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Tag: Texto para reflexão
Texto para reflexão
Estes textos oferecem uma visão diferenciada e interessante sobre vários acontecimentos cuja análise pode ser feita por meio da sociologia.
A reflexão é um importante instrumento intelectual para fazer com que o indivíduo consiga perceber a relação entre as estruturas sociais e as biografias individuais.
Na Sociologia sempre esteve presente a discussão entre indivíduo e sociedade (agencia vs. estrutura), chegando ao ponto de estudiosos mais radicais, principalmente nas primeiras décadas do século XX, ignorar os estudos que tinham seu foco no
indivíduo. Simmel, por exemplo, foi um sociólogo renegado por anos por esse motivo. Bauman e May nos ajudam a entender em quais condições o indivíduo é objeto da Sociologia. Para esses autores “atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência .
Desse modo os textos para reflexão ensejam uma análise de como nós nos relacionamos com nossa estrutura e proporcionam um contraponto discurso do discurso dominante.
Quando a identidade da “não identidade” possibilita o indivíduo se auto-classificar pertencente a outra identidade.
Gostaria de tratar uma questão um tanto curiosa de nossa [brasileira] peculiaridade. Chamo, a princípio, tal fenômeno de “a identidade da não identidade”. Essa “identidade” possibilita, de certa forma e grau, o brasileiro se denominar não brasileiro. O que quero dizer com isso?Antes de explanar o que chamo de “identidade da não identidade” torna-se necessário para a compreensão de meu raciocínio algumas poucas questões. Primeiro é importante colocar que todo o povo tem identidade, uso essa expressão para me referir a ideia de uma falta de clareza identitária. Segundo, os descendentes de imigrantes no Brasil podem ser tanto reconhecidos como descendente de imigrantes quanto brasileiros e isso sem nenhum problema de reconhecimento por parte dos demais grupos [diferentemente de outras sociedades, como a Norte-americana, onde o imigrante e seu descendente é sempre imigrante eO descendente de imigrante se integra a cultura brasileira com muita facilidade, mesmo que sua família tenha preservado hábitos culturais de suas origens e rapidamente adquirido nossa cultura. Assim, este pode possuir dois reconhecimentos identitários. No caso de descendentes de terceira e quarta geração, muito embora não tenham [na maioria das vezes] vínculos objetivos e pouquíssimos subjetivos, tendem a negar sua história social e pessoal (como brasileiro) em prol da busca do reconhecimento de que é descendente de imigrante.Dito essas coisas, nota-se que o descendente de imigrante pode ter como identidade a origem de sua família, assim como pode ser brasileiro. Por que nos Estados Unidos isso não seria possível? Os norte-americanos tem uma cultura muito própria e bem definida (com menos pluralidade), diferentemente do Brasil.Nós, brasileiros, não temos uma identidade definida e clara. Somos um povo multicultural. E isso não é fruto da globalização que hora se desenvolve. Não temos “uma” identidade desde as origens do Estado Nacional. Darcy Ribeiro já dizia que somos a “mistura de ninguéns”. Não que isso fosse ruim. Para ele, muito pelo contrário, essa mistura torna o Brasil um dos países mais rico culturalmente. Em outras palavras, o brasileiro surge de misturas entre brancos , negros e índios. Esses que nasciam de tal mistura não era nem branco, nem negro e nem índio – era o “ninguém”, em um sentido de falta de uma clara identidade com os grupos existentes.A mistura desses “ninguéns” dá origem ao que entendemos hoje por brasileiro. O fato de não termos uma identidade [pelo menos clara e coesa] cria um cenário propício para o indivíduo, que aqui nasceu e aqui adquiriu cultura, se intitule como não brasileiro, ou melhor, descendente de italiano, de alemão, de russo, etc.Desta forma, a identidade dos brasileiros é não ter “uma” identidade [pelo menos única e coesa]. Essa realidade cria a possibilidade da existência de grupos étnicos se autodenominarem imigrante e não brasileiro e isso de forma muito bem aceita, vide as festas “italianas” e “alemãs” e o orgulho em portar sobrenomes de seus bisavós. De forma sintética, poderíamos dizer que cria-se novas identidades (descendente de alemã, de italiano, de russo, etc.,) a partir da “não identidade” clara, única e coesa. O mais interessante é que o Brasil permite “co-identidades” sem, contudo, uma excluir a outra.Obs: caso deseje acrescentar ou descordar com esta reflexão, sinta-se convidado para enriquece-la por meio de comentários. Esse é o objetivo de eu lançar reflexões embionárias neste blog.É insuportável a solidão. Perdi meus amigos. Não quero mais viver!*
Por Cristiano Bodart
O texto que se segue, embora não seja de um caso real, busca provocar a reflexão entorno de nossa realidade. Segue:As amizades se modernizam, tanto em profundidade, largura e altura. Tornaram-se tão importantes que não sei se meu perfil no facebook iria dar conta de tantas. A cada dia angariava mais uma meia-dúzia deles. Igualmente desfazia amizades com uns três ou quatro chatos que não escreviam ou postavam coisas legais.
