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Texto para reflexão

Estes textos oferecem uma visão diferenciada e interessante sobre vários acontecimentos cuja análise pode ser feita por meio da sociologia.

A reflexão é um importante instrumento intelectual para fazer com que o indivíduo consiga perceber a relação entre as estruturas sociais e as biografias individuais.

Na Sociologia sempre esteve presente a discussão entre indivíduo e sociedade (agencia vs. estrutura), chegando ao ponto de estudiosos mais radicais, principalmente nas primeiras décadas do século XX, ignorar os estudos que tinham seu foco no
indivíduo. Simmel, por exemplo, foi um sociólogo renegado por anos por esse motivo.  Bauman e May nos ajudam a entender em quais condições o indivíduo é objeto da Sociologia. Para esses autores “atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência .

Desse modo os textos para reflexão ensejam uma análise de como nós nos relacionamos com nossa estrutura e proporcionam um contraponto discurso do discurso dominante.

  • Para entender o momento histórico: Golpe de 1964 e o ensaio de golpe de 2016

    Para entender o momento histórico: Golpe de 1964 e o ensaio de golpe de 2016

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    O que a história do Brasil nos ensina sobre o segundo
    mandato Dilma?
    Por Roniel Sampaio Silva

    O atual momento histórico remonta ao ano de 1961. Naquele momento Brizola e outros encamparam a Campanha da Legalidade, um movimento civil e político o qual tinha por finalidade garantir a governabilidade do presidente Jango, mesmo não sendo seu aliado político. Contrariando a
    Constituição, a imprensa, setores políticos, os EUA e setores empresariais fomentaram um clima de instabilidade social e política desrespeitando a Constituição, buscando impedir a posse e limitar os poderes do presidente eleito. Jango assumia a Presidência em razão da renúncia de Jânio Quadros (1961). O clima de instabilidade política culminou no Golpe Militar. A História se repetirá como tragédia em 2016?

    Em 2016 a História parece se repetir como farsa. A mesma instabilidade social e política é criada para que o Legislativo aprove retrocessos. A  grande mídia tem centrado fogo em um grupo político e incitando o judiciário e a Polícia Federal a atacar um grupo político e poupar outros. Cunha, Aécio e Calheiros estão sendo poupados flagrantemente, mesmo havendo provas contra eles. A obstinação em centrar fogo em um único grupo político é tamanha que a Constituição está sendo desrespeitada: Grampos ilegais, falsificação de documentos, atropelamento de competência e abuso de poder. Vale a pena abrir mão da ordem constitucional para tirar um partido do poder?

    Não é possível concluir, até o momento, que Lula cometeu crime. Essa é a conclusão do próprio Juiz Sérgio Moro quem até o momento diz não haver nenhuma prova contra o ex-presidente. É importante nos atentarmos que não dá pra afirmar se alguém é culpado ou inocente até que se encerre as investigações.

    A estratégia da operação Lava-Jato é concentrar a investigação em um partido político e, em especial, em dois nomes. O Partido: PT. Os nomes: Lula e Dilma. Os objetivos parece cada vez mais claro: não é combater a corrupção e sim aos dois. Se assim não fosse, todos seriam indiciados conforme a força das provas contra eles. Aécio, Cunha e Calheiros possivelmente já estariam presos.  Os objetivos de centrar fogo em dois nomes é bem claro: 1- cassar Dilma e 2- evitar a eleição de Lula.  É difícil negar que há um seletividade orientada por um interesse político partidário. Como consequência disso, temos um executivo atônito que
    aprova os retrocessos numa tentativa de sobreviver, nada mais consegue fazer além de preservar sua própria manutenção em uma corda bamba, seriamente ameaçada, como em 1961.
    Não importa quem vença, se oposição ou situação. O que não podemos perder é a ordem constitucional. Não vale a pena abrir mão da Constituição para tirar um ou outro partido do poder, principalmente quando essa transgressão é encabeçada por setores como FIESP e setores midiáticos os quais foram os mesmos que encabeçaram a quebra da ordem constitucional em 1961.

