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Texto para reflexão

Estes textos oferecem uma visão diferenciada e interessante sobre vários acontecimentos cuja análise pode ser feita por meio da sociologia.

A reflexão é um importante instrumento intelectual para fazer com que o indivíduo consiga perceber a relação entre as estruturas sociais e as biografias individuais.

Na Sociologia sempre esteve presente a discussão entre indivíduo e sociedade (agencia vs. estrutura), chegando ao ponto de estudiosos mais radicais, principalmente nas primeiras décadas do século XX, ignorar os estudos que tinham seu foco no
indivíduo. Simmel, por exemplo, foi um sociólogo renegado por anos por esse motivo.  Bauman e May nos ajudam a entender em quais condições o indivíduo é objeto da Sociologia. Para esses autores “atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência .

Desse modo os textos para reflexão ensejam uma análise de como nós nos relacionamos com nossa estrutura e proporcionam um contraponto discurso do discurso dominante.

  • Sou professor e não quero me tornar obsoleto!

    Sou professor e não quero me tornar obsoleto!

    Por Roniel Sampaio Silva

    cibercultura1
    Este texto tem como objetivo discutir uma
    proposta, afastando-se um pouco de uma abordagem sociológica, destacando aspectos
    relacionam a profissão docente e as condições de prestação de serviço de banda
    larga no país.

    Mesmo com todos os avanços na área de
    telecomunicações, a insatisfação relativa aos serviços de banda larga no Brasil
    tem se ampliado a cada dia. Mesmo com a abertura do mercado, a criação de agências
    reguladoras, a proposta de criação da InternetBrás e as promessas de
    barateamento do serviço, ainda não alavancamos o setor, que tem suas condições
    ainda mais agravadas em muitas partes da nação, sobretudo na Região Norte.

    Paralelo a isso, em situação igualmente crítica,
    ou pior, encontra-se o professor brasileiro, principalmente aquele cujo patrão
    é o Estado. A situação docente é, como todos sabem, caótica: baixos salários, falta
    de estruturas, carência de estímulos para aperfeiçoamento acadêmico e didático,
    a quase inexistência de pesquisa, alunos desmotivados e indisciplináveis,etc.
    Como se não bastasse, o professor, que deveria
    ser o profissional mais “antenado”, quase sempre não tem acesso, por
    deficiência do setor de comunicações e por falta de condições financeiras
    adequadas, a Internet, muito menos a uma Banda Larga de qualidade.

    Pensando nestes dois cenários – das
    telecomunicações e o da docência – quero propor que se coloque a categoria dos
    docentes no grupo de prioridade para o acesso ao serviço de internet. Tal prioridade
    dar-se pelo fato de o país ainda não ter competência para expandir o serviço de
    banda larga em boa parte do território nacional, em especial a região norte. Cabe
    destacar que além dessa região, em muitos lugares o serviço ainda é de péssima
    qualidade.

    Antes de nos tornamos obsoletos, se já não o
    somos, façamos algumas reflexões.

    A quem interessa uma restrição do serviço de
    internet? Seria esta estagnação decorrente de um medo desta ferramenta se
    popularizar e comprometer os grandes meios de comunicação uma vez que na web há
    possibilidade das informações serem refutadas no momento da sua transmissão? O
    acesso a internet interessa as grandes editoras, as quais são constantemente
    apontadas como integrantes de esquemas políticos? Tais questões nos leva a
    compreender porque em pleno século XXI os professores e as escolas vivem, de
    certa forma, a margem do mundo digital.

    O professor é criticado por não acompanhar as
    grandes mudanças proporcionadas pela tecnologia da informação, sendo apontado
    como um profissional que caminha para a condição de obsoleto. Nessa crítica, o
    professor, ver-se indefeso por não ter condições de acompanhar as mudanças e as
    informações do mundo. Passou da hora do Estado criar e implantar uma política
    eficaz de incentivo ao professor à ter acesso à informações por meio de auxílio
    financeiro para compra de livros, revistas, internet e TV por assinatura. Porque
    ainda não o fizeram? Será que estão esperando que a internet deixe de ser um
    instrumento político e politizador, para se resumir a um nicho de temas fúteis,
    tais quais outros meios de comunicação em massa?

    Prioridade à informações aos professores, por
    favor! Mas antes que todos nós, professores, nos tornamos ainda mais obsoletos
    frente a um mundo que não passa pela escola ou pela nossa casa.

    O cicerespaço, interconexão com os computadores do planeta, tende a tornar-se a proncpal ingraestrutura de produção, transação e gerenciamentos econômicos[…]Será o mediador essencial da inteligência coletiva da humanidade. Qualquer política de educação terá que levar isso em conta.
    (Levy, 1999:169)

  • Funções e democracia – Espaços institucionais e patrimonialismo

    Funções e democracia – Espaços institucionais e patrimonialismo

    Abaixo uma reflexão realizada por Alexandro Souza. Trata-se de um texto pensado para a realidade do município de Piúma/ES, porém ao ler nota-se que é a realidade de maioria de nossos municípios brasileiros.