Na época de meu pai as pessoas tinham apenas cinco ou seis amigos. Esses sabíamos de todos os nossos segredos, gostos e desgostos. Havia muita invasão de privacidade! Hoje as coisas se modernizaram. Devo ter mais de mil amigos, isso mesmo, mais de mil. Muitos não sei nem onde moram ou o que fazem. Alguns não os reconheceria se os encontrassem em alguma esquina da cidade. Muitos nem sei se moram na minha cidade. Sendo tantos nem é preciso se importar com eles.
Na dimensão largura, amizade tornou-se infinita, basta ter tempo para entrar nas redes sociais para ampliar um pouco mais as amizades. Antes se ampliava as amizades indo na casa dos vizinhos. Veja se pode? Bom é a amizade moderna, nem precisamos buscar assunto para conversar. Um “bom dia Faces” já é suficiente! Nem ainda precisamos ir à casa de ninguém. Eu mesmo não abria muito o bate-papo do meu face. Nada mais chato do que saber da vida pessoal dos outros. Gosto de ver fotos e frases; apenas isso. As amizades se modernizaram em sua profundidade. Agora são mais “rasas”. Nada daquela história de saber de meus segredos, dos meus gostos ou desgostos. Quando queremos que alguém saiba de um dos nossos gostos publica-se na internet. O bom é que se descobrir, como sempre acontece, que não gostamos daquilo, troca-se a postagem e nenhum dos amigos percebem ou ligam. Assim se é livre para mudanças, para metamorfosear-se como eu bem entender; o que está em moda agora! Já mudei de time umas três vezes e ninguém implicou comigo; acho que nem notaram. Ninguém é obrigado a ter uma identidade. Eis a modernidade!
Para ser amigo não precisa se abraçar ou olhar nos olhos ao falar. Ir na casa, estudar juntos, sair juntos. Os melhores momentos entre amigos são as expressões de risos e gargalhadas no Facebook. Rir com imagens e vídeos é o nosso passatempo principal… diria que quase que exclusivo.
Eu gostava dessa modernidade. Não gosto mais. Hoje não tenho acesso à internet e perdi, de uma só vez, mil amigos… minha vida acabou. Meu computador quebrou na mudança e não tenho como comprar outro. Sinto-me solitário. Acho que meus amigos nem notaram, ou se notaram devem estar rindo e dizendo que morri. Ainda estou vivo, mas devo, em breve, tirar-me a vida, pois estou privado do contato com os amigos. Só não fiz isso ainda porque tenho que arrumar a mudança e como sou o mais velho, 19 anos, tenho que ajudar a organizar os quartos dos 48 jovens que vivem aqui na república. Mas acabando a tarefa não quero mais viver só. É insuportável a solidão.