    Não quero retrocessos. ‪#‎Campanhalegalidade2016

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  • Para para de uma vez com essa história que o Brasil era melhor ontem!

    Para para de uma vez com essa história que o Brasil era melhor ontem!

    O futuro do Brasil não está em repetir seu passado!
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    De como a História faz falta e… a frase “O povo quer voltar a sonhar!”
    Por Cristiano das Neves Bodart
    Não se trata de defender quem hoje está no Governo. Se trata de denunciar a ignorância instalada na sociedade desde às caravelas. Ignorância essa que, como dizia Umberto Eco, tornou-se mais perceptível pelo fato das redes sociais tornar-se microfones de qualquer um, idiota ou não.
    “O povo quer voltar a sonhar!” Se por sonhar entendemos o ato de não viver a realidade, a frase carrega uma grande verdade. Conhecer ofusca a visão, já dizia Platão por meio de sua alegoria conhecida como “mito da caverna”. Nos tempos idos, mas não remotos, a percepção da corrupção era praticamente inexistente, pois o coronelismo, e depois a ditadura militar, impediam o seu desvelamento. O povo vivia um sonho, uma realidade fictícia construída por interesses de grupos. Porém, tínhamos uma sociedade ainda mais desigual e marcada pela precariedade socioeconômica, com IDH assustador. O desenvolvimento industrial foi excludente e o “bolo” repartido com alguns poucos, em “festas de bacanas”. A grande maioria hão havia sido convidado, como protestava Cazuza. Querer não ver é parte da posição do maior cego. Não desejo “voltar” a sonhar. Desejo ver um país real, onde o Ministério Público denuncia, a Polícia Federal e a justiça condena corruptos, sobretudo grandes empresários que se beneficiavam de forma indevida de grandes obras e prestações de serviço. Não quero fechar os meus olhos. Eu não quero voltar a sonhar!
    Gritam: “O povo quer voltar a sonhar!” Se por sonhar entendemos uma vida melhor, a frase está equivocada. Voltar a quando? Quando tivemos um país melhor? Quando éramos um Império marcado pela escravidão? Quando éramos um país ditado pela lógica do coronelismo e do patrimonialismo? Quando vivíamos debaixo da Ditadura civil e a Militar? Seria nos anos de 1980, conhecida como década perdida? Ou quando nos anos de 1990, momento que estávamos mergulhado em uma inflação que massacrava os mais pobres? Voltar para quando? Para os anos 2000, marcados pelo desemprego e as constantes reportagens de pessoas que morriam de fome no Nordeste e no Norte brasileiro? Se sonhar significa “vida melhor”, não entendo o emprego do verbo “voltar” utilizado na frase. Acha mesmo que já estivemos em melhores condições enquanto nação? Dê uma fuçada nos dados estatísticos referentes ao índice de Gine e ao ao IDH, por exemplo (pena que esses existem a poucas décadas, o que impede uma comparação de longa duração). Busque dá uma espiada nos dados referentes ao analfabetismo, aos números de matrículas da escola básica e no ensino superior. Busque o número de projetos sociais praticados pelos governos para atender quem mais precisa. Alguns irão dizer que antes a escola era melhor, o que é verdade. Pena que gente como eu, não tinha lugar nela… não era para o povo. Quando antes tivemos mais direitos garantidos? Quando antes tivemos mais participação social na gestão pública? Quando antes havia mais transparência das contas públicas? Quando antes era mais fácil identificar atos de corrupção? Quando antes se discutia questões de igualdade? Quando antes tivemos mais gente escrevendo e lendo (ainda que apenas nas redes sociais)? Quando? Voltar para quando?
    No sentido de desejar o melhor, a frase mais sensata, seria “O POVO MERECE SONHAR!” Ou “O POVO QUER SONHAR AINDA MAIS”. Não dá para dizer que o ontem era melhor do que o hoje. Isso é desconhecer nossa história… e não se trata de dizer que partido A ou B deva assumir ou permanecer no poder. Isso é outra longa história.
    Outra possibilidade de frase correta seria a exclusão da palavra “povo” e inclusão da palavra “elite”. Acredito que essa alteração é mais fácil de ser feita, uma vez que historicamente acostumou-se excluir o povo em detrimento da centralidade da elite.
    Eu quero sonhar mais! Está bom como está? Certamente não; mas sejamos honestos e consciente e vamos exigir mais e não menos. “Avançar” é somar, “voltar” é subtrair. Com o velho teremos o que já bem conhecemos. Se não conhecemos, tomemos nesta hora os livros de História do Brasil.
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  • Dez dicas de como abordar temas sociais sem passar vergonha na Internet

