma crise?
    2 – Em meio a tendência de homogenização é possível pensar o outro sem confundir-se consigo mesmo, já que esse outro é cada vez mais parecido comigo?
    Fique a vontade para comentar e apresentar suas percepções desta complexa realidade.
  • Mecandante contra Sociologia, Carta “fechada” ao ministro da educação

    Mecandante contra Sociologia, Carta “fechada” ao ministro da educação

    Mercadante, Ministro de Estado da Educação, chegou uma carta para o Senhor.

    Por Cristiano Bodart
    Mercadante
    Carta secreta ao Sr. Min. da Educação.

    Prezado Ministro da Educação, Aloizio Mercadante,

    Aqui entre nós…

    Para que Sociologia e Filosofia nas escolas de Ensino Médio? Venho me perguntando à tempo. Pior que agora estão querendo que essas disciplinas tenham a mesma importância da Matemática e do Português. Que disparate! Veja só, querem que os filhos dos operários e dos camponeses saibam mais que dar o troco ao comprar algo na mercearia. Querem que eles entendam as relações de poder que envolvem a economia. Querem que eles entendam a sua condição social de existência e as ideologias contidas nos discursos. Isso é uma afronta ao histórico de meu país! Nunca foi assim, por que será agora, não é mesmo senhor Ministro?

    Essa gente quer que tais disciplinas sejam ampliadas para duas aulas semanais. Que absurdo! Essas disciplinas devem permanecer com apenas uma aula por semana e está muito bom, pois assim os professorzinhos de humanas, metidos a justiceiros, não terão condições adequadas para ensinar os alunos (o “sem luz”, rsrsrs) das escolas públicas as balelas, tais como democracia, justiça social, igualdade e outras aberrações do gênero.

    Prezado Sr. Mercadante, não dê ouvidos a tais professores. Eles nem entendem que a ideia é essa mesma: dar um pequeno espaço para as duas disciplinas de forma a ser tão pequeno que eles não consigam realizar seus intentos. Eles não conhecem o “país real” e ficam criando ilusões e esperanças na cabeça dessa gentinha de escola básica pública. Não lhes dê ouvidos, caso contrário o futuro da elite brasileira correrá perigo! Não quero perder minhas regalias.

    Se essa gente começar a ensinar as bobagens da Sociologia e da Filosofia daqui a pouco os filhos esfomeados dos trabalhadores vão querer mais igualdade, irão exigir mais democracia, implorar pelo fim dos privilégios historicamente alcançados por nós, integrantes da elite. Irão defender igualdade de gênero e todas as besteiras que já conseguiram em maior parte da Europa. No Brasil não! Não aceitaremos isso. Me arrepio só de pensar em ver essa gentinha chegando ao poder ou o influenciando.

    Embora o senhor venha das humanas, o senhor me entende, não é? Por isso que ainda estas disciplinas têm uma aula por semana, não é? Ministro não nos decepcione. No seu lugar eu acabaria com elas [as disciplinas de Filosofia e Sociologia] em dois tempos.

    Que saudade da Ditadura... se não dá para retornar a essa “época de ouro”, vamos, pelo menos, iludindo-os com uma aula semanal. Combinado companheiro? Agora é um de nós, não é? Contamos com seu apoio para manter as coisas como estão.

    Att; Sr. Irônico da Pátria que me pariu.

  • Desenvolvimento para quem?

    Desenvolvimento para quem?

    servletrecuperafoto

     

    Por Ana Nery Correia Lima

    Hoje, ao entrar na minha página no facebook, me deparei com uma foto que me motivou a escrever esse texto. A frase que antecede a foto é a seguinte: “expansão mobiliária constrói periferia desigual”.

    Fiquei refletindo então sobre os ideais de progresso a que estamos inseridos nesse país dito “em desenvolvimento”. Será que as iniciativas governamentais em direção ao desenvolvimento do país estão realmente preocupadas com a maior parte da população? Penso que já sabemos a resposta e não é de hoje….




     
     
    capa
     

     

    A foto me fez refletir também sobre esse ideal desenvolvimentista iniciado no país, de forma mais intensa, na década de 70 e que acarretou problemas como o ilustrado na imagem acima. Sabemos, obviamente, que no caso brasileiro esses problemas advêm também e, sobretudo, do período pós “abolição” da escravidão, contudo gostaria de me deter no momento a esse ideal de desenvolvimento que tanto se propaga…