     

    Por Alexandro Souza*

     

    Funções e democracia – Espaços institucionais e patrimonialismo** 

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    A questão dos alcances e limites dos espaços institucionais sempre se apresenta como uma interessante questão para analisarmos o funcionamento da coisa pública. Infelizmente, como é de costume em todas as esferas da administração pública brasileira, o que vemos é um festival de absurdos a subverter o interesse público em prol do interesse de uma minoria.
    O funcionamento da máquina pública deveria pautar-se pelo equilíbrio e respeito entre os seus diversos ramos. O funcionamento eficiente do sistema só pode ser alcançado mediante a execução escrupulosa das tarefas das várias peças que o compõe, sem interferência de critérios extra-burocráticos.
    Infelizmente, como todos sabemos, isto é raridade nas prefeituras espalhadas pelo Brasil. Ao invés de critérios eminentemente técnicos, impera o famoso “jeitinho”, a amizade com fulano, aquele laço de parentesco distante com sicrano. Novamente caímos naquele entendimento tosco da res publica como cosa nostra, onde grupinhos próximos ao poder acabam por subverter e privatizar, em benefício próprio, aquilo que deveria ser de uso comum.
    Com não poderia deixar de ser, a prática se faz presente nos limites piumenses [Piúma, cidade do litoral sul do ES]. Por aqui impera a ideia de que manter amizade com elementos da administração pública pode trazer facilidades. Não basta ir à autarquia responsável por um serviço; estas, aliás, possuem o seu espaço institucional diminuído pela prática de se recorrer a fulano vereador ou sicrano secretário, ou àquela tia-da-prima-do-cunhado-da-sobrinha de algum pistolão da cena política. Respeitar a execução burocrática ou o princípio de igualdade é balela. Só os tolos perdem tempo com isto. O negócio é ligar para o vereador para que este consiga aquele carrinho para Cachoeiro [Cidade do sul do estado do ES] ou aquela consulta em Vitória [capital do ES].
    E quem não possui esta proximidade com o poder? Bom, este que se dane. O espaço burocrático converte-se numa espécia de limbo administrativo, cheio de exigências e postergações. Cheio de remarcações ou impossibilidades na execução de seu trabalho; trabalho para o qual, aliás, todos contribuem.

    Uma rede macabra

    A informática possui um termo sobre o (mau) uso da rede mundial de computadores que pode nos servir como exemplo neste caso: botnet. O termo designa uma rede de computadores comprometida, utilizada para fins alheios e/ou ignorados pelo dono do computador. Ou seja, um grupo de usuários comuns, através de alguma ferramenta de invasão, tem suas máquinas controladas por um operador externo que as utiliza para a obtenção de ações pouco nobres e ignoradas pelo usuário comum, verdadeiro dono da rede. Neste caso, temos uma máquina “sequestrada” e utilizada para outros fins que não aqueles desejados por seu dono, uma máquina-zumbi.
    Ora, a administração da res publica como cosa nostra em nada difere desta prática. Assim como uma botnet envolve a sequestra a máquina para fins alheios à vontade de seu dono, uma tal rede macabra acaba por se apoderar das engrenagens da máquina pública, fazendo com que elas trabalhem, não para o interesse público, mas para o interesse particular de alguns. O resultado é uma estrutura pública orientada por princípios clientelistas, onde não mais impera a igualdade de acesso, mas o critério de proximidade com o poder. A esta rede a reflexão política tem chamado de patrimonialismo – o bem público gerido como patrimônio do príncipe. Ou, para utilizar termos modernos, o bem público gerido como patrimônio do mandatário da vez.

    A indústria de dificuldades para vender facilidades

    Estamos acostumados, infelizmente, a ver os políticos extrapolando seus limites institucionais de ação. Aferrados a práticas clientelistas e/ou assistencialistas que garantem a eternização no poder, acabam por fazer uso de um artefato curioso: a indústria de dificuldades para vender facilidades. E o que exatamente quer dizer isso? Quer dizer que o pseudo-exercício do poder acaba por gerar distorções que não se justificam ante a racionalidade do próprio sistema. Quer dizer que muitas das dificuldades das quais o político alega ter o poder de resolver simplesmente seriam diluídas com o ordenamento racional da máquina pública. De forma que a questão, por exemplo, do transporte da saúde não deve ser resolvida com um apelo a fulano ou sicrano, mas com uma cobrança à secretaria de saúde para que os procedimentos de uso sejam apresentados de forma transparente, que possam ser facilmente consultados pela população (através de murais, sites ou blogs). A exposição de seu funcionamento tende a salientar os seus critérios puramente burocráticos, bem como a mostrar que o intermediário que se coloca como o “salvador” é, na verdade, o que atravanca o funcionamento (mais ou menos) suave da coisa. Ou seja: a dificuldade em si não existe, mas é gerada por uma interferência alheia ao sistema, tal qual o cracker que faz uso de uma botnet para realizar seus interesses escusos.

    Superação

    O único caminho possível de superação desta usurpação do bem público por interesses particulares encontra-se na transparência dos atos públicos e no acompanhamento das atividades de nossos representantes. No que diz respeito à transparência, avançamos bastante com a Lei 12.527/2011 – a chamada Lei da Transparência –, que versa sobre a publicização das contas em todos os níveis da administração pública. No entanto, a aplicação desta lei encontra-se irremediavelmente atrelada ao segundo ponto: o do acompanhamento (e cobrança) das atividades de nossos representantes. Como é costume no Brasil, algumas leis “pegam” e outras não, e eu espero sinceramente que este não seja o caso da Lei da Transparência. Cabe a nós, cidadãos, cobrar e zelar por sua correta aplicação, pois somente desta forma conseguiremos superar o caráter mafioso da administração pública no Brasil.
    De nossa parte, cabe entender e agir segundo o princípio da igualdade de todos perante a lei. Se queremos uma sociedade justa, devemos agir justamente. Se nos indignamos ante os escândalos de corrupção nos altos escalões do governo, temos que evitar a má ação corriqueira que acaba por justificar todo um descalabro. Devemos exigir o funcionamento puramente burocrático (e lutar por sua eficiência e alcance) da res publica, abandonando a ideia de que existem atalhos que nos fazem alcançar nossos objetivos de modo mais rápido.
    * Filósofo/UFJF, mestre e doutorando em Ciência da Religião/UFJF.
    ** Texto originalmente publicado no blog pessoal do autor, disponível em: https://piuma.es/index.php/piuma/funcoes-e-democracia-ii-espacos-institucionais-e-patrimonialismo.html
  • Você já conversou com sua consciência hoje?