    Dez dicas de como abordar temas sociais sem passar vergonha na Internet

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    Dez dicas de como abordar temas sociais sem passar vergonha na Internet
    Por Roniel Sampaio Silva
    Você é daqueles que gosta de conversar sobre sociedade, política e debate com as pessoas na internet sobre estes temas? Saiba que é possível qualificar-se para embasar cientificamente sua opinião a fim de torná-la mais racional, pontual e impactante nos debates.

     

    Lembre-se que todo mundo tem opinião, desde de as pessoas mais  cultas às menos esclarecidas. As pessoas menos esclarecidas costumam achar que possuem opinião genuína, porém, quase sempre, apenas propagam opiniões de terceiros com mais frequência e intensidade.  Neste post irei explicar como aproximar-se de ter uma opinião genuína e qualificada.
    Pessoas diferenciadas conseguem se valer da sua sabedoria para selecionar, processar e refinar opiniões, informações  a partir de alguns passos básicos os quais listo abaixo:
    1- Esteja aberto a mudar de opinião. Se você aprende com o debate, você é o vencedor. Se você apenas quer “mostrar que é melhor”, você já perdeu.
    2- Analise os fenômenos a partir de situações gerais e evite situações particulares. “Mas eu conheço um cara da minha rua que foge a essa regra”. Casos gerais ajudam a compreender o problema de forma ampla e relacioná-los a outras questões sociais.
    3- Leia atentamente cada afirmação e procure organizar argumentos e contra-argumentos. Numerar argumentos é a melhor saída porque: 1- Torna os argumentos mais didáticos; 2- Ajuda a organizar e validar as ideias. Problemas de leitura e interpretação de textos apenas acentuam os conflitos e tornam o debate pobre. A maior parte dos conflitos longos de internet são oriundos da problemas de leitura e interpretação de texto.
    4- Aprenda com o debate. Busque mais fontes, preferencialmente livros e periódicos cujo rigor metodológico costuma ser maior que páginas de internet.
    5- Valide seus argumentos obrigatoriamente de forma empírica. Cada argumento pode ser validado com a realidade por meio de resultados de pesquisa amplamente disponíveis em revistas acadêmicas, livros e pesquisadores. Cite suas fontes.
    6- Analise a fonte. Suspeite de todas as suas fontes de informação. Quem são estas fontes? Quais os interesses dela? Por que divulgam essas informações? Como eles irão se beneficiar com essas informações. Cuidado apenas para não ficar paranoico conspiracionista. Lembre-se que uma teoria conspiracionista não tem comprovação.
    7- Verifique o contexto da afirmação. Cabe ressaltar que fenômenos têm contextos diferentes e um argumento que explica um contexto não necessariamente explica outro. Uma medida implantada num país estrangeiro não necessariamente pode ser exitosa no Brasil. A cultura, a política e o contexto temporal e espacial podem dar um outro rumo à ação, desdobrando resultados diferentes.
    8- Não relacione situações irresponsavelmente. Evite relacionar fenômenos sociais como causa ou consequência do outro apenas para satisfazer seu argumento. Evite também dar explicação depois de ocorrido o fato, a famosa falácia ad hoc. Relacionar um fenômeno a outro após ocorrido apenas para tentar justificar o argumento.
    9 – Domine a ideia que você está defendendo. Tenha domínio (quase) pleno do  que defende, consequências, dificuldades. Vislumbre como a medida vai afetar as pessoas e a sociedade de forma geral.
    10- “Evite conflitos desnecessários“, já dizia Sun Tzu. Se o seu adversário não se vale dessas regras aqui listadas, você apenas perderá seu tempo.Na ocasião, mande este link para ele para que o debate possa subir de patamar.
    Como citar esse texto:
    SILVA, Roniel Sampaio. Dez dicas de como abordar temas sociais sem passar vergonha na Internet. Blog Café com Sociologia. com. Disponível em:linkdapostagemaqui. Acesso em: dia mês ano.
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  • Smartphones: Herói ou Vilão?