    Essa categoria desenvolvimento começou a ser discutida após a Segunda Guerra Mundial, no final da década de 1940, trazendo como consequência para o mundo a bipolarização dos países em desenvolvidos, aqueles que possuíam progresso tecnológico e baixos índices de pobreza e, os subdesenvolvidos, que eram representados pelos chamados países do “terceiro mundo”, discurso influenciado, sobretudo, pelo presidente norte-americano Henry Truman, o qual categorizou como subdesenvolvidos os povos que não se encontravam no mesmo patamar de crescimento industrial e tecnológico dos Estados Unidos.
    Após a Segunda Guerra a noção de desenvolvimento foi influenciada pelas teorias desenvolvimentistas encabeçadas, principalmente, por economistas que visavam promover desenvolvimento tecnológico, sendo isso visto como requisito prévio de uma democracia plena. A partir da década de 1970 as ideias neoliberais deram um maior fôlego às teorias de desenvolvimento. Estas eram orientadas por um caráter técnico circunscrito no âmbito econômico, mas que tinham consequências na área social.
    Para além dessas questões discutidas no plano teórico, as reflexões sobre o desenvolvimento se afinaram fortemente no seio dos movimentos sociais. A influência dos chamados novos movimentos sociais que eclodiram na década de 70 foram fundamentais para se pensar outras reivindicações, novas formas de militância e outras reflexões sobre as necessidades dos grupos sociais diferenciados. Juntamente com essas novas configurações outras teorias a respeito do termo desenvolvimento surgiram como alternativas mais “coerentes” para se estruturar políticas que atendessem às particularidades dos grupos em questão.
    Nese contexto surgem as adjetivações sustentável e responsável, para tentar dar conta das reivindicações e reflexões em questão. Nesse sentido o foco principal, a partir de então, seria o acréscimo do capital social, do fortalecimento das identidade étnica, ampliação do respeito às liberdades individuais e os projetos e políticas que visam o desenvolvimento. Desenvolvimento sustentável… hã????
    Para tanto, analisar, construir ou reformular políticas de desenvolvimento, edificadas pelo Estado, consiste em perceber que elementos foram utilizados para construção desta, bem como perceber que sentido de desenvolvimento se pretende chegar com tal investida. Nesse aspecto deve-se colocar em questão o próprio conceito do termo desenvolvimento e em que contexto ele é utilizado, pois suas demandas devem estar entrelaçadas e ligadas às dimensões espacial, social, cultural e econômica.
    Mas, então, se o fator humano deve ser levado em conta a partir desse novo movimento teórico e da pressão social, onde estão os elementos pensados a partir de uma prática de desenvolvimento responsável? Protocolo de Kioto, Rio 92, Rio + 20 e tantas outras investidas na tentativa de pensar o desenvolvimento mundial de forma mais qualitativa ficam onde quando olhamos com uma lupa para nossas cidades?
    Percebemos, a cada dia, que políticas de desenvolvimento que sempre estão atreladas ao bom e antigo ideal de progresso não estão conectadas às necessidades da maioria da população. Estes vivem à margem de um ideal econômico ou inseridos nele, mas de forma equivocada e não benéfica. Somos levados a pensar que essas políticas nos beneficiam e que os programas assistencialistas são capazes de redimir as tensões causadas por esse sistema tão desigual ao qual estamos inseridos.
    Festejamos a expansão mobiliária que fomenta o crescimento econômico e esquecemos de que muitas vezes vivemos nos “cortiços da vida” [para relembrar Aluísio de Azevedo], amontoados nas grandes ou médias cidades, engolidos pelos ideais e ideologias do sistema econômico vigente. Penso que a questão da ideia de desenvolvimento está longe de ser esgotada, mas que as iniciativas populares são importantes para tentar formar um contra discurso ao que está posto.
    Em épocas de decisão “democrática” é preciso pensar que projeto de desenvolvimento os representantes pensam para nossas cidades…. a foto mencionada acima com certeza é fruto de um projeto desses, mas claro que beneficia uma parcela pouco numerosa de cidadãos.
    REFERÊNCIAS
    CUÉLLAR, javier Perez de. (org). Nossa diversidade criadora: Realtório da comissão Mundial de cultura e desenvolvimento. Campinas, SP: Papirus: Unesco, 1997.
    BOTTMORE, Thomas. As elites e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1965
    SILVA, Christian Luiz da, MENDES, Judas Tadeus Grassi (orgs.). Reflexões sobre o Desenvolvimento Sustentável: agentes e interações sob a ótica multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 2005.
    HERMET, Guy. Cultura e Desenvolvimento. São Paulo: Vozes, 2002.
    SILVA, José Domingos Cantanhede. Pobreza e desenvolvimento: o PCPR nas comunidades quilombolas. São Luís, s/a.
    * Graduada em Ciências Sociais/UFM. Atualmente cursa o mestre em Ciências Sociais nessa mesma instituição. É editora do blog “Andarilha”.