    Você já conversou com sua consciência hoje?

    consciencia pesada mesmo quando nao errei1

    Por Roniel Sampaio Silva
    É muito comum as pessoas comentarem: “ouça a voz da sua
    consciência”; “peso na consciência”; “consciência tranqüila” e etc. Vamos
    pensar sociologicamente sobre estas questões numa perspectiva do sociólogo
    Émile Durkheim?


    Consciência é uma qualidade psíquica, isto é, que pertence à esfera da psique humana, sendo um atributo do pensamento humano. A consciência está relacionada diretamente com a percepção do indivíduo em pertencer o mundo, de compreender seu lugar nele.
    A palavra consciência vem do latim conscientĭa (com conhecimento). Analisando o vocábulo podemos
    aferir que consciência é estar dotado de percepção, de conhecimento, de estar no mundo. Nota-se que ter consciência está relacionado a sua externalidade. Quando usamos a expressão “colocar a mão na consciência” estamos nos referindo ao ato de olhar para si mesmo e identificar seu papel ou ações do mundo social que está inserido. Nota-se assim, nesse sentido, que a consciência tem um parâmetro para seu julgamento: o mundo social. Será a partir do mundo social marcado por regras, normas e leis que “colocamos a mão na nossa consciência” e, quase sempre, agimos conforme elas. 

    Partindo disto, Émile Durkheim desenvolveu o conceito de
    consciência coletiva . Para o autor o que faz a sociedade ser um “todo social harmônico”
    é a consciência coletiva, coagindo os indivíduos a agirem de determinada
    maneira e não d’outra, embora dando “espaço” para o indivíduo fazer suas próprias escolhas e
    constituindo sua individualidade a partir de uma consciência maior e externa.

    Neste sentido, quando você ouve uma voz dizendo “acho melhor
    não fazer isso…” Não se preocupe você não está ficando maluco, é apenas uma
    manifestação da consciência coletiva. Agora se você não costuma ouvir esta voz
    acho melhor colocar a mão na consciência para procurá-la.

    E você, tinha consciência da sua consciência coletiva? Você
    já se deu a oportunidade de conversar com ela hoje?
                    
  • Quando amadores governam… Tragédia e amadorismo no Brasil*

    Quando amadores governam… Tragédia e amadorismo no Brasil*

    Por Cristiano Bodart
    charge
    Fico perplexo ao deparar com o amadorismo que abarrota a (de)gestão
    pública. Seria o Brasil o país do amadorismo?
    Li ontem, no portal G1, uma matéria jornalística que, mais uma vez, me
    deixou perplexo. A matéria inicia-se da seguinte forma:

    Após a tragédia que
    matou mais de 230 pessoas em 
    Santa Maria,
    no Rio Grande do Sul, várias cidades do país estão intensificando a
    fiscalização nas casas noturnas
    ”.

    A redação da matéria é suficiente para identificarmos questões
    absurdas, porém, normais e corriqueiras no “país do amadorismo”.
    Nota-se que

    após a
    tragédia
    ” tem-se inicio uma preocupação com a fiscalização. Nesse sentido,
    fiscalização deixou de ter seu sentido original de prevenção para passar a
    atuar como juiz: ação punitiva. É como se nas cabecinhas dos nossos
    (des)gestores estivesse tal pensamento: temos que punir os empresários culpados
    de tragédias como essa. Tal pensamento sugere que tais empresários constroem
    suas casas de show do dia para a noite e que importa, agora em funcionamento,
    serem fiscalizadas. Aff, é de o queixo cair sobre o dedão do pé.

    Outro ponto, ou melhor, aberração a ser destacada é que “várias cidades do país estão intensificando
    a fiscalização nas casas noturnas”.
    Tal afirmativa induz o leitor a
    acreditar que trata-se de um número significante de cidades, o que não é
    verdade. Nota-se ainda que o foco são apenas as casas noturnas, como se as
    irregularidades fossem centradas apenas ali. Será que precisamos ter novas (que
    parecem já serem velhas) tragédias para que outras áreas de perigo possam
    receber fiscalização, ainda em suas construção? Seria necessário, no “país do
    amadorismo”, ocorrer tragédias em escolas, templos religiosos, circos, parques,
    rodoviárias, restaurantes, bancos, entre outros lugares de grande público para
    que haja fiscalização nesses locais?
    É de nos deixar perplexo com tanto amadorismo que abarrota a (de)gestão
    pública (sem entrar aqui no mérito dos subornos tão comuns em casos de
    fiscalização).
    Dizem que o Brasil é o país do futuro. Há nisso um fundo de verdade: por
    essas bandas precaução não existe, preferimos o futuro… primeiro tragédia
    depois, só depois, fiscalização… o pior que o depois está ainda em um futuro
    distante. Por ora algumas poucas cidades passaram fazer uma fiscalização
    meia-boca. Por isso que ao invés de “país do futuro”, prefiro o adjetivo
    “amador”.
    * Esse texto não tem pretensões teóricas sociológicas. Trata-se apenas de uma reflexão/desabafo entorno do amadorismo impregnado na gestão pública.
  • E se o dinheiro não existisse?

    E se o dinheiro não existisse?

    Por  Bruna Caveion*

    emailEstava eu em, um dia normal, fazendo o que a maioria dos
    adolescentes fazem – atualizando o Facebook
    – quando me deparei com o blog “Café com Sociologia”, o qual tem um cantinho
    para leitores como nós escrevermos sobre “coisas”.