Carta de um antropólogo perdido
Por Roniel Sampaio SilvaAcordei, hoje, na manhã e me
deparei com uma das experiências mais marcantes que um homem de 40 anos pode
ter. Saí de minha terra natal rumo a uma cultura totalmente desconhecida, estava
envolto por um ambiente inóspito e hostil. O lugar era envolto por uma bruma
espessa a qual me entorpecia e me embaçava a visão. Subitamente um nativo me
barrou, perguntando-me algo sobre uma contagem, ele olhava para o pulso, ao
passo que me indagava sobre perguntas as quais não sabia responder.Outros nativos pareciam estar à
procura de algo. Eles se deslocavam em multidões para salas movediças onde
havia ilustrações de pessoas trajadas de alegrias, algumas delas quase sem
roupa. Muitos destes
desenhos eram acompanhados de símbolos que eu não
conseguia compreender. Andando por estes estranhos me indaguei: Quem são estas
pessoas? Muito assustado, resolvi explorar mais o local para descobrir mais
sobre sua cultura.Rumei em direção à multidão, perdido
entre eles. Observei que as vestimentas eram das mais variadas e algumas não
condiziam com as condições climáticas. Percebi que este povo aparentava ser muito
supersticioso, uma vez que, eles carregavam consigo um amuleto o qual observavam compulsoriamente; pareciam querer receber auspícios de oráculos… Algumas pessoas utilizavam uma
espécie de concha sobre os olhos a fim, possivelmente, de destacar-se sobre as
demais.Havia templos espalhados por toda
aldeia. Alguns símbolos eram enfatizados não apenas nos templos, e sua
repetição nestes lugares indicava que o local era uma espécie de santuário. As
pessoas se dirigiam a estes locais e reverenciava os tais símbolos. No ensejo entregava
oferendas para sacerdotes uniformizados para receberem graças na forma de
escambo. Antes disso acontecer, havia um momento de reverências às estátuas em
redomas de vidro, as quais as os nativos sempre interessavam em se parecer num
gesto de devoção. Algumas destas pessoas carregavam consigo artefatos que
lembravam folhas e lascas e utilizavam destes estranhos materiais como tributo
às diversas divindades cultuadas nestes templos.As mulheres caminhavam livremente
entre os homens sem que suas famílias pudessem orientá-las. Elas, ao invés
de cuidar da prole, seguiam sem destino junto à multidão desregrada e
desorientada. Por esta razão, em muitos
casos, cabia as crianças serem educadas por amuletos com imagens de estranhos.
Como as pessoas poderiam confiar seus filhos a estranhos? As crianças eram
deixadas a mercê de manifestações espirituais caóticas e não havia sequer um
pajé para protegê-las.Como se não bastasse, os idosos
eram tratados com desdém e sua sabedoria parecia não ser atrativa o suficiente
para competir os tais amuletos, dos mais variados tamanhos e cores. Em contrastes
com as cores vivas desses, as florestas pareciam mortas e desgastadas; os rios
pareciam emanar uma atmosfera de agonia. Não sei como eles poderiam caçar e
pescar num ambiente como aquele. Como as pessoas se alimentavam? É um absurdo
imaginar que as pessoas não se sentissem pertencentes ao próprio local em que
moravam.Por fim, cheguei a uma conclusão: esta
sociedade está fadada à ruína. Eu, representante real do povo Thearpam estou convencido de que aqui em
São Paulo há poucos dos ideais que conhecemos como civilizatórios. Preciso sair
urgentemente daqui, alguém pode ajudar?Questões pare reflexões:Como é possível refletir sobre a
noção de estranhamento a partir do texto?Em que trecho fica claro a ideia
de etnocentrismo?Como o texto pode nos ajudar a
refletir sobre relativismo cultural?Como provalemente era vista a
mulher na cultura Thearpam e como
esta visão pode ser contrastada com a nossa sociedade?A partir do texto, tente
estabelecer como as diferentes culturas conceituariam civilização e progresso.Sobrepeso: o consumismo pesando duas vezes no bolso do contribuinte
Por Cristiano BodartÉ comum tomarmos problemas como naturais e buscar combate-los sem compreendermos suas raízes. É certo que muitas raízes são difíceis de serem arrancadas; o consumismo, por exemplo, é uma destas raízes firmes que fingimos não notar para não ter que enfrentar. Assim, vamos arrancando apenas as folhas que vão nascendo dia-a-dia.O Governo do estado de Minas Gerais está desenvolvendo um programa importante (Bolsa Academia), mas que arranca apenas as folhas, deixando a raiz, a qual insistirá em dar brotos. Sobre esse assunto produzi uma breve reflexão e o convido a fazer a leitura.O texto foi publicado no Portal 27 e está disponível aqui.A sociologia no conta-gotas: a questão da carga horária da disciplina