      Nesse momento lembrei, então, que acabei de sair do
    terceiro ano do Ensino Médio já com a escolha feita sobre o meu curso de
    graduação, embora não fui sempre assim, decidida.
    Os adolescentes da minha idade e nessa situação geralmente
    procuram testes vocacionais sobre “o que cursar”. Normalmente, não escolhemos
    uma profissão mas

    sim o salário dela. É esse o dilema que estudantes muito
    jovens enfrentam na escolha da profissão “do resto de suas vidas”. Pergunto-lhes
    então: o que realmente gostamos de fazer? E se gostamos, não é isso mesmo que
    deveríamos fazer independentemente de dinheiro? E se o dinheiro não existisse é
    isso que faríamos para sermos felizes? Por esse motivo minha escolha foi fazer
    matemática. Muitos me perguntam “por que essa escolha, se vai ganhar pouco?”. Sempre
    respondo a mesma coisa: “prefiro fazer o que gosto, fazer a diferença e ser
    feliz, do que ganhar dinheiro e ser escrava do sistema capitalista”.
     Se o dinheiro realmente não existisse, viveríamos em
    uma sociedade melhor (para muitos utópica), onde todos se preocupariam com
    conhecimento e não com dinheiro e bens materiais. Como diz o artigo “Quanto vale o que você lê?” de Marcela
    Tanaka: “Não faz sentido o ser humano gastar mais dinheiro pra ficar mais estúpido”. As pessoas não deveriam se preocupar com coisas fúteis ao vez de
    coisas importantes, aprofundando a ignorância da população e ganhando rios de
    dinheiro em cima disso.
     Por esse motivo, as pessoas deveriam fazer o que
    gostam, independente de dinheiro, pois a partir do momento em que fizemos o que
    realmente é nossa paixão, nos destacaremos nessa área e nos tornamos mestres,
    ganhando o tão esperando dinheiro que move o mundo.
     E você, já parou para pensar como seria o mundo se o
    dinheiro não existisse?
    * Bruna Caveion acaba de concluir o Ensino Médio e sonha em fazer Matemática.

  • Quanto vale o que você lê?

    Quanto vale o que você lê?

    Por Marcela Tanaka*
    revista veja
    Não é engraçado uma revista que vende fofoca, alienação e distribui preconceito gratuito custar, a assinatura por 2 anos, R$823,50 (somente impressa), enquanto que uma outra que vende conhecimento, de fato, e a realidade posta a vistas custar R$142,20 por 3 anos?
    Ok, argumentem, a Veja sai toda semana, então tá, um cálculo rápido diz que, supondo 2 anos possuírem 100 semanas, então, cada exemplar custa R$8,95. Enquanto a Sociologia, cada exemplar custa R$7,90. E chega desses papos numéricos.
    É incrível como o desprezo pelas ciências humanas é em demasia, e digo isso porque a lei de mercado da oferta e da procura diz que a Veja só é mais cara porque é mais procurada. Não faz sentido isso! Não faz sentido o ser humano gastar mais dinheiro pra ficar mais estúpido, menos inteligente, em palavras mais populares, você
    paga para emburrecer. Não faz sentido!
    Aliás, minto, faz todo sentido, Foucault já dizia que saber é poder, e vamos combinar, a burguesia não quer que você tenha poder, portanto, não quer que você saiba. É por isso que ela te enfia goela abaixo esse tipo de lixo que você vê nas bancas, nos outdoors, na televisão. E claro, lucra em cima de você.
    É escandalizantemente óbvio que ninguém vai estimular a compra de uma revista que tem, exatamente, a fórmula contrária a ser vendida pela mídia, contrária a todos os preceitos que regem esse mundo descoordenado em que vivemos e, principalmente, que possui a fórmula para entender todos os problemas em que passamos – fome, desigualdade, preconceito, opressão, machismo, violência, etc. – rever nossos conceitos de modo de vida american way of life , pior de tudo, nos faz questionar a cerca de tudo isso, levantar questionamentos que VEJAmos, não faz bem fazer. 
    É uma revista que faz barulho, incomoda, cutuca quem há muito tenta calar aqueles poucos que fazem de tudo para ter o mínimo de atenção, é aquela que te deixa incomodado, que te faz perceber o quão acomodado com o mundo você está. Aí reside o perigo, ninguém quer que você se dê conta disso, porque vai que você decide questionar demais, sublevar-se demais…
    VEJAmos, ninguém quer subverter essa ordem tão lucrativa não é mesmo?
    As fontes:

    Marcela Tanaka* é aluna de graduação em Ciências Sociais/UNICAMP e mantém o blog “Crítica Nossa de Cada Dia”, onde originalmente foi publicado o presente texto.

  • A sociologia do apocalipse: uma sociologia para entender o fim

    A sociologia do apocalipse: uma sociologia para entender o fim

    A sociologia do apocalipse parece ser um termo espantoso, porém é essa definição que faço para um conjunto de teorias sociológicas que abordam uma eventual e possível destruição da humanidade. O assunto da ordem do dia foi o desaparecimento total da humanidade e a destruição do planeta. E o que a sociologia tem a dizer sobre o fim do mundo?

    Embora o mundo não tenha acabado como muitos professaram está cada vez mais recorrente a ideia do fim da existência humana. Se pararmos pra pensar sociologicamente sobre isso, poderemos apresentar um outro olhar sobre o tema.

    sociologia do apocalipse

    Preliminarmente, devemos analisar a frequência desta profecia a qual tem se remontado cada vez mais aos anos recentes, sobretudo à última década. É fato que muitas religiões e culturas falam no mundo, da humanidade e até dos deuses. A exemplo disto, na cultura cristã este período é conhecido como Apocalipse; na mitologia nórdica como Ragnarok; Quiyamat para o islã. Muitas destas crenças falam em sinais do fim dos tempos. É possível que haja alguma relação entre estes “sinais” a uma série de mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais. Tais mudanças dão mais força a tese e isso pode está dando uma comoção generalizada e global em razão das mudanças sociais também serem globais.

    Nos anos 2000 tal burburinho relacionado ao fim do mundo tem ganhado mais força: 2000, 2002, 2006, 2008 e 2011 e por fim 2012. Pensando sociologicamente sobre o caso, podemos suspeitar que alguma coisa tem sido reforçada nos anos 2000 para que esta crença se fortalecesse. Confesso que não sei precisar exatamente qual ou quais causas tem reforçado mas podemos recorrer a algumas pistas.

    Particularmente, a ideia de fim do mundo pelo que eu chamo de “sociologia do apocalipse” remontada aos episódios recentes pode está associada à simbologia da mudança de ciclo, ingresso no novo milênio e etc. Além disso, há interesses financeiros e sensacionalistas chancelados pela mídia e pelo que chamo de “indústria do risco” a qual tira proveito da sensação de insegurança das pessoas para beneficiar-se financeiramente. Ou ainda a explicação para o fim do mundo pode está associada à insatisfação das pessoas as desigualdades, guerras e catástrofes atuais, bem como uma série de problemas de ordem social.

    Recorrendo a ajuda do sociólogo britânico Antony Giddens, através da sua obra “Consequências da modernidade” podemos analisar o fenômeno do fim do mundo como fenômeno social em razão de haver um padrão na expectativa em relação ao fato, caracterizando assim um comportamento social. Sobretudo o autor procurar fazer uma análise do período em que vivemos com base na ideia de desencaixe. A final o que seria desencaixe e que qual sua relação com o fim do mundo?

     

    Para Giddens a modernidade proporcionou um momento em que a “tradição genuína” foi sendo gradativamente suplantada por uma “tradição inventada”, isso fez com que a percepção sobre risco, confiança e segurança fossem alterados em razão do “desemcontro” ou, como ele mesmo chama de “desemcaixe” de novas e velhas instituições sociais.

     

    Exemplificando isso, este choque de tradições pode ser ilustrado na crença de que o casamento gay seria um indicador do juízo final. Outro exemplo que remonta a insegurança em relação às novas e velhas instituições está no fato de no mundo atual podemos a qualquer momento sermos extintos por uma guerra nuclear global; as alterações climáticas continuam a causar grandes catástrofes ou ainda, podemos ser aniquilados por uma pandemia global, embora não pareça, analisando cuidadosamente podemos perceber que todos estes aspectos tem alguma relação com o social.

    Portanto, a sociologia de Antony Giddens pode nos auxiliar a compreender que a ideia que temos de fim do mundo pode ser associado ao ele chama de “desencaixe”, provocado pelo surgimento da modernidade. Noutras palavras, velhas e novas instituições sociais criam novos padrões sociais que muitas vezes são contraditórios. Todo este cenário reforça a crença que do ponto de vista social um mundo contraditório é um mundo em destruição.

    A sociologia do apocalipse está cada dia mais necessária com os recorrentes ensaios do fim da nossa espécie.

  • O entendimento que faz diferença: Eis ai, professores e pais o que precisam ensinar aos seus filhos!

    O entendimento que faz diferença: Eis ai, professores e pais o que precisam ensinar aos seus filhos!

    Foucault

    O sujeito deve aprender a refletir a maneira pela
    qual deve constituir a si mesmo “enquanto sujeito moral de suas próprias
    ações”,  já dizia o grande filósofo francês Michael
    Foucault. 

    joaquim barbosa2
    Família pobre e descendentes de escravos, nasceu em Paracatu, noroeste de Minas Gerais. Teve que compartilhar o pouco que tinha com sete irmãos mais novos. O pai pedreiro e, posteriormente, dono de uma pequena olaria. Forçado pela condição social, aos 10 anos já tinha que se fazer adulto carregando lenha. Estudava em uma escolinha pública. Certa ocasião teve que parar de estudar porque a diretora baixou uma norma cobrando mensalidade, o que era impossível para a sua família. Apenas um ano depois pode voltar a estudar.
    >
    Sua mãe, semianalfabeta, era dona de casa. Pouco podia fazer para ajudar nas  despesas da família. Complicando ainda mais sua condição socioeconômica, ainda criança, seu pai abandonou a família e os filhos. Aos 16 anos teve que ir sozinho, empurrado pela pobreza, para uma cidade grande. Foi para Brasília ser mais um negro a lavar banheiros.
    >
    Se somos frutos de nossas experiências sociais, qual caminho tomou esse garoto negro, pobre e só, em um centro urbano? Se envolveu com criminalidade? Tornou-se dependente químico? Esse garoto, frente a desestrutura familiar e à vida um tanto dura, foi pressionado a um posicionamento no mundo. Sua mãe havia plantado no interior dele o desejo de transformar sua própria realidade social. Optou por estudar e ter uma realidade socioeconômica diferente. Dividia o tempo entre os bancos escolares e a faxina no TRE do Distrito Federal. Terminou o Ensino Médio, passando a ser o arrimo da família. Posteriormente arrumou um emprego em uma gráfica. A renda aumentou, mas ainda era pouca para ele e a família lá em Minas. Devido a necessidade da família foi trabalhar também no Jornal de Brasília acumulando dois empregos em uma jornada de 12 horas/dia. Mais tarde, trocou os dois por um. Passou a trabalhar na Gráfica do Senado das 23h às 6h da manhã. Terminado o experiente do trabalho ia direto para Universidade de Brasília, cursar direito. O único aluno negro da turma tinha que se esquivar do sono, da intolerância e da discriminação. Algumas vezes foi retirado da sala por cochilar.
    >
    Terminou o bacharelado em Direito na Universidade de Brasília, onde, em seguida, cursou o mestrado. Esse negro de família pobre, tornou-se Oficial de Chancelaria do Ministério das Relações Exteriores, embaixador do Brasil em Helsinki e Finlândia e depois procurador da República. Fez ainda, na França, onde conheceu as obras do filósofo Michel Foucault, mestrado e doutorado em Direito Público, pela Universidade de Paris-II. Tornou-se professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Lecionou na Universidade Columbia, em Nova York, e na Universidade da Califórnia. Hoje presidente do Supremo Tribunal Federal.
    >
    Foucault tinha razão! As estruturas sociais pressionam e incomodam as pessoas, geralmente determinando suas condições psicossociais. Ao pressionar os indivíduos, a sociedade tende a conduzi-los a enxergar o mundo de uma dada forma e, consequentemente, a agir de uma determinada maneira. É ai que o indivíduo deve ser o sujeito moral de suas próprias ações. As experiências de vida moldam, em certa medida, nossas condutas. Crianças que vivem em ambientes sociais degradantes tendem a reproduzir isso quando adulto. Vivendo, por exemplo, em um lar violento, há uma forte tendência de que constitua um lar igualmente violento. Filhos de dependentes químicos têm pré-disposição a serem dependentes (não só por fatores genéticos).
    >
    Geralmente as condições sociais ruins provoca nos jovens um estado de revolta. Alguns canalizam essa revolta sobre a sociedade, culpando-a de seus males. Assim viram contraventores das regras sociais, tornam-se “rebeldes”, caem no mundo das drogas e da violência urbana… Por outro lado, outros revolta-se contra o seu estado, e não contra a sociedade; entendendo que a aquela sua condição não é natural e, portanto, passível de ser transformada; assim, busca incluir-se de melhor forma no mundo, dedicando-se, por exemplo, aos estudos e a carreira profissional.
    >
    Isso que nosso jovens precisam entender! Não é revoltando-se contra o mundo e contra as regras sociais que mudarão suas condições sociais, pelo contrário! É isso que os professores e pais precisam esclarecer aos seus alunos e filhos vitimados por suas condições sociais!
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    Certamente Joaquim Barbosa é grato a sua mãe e a seus educadores que, ainda em tenra idade,  o ajudaram a compreender isso e a mudar o rumo de sua história… muito antes de ler Michel Foucault.Texto publicado originalmente na coluna do Jornal Correio Regional, 13 de Dez. 2012. p. 4.