A sociologia no conta-gotas…a disciplina Sociologia, recém-incluída no currículo em caráter obrigatório, tem sido implantada de maneiras diferentes em vários sistemas de ensino. Em muitas regiões, tal disciplina tem sua carga reduzida a apenas uma aula por semana em cada série do Ensino Médio, ou seja, vem sido dosada a conta-gotas. Pretendo discutir neste texto qual a o impacto da carga horária reduzida da referida disciplina no processo de ensino-aprendizagem e quais seriam as consequências para o desenvolvimento do pensar sociológico.Em primeiro lugar, a disciplina não está isolada no currículo. Ela é componente curricular de um perfil de formação que se deseja para o aluno. Em alguns lugares, ela teve carga horária reduzida. Creio eu que reduzir sua carga horária não constitui estratégia de valorizar as demais matérias ditas “mais importantes”, uma vez em aulas de sociologia é também trabalhado questões de expressão, escrita, argumentação e lógica. Assim, o líquido dessa conta-cotas também se mistura com outras substâncias (as outras disciplinas) e não é heterogêneo.Em segundo lugar, o desenvolvimento do pensamento crítico demanda um intervalo de tempo. Ao meu ver, a quantidade de aulas destinadas a sociologia é insuficiente para tal em razão do ciclo de pensamento dever ser encadeado de maneira progressiva, sistemática e continuada. Uma aula “perdida” por semana faz com que o aprendizado seja truncado, interrompido e mecânico, paradoxalmente, lógica de pensamento a qual tanto criticamos ao nos debruçarmos na escola de Frankfurt. Em outras palavras, analisamos que o discurso fragmentado traz prejuízos a comunicação e estamos inseridos neste contexto.Outra implicação do pouco tempo para disciplina repercute na esfera do trabalho. Alguns professores, como no meu caso, para cumprir toda a carga horária a qual foi contratado, precisa lecionar em 18 turmas. Além de cansativa rotina em sala de aula, o professor acaba tendo seu trabalho precarizado por ter que prestar auxílio individual para quase 500 alunos, preencher diários, corrigir atividades individuais, provas, etc. O professor, por conta da sua condição de trabalho tem sua motivação comprometida e, por conseguinte, comprometendo o processo de ensino-aprendizado.Com todas as questões técnicas, burocráticas e administrativas inerentes do cargo de professor o seu tempo de leitura fica comprometido. Como se não bastasse a demanda de tempo para atividades dentro de sala de aula, a enxurrada de atividades tecnicistas extra-classe que exaure boa parte da criatividade do professor. A demasia de aulas de duração reguladas a conta-cotas faz com que a rotina funcione como uma esteira de produção a qual não dá oportunidade para criatividade. Nesse sentido, o tecnicismo passa ser o grande senhor do processo.Então como ter imaginação sociológica sem ensejo para criatividade? Como arrumar tempo até para fazer uma pós-graduação e aprimorar sua qualificação? Pensando Domenico De Masi, tal
sujeito, sem nenhum ócio criativo, acaba se decepcionando com sua profissão, correndo o risco de findar sua identidade por conta da sua própria condição precária de trabalho e ao mesmo tempo tendo o relógio como grande algoz e objeto de reflexão. Tal relógio é justamente contado a partir das gotas controladas neste processo. A sociologia no conta-gotas estaria sendo controlada para que não tenhamos nenhuma overdose de reflexão?Por Roniel Sampaio SilvaCiência Sem Fronteiras: Ciências Humanas, para que tê-las?*
Só pode ser o que o Ministério Público e a Secretaria de Educação de São Paulo se perguntam. Depois do anúncio do Programa Ciência Sem Fronteiras ter cortado as bolsas estudantis de mais de 20 cursos das Ciências Humanas, agora a Secretaria de Educação estadual anuncia alteração no currículo do Ensino Fundamental, retirando das grades dos três primeiros anos as disciplinas de História, Geografia e Ciências sob a desculpa de tornar “o currículo mais atraente”.Agora pensemos, além de problemas notadamente iminentes como desemprego dos profissionais da educação na área de humanidades. Não é novidade pra ninguém que a gestão pública desse país têm dado ênfase em demasia às áreas de tecnologia e produção, literalmente, quanto mais vender o conhecimento produzido aqui dentro para as grandes empresas nacionais e estrangeiras, melhor. Ou seja quanto mais aparecer nos BRICS, melhor, e pra que?