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  • Albert Einstein socialista?

    Albert Einstein socialista?

    Einstein Socialista? Segue texto escrito por Albert Einstein no primeiro número da revista marxista estadunidense Monthly Review, em 1949.

     Por Einstein 

    Por que Socialismo?

    Einstein socialista
    É aconselhável que alguém que não é um especialista em assuntos econômicos e sociais expresse suas opiniões acerca do tema do socialismo? Creio, por uma quantidade de razões, que sim.
    Consideramos primeiramente a questão desde o ponto de vista do conhecimento científico. Poderia parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas de ambos os campos tentam descobrir leis de aceitabilidade geral para um grupo circunscrito de fenômenos com o objetivo de fazer a interconexão destes fenômenos tão claro quanto for possível. Mas na realidade tais diferenças existem.

    O descobrimento de leis gerais em economia se complica pela circunstância de que os fenômenos econômicos observados são freqüentemente influenciados por muitos fatores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência que se acumulou desde o princípio do chamado período civilizado da história humana tem sido — como é sabido — grandemente influenciada e limitada por causas cuja natureza não são de nenhum modo exclusivamente econômicas. Por exemplo, a maior parte dos Estados na história devem sua existência à conquista. Os povos conquistadores se estabeleceram, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Atribuíram-se o monopólio da posse da terra e designaram para o sacerdócio alguém de suas fileiras. Os sacerdotes, com o controle da educação, fizeram da divisão de classes da sociedade uma instituição permanente e criaram um sistema de valores mediante o qual dali em diante o povo foi, em grande medida inconscientemente, guiado em sua conduta social.
    Mas a tradição histórica é, por assim dizer, de ontem; em nenhuma parte temos realmente superado o que Thorstein Veblen chamou de “a fase depredadora” do desenvolvimento humano. Os feitos econômicos observáveis pertencem a esta fase e suas leis não são aplicáveis a outras fases. [Primeiro] Dado que o propósito real do socialismo é superar e avançar além da fase depredadora do desenvolvimento humano, a ciência econômica em seu estado atual não pode deixar muita luz sobre a sociedade socialista do futuro.
    Segundo, o socialismo está dirigido para um fim social-ético. A ciência, sem embargo, não pode criar fins nem, ao menos, induzí-los nos seres humanos. Mas os fins em si mesmos são concebidos por personalidades com elevados ideais éticos — estes propósitos não são rígidos senão vitais e vigorosos — são adotados e levados adiante por aqueles muitos seres humanos que — quase inconscientemente — determinam a lenta evolução da sociedade.
    Por estas razões, deveríamos estar atentos a não sobrestimar a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos, e não deveríamos assumir que os especialistas são os únicos que têm direito e expressar-se sobre as questões da organização da sociedade.
    Inumeráveis vozes têm afirmado desde já algum tempo que a sociedade humana está passando por uma crise, que sua estabilidade está gravemente prejudicada. É característico desta situação que alguns indivíduos se sintam indiferentes, ou integrados, ou hostis ao grupo que pertencem, seja ele grande ou pequeno. Para ilustrar este ponto, deixem-me registrar aqui uma experiência pessoal. Recentemente discuti com um homem inteligente e bem disposto a ameaça de outra guerra, a que em minha opinião colocaria seriamente em perigo a existência da humanidade, e comentei que somente uma organização supranacional poderia proteger-nos daquele perigo. Depois, o homem, calmamente e friamente, me disse: “Por que você se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”
    Estou seguro que apenas um século atrás ninguém teria afirmado tão levianamente algo semelhante. É a declaração de um homem que se esforçou em vão para alcançar um equilíbrio interior e basicamente perdeu a esperança de alcançá-lo. É a expressão de uma solidão e isolamento de que muita gente sofre hoje em dia. Qual é a causa? Tem uma saída?
    É fácil fazer estas perguntas, mas é difícil respondê-las com alguma segurança. Devo tratar, contudo, da melhor maneira que se pode, mesmo eu sendo consciente da ação de nossos sentimentos e esforços que podem ser contraditórios e obscuros e que não podem ser expressados em fórmulas fáceis e simples.
    O homem é, ao mesmo tempo, um ser solitário e um ser social. Como ser solitário, busca proteger sua própria existência e aqueles que são mais próximos, para satisfazer seus desejos pessoais e desenvolver suas habilidades inatas. Como ser social, busca conquistar o reconhecimento e o afeto de seus semelhantes para compartilhar o seu prazer, confortá-los com sua solidariedade e melhorar suas condições de vida. Só a existência destes esforços, freqüentemente em conflito, podem dar conta do caráter especial do homem, e sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode alcançar o equilíbrio interior e contribuir para o bem estar da sociedade. É bem possível que a força relativa destes dois impulsos diversos esteja, basicamente, fixada pela herança. Mas a personalidade que finalmente emerge está em grande medida formada pelo entorno em que o homem se encontra durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição desta sociedade, e por sua valoração de diversos tipos de condutas. O conceito abstrato “sociedade” significa para o indivíduo a soma de suas relações, diretas e indiretas, desde os seus contemporâneos até as gerações anteriores. O individuo é capaz de pensar, sentir, atuar, e trabalhar por si mesmo, mas sua dependência da sociedade é tanta — em sua existência emocional e intelectual — que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora do marco da sociedade. É a “sociedade” quem lhe proporciona comida, roupas, ferramentas de trabalho, linguagem, as formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; sua vida se faz possível graças ao trabalho e às conquistas dos muitos milhões, contemporâneos e antepassados, que estão escondidos detrás da pequena palavra “sociedade”.
    É evidente então que a dependência do indivíduo pela sociedade é um feito natural que não pode ser abolido — exatamente como no caso das formigas e das abelhas. Sem dúvida, enquanto todas as ações das formigas e das abelhas estão fixadas até o menor detalhe por instintos rígidos e hereditários, os capatazes sociais e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e suscetíveis à mudança. A memória, a capacidade de realizar novas combinações, o dom da comunicação oral têm feito possíveis desenvolvimentos nos seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos se manifestam nas tradições, nas instituições e nas organizações; na literatura; nos avanços científicos e nos engenhos; nas obras de arte. Isto explica como ocorre que, em certo sentido, o homem possa influir sobre sua vida através de sua própria conduta e que neste processo o pensamento e os desejos conscientes são muito importantes.
    Para Einstein, o homem adquire ao nascer, por meio de herança, uma continuação biológica que é fixa e inalterável, que inclui os impulsos naturais que são característicos da espécie humana. Ademais, adquire durante sua vida uma constituição cultural que adota da sociedade por meio da comunicação e através de muitas outras formas. É esta constituição cultural que, com o passar do tempo, está sujeita às mudanças e que determina em grande medida a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna nos ensinou, usando o estudo das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode apresentar grandes diferenças, dependendo dos padrões culturais prevalecentes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que podem fundar suas esperanças aqueles que se esforçam em melhorar as condições dos homens: os seres humanos não estão condenados, por sua constituição biológica, a aniquilarem-se uns aos outros, ou à mercê de um destino cruel e de castigos.