Não é da minha competência discutir economia, crescimento e desenvolvimento, aliás, se encontra muito longe do meu escopo de saber, mas de uma coisa posso dizer: não quero que as gerações futuras cresçam em um país na contra-mão. E digo na contra-mão porque a tendência mundial têm sido a de “trazer a reflexão científica para o 1º ano” segundo a consultora em educação Ilona Beckehazy. Excluir de um currículo disciplinas das humanidades é reforçar a ideia de que são “matérias supérfluas” ou “inúteis”, a mim essa postura do Governo Estadual é retrógrada e completamente sem sentido.Penso, por fim, nas inúmeras piadas que ouvi sobre estado-unidenses que não sabiam se localizar no mapa, ou que não sabiam aonde ficava o Brasil, ou qualquer outro país. Parece trivial, mas isso foi porque eu tive aulas de Geografia quando mais nova; e as novas crianças brasileiras? Serão elas, também, motivo de chacota? Acho que sim. Ao invés de incentivar a educação, acreditar no futuro das crianças, lhes tiram o pouco que ainda resta, o pouco de educação. Postura tosca, medida tosca e desculpa tosca, me sinto envergonhada e ofendida em ter lido isso hoje.*Texto originalmente publicado no blog parceiro “Crítica nossa de cada Dia“.** Marcela Tanaka é graduanda em Ciências Sociais pela Unicamp.Hugo Chávez para além do “Diabo da America Latina”
Hugo Chávez morreu, aos 58 anos de idade, Hugo Chaves. Para quem não conheceu esse líder político de esquerda, segue um texto de Eduardo Galeano, que nos dá uma ideia de quem foi esse político para além do discurso midiático.
“LA DEMONIZACIÓN DE CHAVEZ – por EDUARDO GALEANO
Hugo Chávez é um demônio. Por quê? Porque alfabetizou 2 milhões de venezuelanos que não sabiam ler nem escrever, mesmo vivendo em um país detentor da riqueza natural mais importante do mundo, o petróleo.
Eu morei nesse país alguns anos e conheci muito bem o que ele era. O chamavam de “Venezuela Saudita” por causa do petróleo. Havia 2 milhões de crianças que não podiam ir à escola porque não tinham documentos… Então, chegou um governo, esse governo diabólico, demoníaco, que faz coisas elementares, como dizer: ‘As crianças devem ser aceitas nas escolas com ou sem documentos’.Aí, caiu o mundo: isso é a prova de que Chávez é um malvado malvadíssimo. Já que ele detém essa riqueza, e com a subida do preço do petróleo graças à guerra do Iraque, ele quer usá-la para a solidariedade. Quer ajudar os países sul-americanos, e especialmente Cuba. Cuba envia médicos, ele paga com petróleo. Mas esses médicos também foram fonte de escândalo. Dizem que os médicos venezuelanos estavam furiosos com a presença desses intrusos trabalhando nos bairros mais pobres. Na época que eu morava lá como correspondente da Prensa Latina, nunca vi um médico. Agora sim há médicos. A presença dos médicos cubanos é outra evidência de que Chávez está na Terra só de visita, porque ele pertence ao inferno. Então, quando for ler uma notícia, você deve traduzir tudo.O demonismo tem essa origem, para justificar a diabólica máquina da morte.”
Crônica de um empregado desqualificado, mas coalizado
Por Cristiano BodartAcordou cedo, como não era de costume, e foi em busca de um emprego. Às 10 horas, madruga para Marcinho*.
Entrou em um escritório para uma entrevista agendada. Tratava-se de um contrato de 4 anos.Senhor
Márcio, o senhor é formado em qual das ciências? És das Humanas, exatas ou
biológicas? Perguntou o entrevistador. Marcinho fica pensativo, a fim de
compreender a pergunta e então responde:–
Sou formado não! Fiz apenas o Ensino Médio com
certa dificuldades, ficando algumas vezes de recuperação.–
Mas faz leituras assiduamente para adquirir
conhecimento especializado?–
Não senhor. Na verdade nunca li um livro
inteiro.–
Domina algum outro idioma?–
Não senhor.–
É conhecedor da História e da cultura do Brasil
e da cidade?–
Só sei o que aprendi na escola, quando garoto.O
entrevistador passa a mão sobre a cabeça e lhe diz: Senhor Marcio infelizmente
o senhor não tem o perfil desejável para a função de guia turístico da empresa.
Lamento! Nossa preocupação é contratarmos pessoas qualificadas.Passado
um ano, Marcinho arrumou alguns colegas, os quais foram o centro dos elogios
dele por dois meses.Janeiro
do ano posterior, Marcinho acorda cedo, como não era de costume, e foi em busca
de um emprego na mesma cidade. Às 10 horas, madruga para Macinho.Entrou
em um escritório para uma entrevista agendada desde agosto do ano anterior.Tratava-se
também de um contrato de4 anos.Senhor
Márcio, o senhor é integrante em qual dos partidos? És da coligação, oposição
ou indiferente? Perguntou o entrevistador. Marcinho fica pensativo, a fim de
compreender a pergunta e então responde:–
Sou da situação! Fiz campanha ainda que com
certa dificuldades, ficando algumas vezes horas distribuindo panfletos sobre o palanque.–
Mas fez campanhas assiduamente para adquirir
conhecidos votantes?–
Sim senhor. Na verdade fiz campanha para o
bairro inteiro.–
Domina algum outro curral eleitoral?–
Claro senhor.–
É conhecedor da História e da cultura do Brasil
e da cidade?–
Só sei o que aprendi na escola, quando garoto.O
entrevistador aperta a sua mão e lhe diz: Senhor Marcio felizmente o senhor tem
o perfil desejável para a função de Secretário Municipal. É seu momento! Nossa
preocupação é contratarmos pessoas coalizadas.* Em quase todo o município brasileiro tem um “Marcinho”.Ciências Sem Fronteiras: breves considerações acerca do boicote às Ciências Humanas
O Programa Ciências Sem
Fronteiras foi criado pelo Governo Federal com a finalidade de levar estudantes
brasileiros à países estrangeiros para que pudessem ter acessos à conhecimentos
que fomentam a inovação, ciência e tecnologia. Entretanto, a área de Ciências Humanas
não foi contemplada pelo programa. A quem interessa isso? Este texto se propõe
a fazer uma breve análise sobre este fato.Em primeiro lugar há de se convir
sobre a relevância oportuna que tem o programa. A mobilidade de estudantes de
graduação, mestrado e doutorado em vários países detentores de tecnologia de
ponta, o que pode proporcionar ao Brasil a inserção no ciclo científico
internacional e também contribuir para o intercâmbio de tecnologias. Tudo isso
a um investimento relativamente baixo. Por isso, o programa não deve ser
descredibilizado, porém a forma como o qual tem sido encaminhado pode
beneficiar um segmento do desenvolvimento científico em detrimento de outro.OCiência Sem Fronteiras contemplou
apenas algumas áreas, sobretudo as de ciências naturais e engenharias. Daí surge
a pergunta: Por que não inserir também as áreas de Ciências Humanas? Na
ocasião, várias associações e grupos que representam o segmento de humanas
ingressaram com pedidos judiciais para que esta área fosse inserida. Até onde
tenho conhecimento todas solicitações judiciais foram negadas.É fato que no Brasil o número de
profissionais dasCiências Humanas é maior do que das demais áreas. Entretanto,
o que está em questão não é a quantidade de profissionais e sim a qualidade
decorrenteda ampliação destas ciências por meio de intercâmbio internacional.Outro argumento que tenta
justificar o boicote às Ciências Humanas está na falácia: “São áreas
estratégicas para o desenvolvimento do país”. Ora, a Sociologia e Educação, por
exemplo, são áreas que nada tem a contribuir com este desenvolvimento?Acredito
que quem faz tal afirmação não sabe a diferença entre desenvolvimento e
crescimento econômico. Com isso, fica a impressão que o tecnicismo a serviço do
lucro está acima de qualquer Projeto de Nação.No período da Segunda Guerra Mundial,
a CIA encomendou da antropóloga americana Ruth Benedict um relatório sobre a
cultura japonesa. O resultado da sua pesquisa junto a imigrantes japoneses
residentes nos EUA deu origem à obra “O Crisântemo e a espada: os padrões da
cultura japonesa.” Nesse determinado contexto da história, as Ciências Humanas,
em especial a Antropologia, serviu como ferramenta daquele país para um projeto
de nação a serviço da guerra. A serviço da paz e do bem-estar social ela não
serviria?Não é privilégio dos
profissionais das Ciências Humanas o exercício da criticidade, as demais áreas
também dispõe de profissionais extremamente competentes nisso; porém há de se
convir que as Ciências Humanas são eminentemente críticas em relação à aspectos
sociais e políticos. É de interesse dos políticos profissionais, que ora temos,
qualificar profissionais que poderão questionar suas ações no governo? Eis uma
de muitas questões que poderíamos levantar.Já repararam que as propagandas que se dizem “sem fronteiras” deixam tanto a desejar?