    Se nos perguntamos como deveriam ser transformadas a estrutura da sociedade e a atitude do homem para fazer a vida tão satisfatória como possível, deveríamos estar conscientes de que somos incapazes de modificar certas condições. Como foi mencionado antes, a natureza biológica do homem não está, a todos efeitos práticos, sujeita à mudanças. Ademais, as condições criadas pelos desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos chegaram para ficar. Nos locais com população relativamente densa, com os produtos que são necessários para sua existência, uma profunda divisão do trabalho e um aparato altamente centralizado são absolutamente necessários. Os tempos – que em perspectivas parecem tão idílicos – em que homens ou grupos pequenos podiam ser completamente auto-suficientes se foram para sempre. É apenas um leve exagero dizer que a humanidade já constitui uma comunidade planetária de produção e consumo.
    Segundo Albert Einstein, e alcançado agora o ponto aonde posso indicar brevemente o que para mim constitui a essência da crise de nosso tempo. Está relacionado com o individuo e sua relação com a sociedade. O indivíduo está mais consciente do que nunca de sua dependência da sociedade. Mas não sente esta dependência como um traço positivo, como um laço orgânico, como uma força protetora, mas uma ameaça a seus direitos naturais, ou a sua existência econômica. Por outro lado, sua posição na sociedade é tal que os impulsos egocêntricos de sua constituição são constantemente acentuados, enquanto que seus impulsos sociais, naturalmente mais débeis, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, em qualquer posição da sociedade, sofrem este deterioramento progressivo. Involuntários prisioneiros de seu próprio egocentrismo se sentem inseguros e privados do mais inocente e simples desfrute da vida. O homem só pode encontrar o sentido da vida, curta e perigosa como é, consagrando a sociedade.
    A bagunça a econômica da sociedade capitalista de hoje em dia é, em minha opinião, a verdadeira fonte dos males. Vemos diante de nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros se esforçam incessantemente em privar o outro dos frutos de seu trabalho coletivo — não pela força mas cumprindo inteiramente as regras legalmente estabelecidas. A este respeito é importante dar-se conta de que os meios de produção — isto é: toda a capacidade produtiva necessária para produzir bens de consumo assim como bens de capital adicionais — podem ser — e em sua maioria o são efetivamente — a propriedade privada de alguns indivíduos.
    Para simplificar, na discussão que se segue chamarei “trabalhadores” os que participam na propriedade dos meios de produção, apesar de isto não corresponder ao uso corrente do termo. Usando os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que transformam-se em propriedade do capitalista. O ponto essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que lhe pagam, ambos medidos em termos de valor real. Em quanto o contrato do trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe está determinado não pelo valor real dos bens que produz mas por suas necessidades mais básicas e pela necessidade de força de trabalho por parte dos capitalistas em relação ao número de trabalhadores competindo por empregos. É importante entender que nem sequer na teoria o salário do trabalhador é determinado pelo valor do que produz.
    O físico Einstein acreditava que o capital privado tende a se concentrar em poucas mãos, em parte devido à competência entre os capitalistas, e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho alentam a formação de unidades maiores de produção em detrimento das menores. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia do capital privado cujo enorme poder não pode ser controlado efetivamente nem sequer por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é assim porque os membros dos corpos legislativos são selecionados pelos partidos políticos, em grande medida financiados ou de alguma maneira influenciados por capitalistas privados que, por todos efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A conseqüência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses dos grupos não privilegiados da população. Por outra parte, nas condições atuais os capitalistas privados controlam, direta ou indiretamente, as principais fontes de informação (imprensa escrita, rádio, educação). É então extremamente difícil, e por certo impossível na maioria dos casos, que cada cidadão possa chegar às conclusões objetivas e fazer uso inteligente de seus direitos políticos.
    A situação prevalecente em uma sociedade baseada na propriedade privada do capital está então caracterizada por dois princípios mestres: primeiro, os meios de produção são propriedade de indivíduos, e estes dispõem deles como melhor lhes parecer; segundo, o contrato de trabalho é livre. Supostamente, não existe sociedade capitalista pura, neste sentido. Em particular, deve-se assinalar que os trabalhadores, por meio de grandes e amargas lutas políticas, tem conseguido uma forma um tanto melhorada do “livre contrato de trabalho” para certas categorias de trabalhadores. Mas, tomada como um todo, a economia atual não difere muito do capitalismo “puro”.
    Esta mutilação dos indivíduos é o que considero o pior mal do capitalismo. Nosso sistema educativo como um todo sofre este mal. Uma atitude exageradamente competitiva se inculca no estudante, que é treinado para adorar o êxito da aquisição como uma preparação para sua futura carreira.
    Estou convencido de que há somente uma forma de eliminar estes graves malefícios: através do estabelecimento de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educacional que seja orientado para fins sociais. Em tal economia, os meios de produção são propriedade da própria sociedade e utilizados de maneira planejada. Uma economia planejada, que ajuste a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho entre todos aptos a trabalhar e garantiria os meios de vida de todos, homem, mulher e criança. A educação do indivíduo, além de promover suas próprias habilidades inatas, intentaria desenvolver em um sentido de responsabilidade por seu próximo, em lugar da glorificação do poder e do êxito em nossa sociedade atual.
    Sem embargo, é preciso recordar que uma economia planificada não é todavia o socialismo. Uma economia planificada como tal pode ser acompanhada pela completa escravização do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sócio-políticos extremamente difíceis: “como é possível, considerando a muito abarcadora centralização do poder, conseguir que a burocracia não seja todo poderosa e arrogante? Como podem proteger os direitos do indivíduo e mediante ele assegurar um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”
    Ter claras as metas e problemas do socialismo é de grande importância nesta época de transição. Dado que, nas circunstâncias atuais, a discussão livre e sem travas destes problemas são um grande tabu, considero a fundação desta revista um importante serviço público.
    O texto em inglês pode ser acessado em: https://monthlyreview.org/2009/05/01/why-socialism
  • Cadê a mosca? Por uma sociedade mais politizada!

    Cadê a mosca? Por uma sociedade mais politizada!

     

    Por Cristiano Bodart

    O país viveu cerca de 20 anos de repressão militar. Pessoas foram presas, expulsas do país, torturadas e muitas foram assassinadas ao buscar liberdade de expressão e democracia. Para esses, a democracia era algo que valia a pena.

    Em 1973, Chico Buarque, o segundo cantor mais odiado pelos militares, depois de Geraldo Vandré, em alusão a oração de Jesus Cristo”, utilizou-se do duplo sentido da palavra “cálice” ou “cale-se”, para colocar-se em risco de ser duramente reprimido; tudo para clamar pelo afastamento da ditadura… em prol da democracia. Raul Seixas, em 1973, através de sua metáfora, onde o povo era a mosca e a ditadura a sopa, apontava que o povo sempre iria incomodar o regime e que nunca poderia ser eliminado, pois sempre existiriam aqueles que se levantariam contra um regime opressor.

     

    Nos anos de ditadura a educação era de acesso restrito. Eram poucos os que tinham condições intelectuais para questionar conscientemente o regime ou o governo. Nas cidades pequenas, como em Piúma (minha cidade natal), a vida continuava como se tudo estivesse “nos conformes”. Poucos sabiam o que era Ditadura Militar. Nem mesmos os prefeitos dessas cidades entendiam muito bem o que estava acontecendo.

    O regime militar acabou… o Chico viu a “banda” passar. A morte, a dor, a solidão dos que lutaram pela democracia parece não ter sido em vão. Em 1985, o Brasil começa a ter nova configuração. A nova Constituição, promulgada em 1988, em um show de democracia, abre novos horizontes… liberdade de expressão, educação básica universalizada, criação de espaços mais participativos… Em 2001, após criado o Estatuto das Cidades, as prefeituras passam a convidar os cidadãos a participarem daquilo que antes estavam privados. A população passou a ampliar seus anos de estudos.

    Passado o regime militar, fica o questionamento: cadê a mosca que se referia Raul Seixas? Cadê o cidadão desejoso de uma vida em sociedade cada vez melhor? Cadê o brasileiro crítico? Calou-se? Beberemos o cálice de vinho tinto de sangue calados?

    Em meio a indiferença surge um questionamento: será que a sopa está sendo dividida de forma justa à todos? Basta olhar ao redor… precisamos ser moscas. Cadê a mosca? Raul, cadê a mosca? Será que não tem mais mosca? Está na hora de cada um de nós dizermos em alto e bom tom: “Eu sou a mosca que pousou em sua sopa!”