    Smartphones: Herói ou Vilão?

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    Smartphones: Herói ou Vilão?

     

    Por Aline Jessica M.de Queiróz Roque*

     

    Sabemos que hoje em dia existe um companheiro que toma um espaço de tempo imensurável em nossas vidas, o chamado smartphone. Ele é inseparável, indissociável e, muitas vezes, responsável por ser aliado ou substituto dos antigos relacionamentos convencionais. Os smartphones tornaram-se, há pouco tempo atrás, uma novidade para as pessoas, trazendo consigo a antiga função de telefone atrelado à outras funções, como câmeras e acesso a internet.
    Ao reportarmos historicamente quanto aos recursos criados para sociabilidades veremos a chegada do aparelho telefônico que, em primeira instancia, sua função era apenas de transações comerciais no “mundo dos negócios”. Porém, a facilidade desse tipo de comunicação prosperou levando o telefone para dentro das casas: “Neste âmbito, passou a ser usado para fins de sociabilidade e manutenção de relacionamentos interpessoais.” (NICOLACI-DA-COSTA, 2005 p.53).
    Há aproximadamente uma década a rede mundial que interliga computadores passou tanto a ser um meio importante de relações de trabalho quanto de relações sociais informais. O abandono gradativo do telefone fixo e a ampliação do uso de celulares notamos a união de ferramentas de comunicação com a de entretenimento. Isso, e outros fatores, fizeram com que seu uso passasse de eventual para constante.
    A comunicação por meio de signos verbais e não verbais sempre foi um recuso utilizado pelo ser humano em suas comunicações. O falar face a face remete uma interação entre locutor e interlocutor, entretanto, mesmo este “ritual” ainda existindo, os aparelhos celulares, tablet´s e smartphones tornaram um meio de comunicação virtual que viabilizam os relacionamentos interpessoais mesmo a distancia. Entretanto surge a questão: e quando estes tipos de relacionamentos se tornam tão vigentes que, muitas vezes, substituem os antigos rituais conversacionais de comunicação?
    A internet conectada aos computadores, smartphones e tablet’s vem promovendo a substituição, de certo modo, dos relacionamentos mais próximos, que exigiam uma maior interação face a face, pelos relacionamentos online. Se formos levar esta crítica ao nível mais profundo, diria, de acordo com o pensamento de Zygmunt Bauman (2004, p. 14), que os novos relacionamentos se tornaram mais frios e “descartáveis”, portanto de maneira mais simples de serem ignorados e desfeitos.
    Em um artigo publicado em 2005, Ana Maria Nicolaci-da-Costa, pesquisadora do departamento de Psicologia da PUC do Rio de Janeiro, trava uma discussão com os temas apontados por Zygmunt Bauman. Lá a pesquisadora critica a tese do sociólogo afirmando que sua ideia em relação aos relacionamentos virtuais são radicais e não necessitam ser levados em âmbitos gerais. De certa forma, Bauman exagera em alguns argumentos. De acordo com ela, ele enfatizou de uma forma apocalíptica o fato dos relacionamentos virtuais serem padrões para os não virtuais.
    Levando por sua lógica, Nicolaci-da-Costa (2005) não deixa de ter razão. Pois a internet, como ela surgiu, dentre outras funções, substitui os relacionamentos via telefone, isto é “inaugurou uma era em que contatos interpessoais podiam ser travados virtualmente” (p.53). Isso evidencia, em sua ideia, que a internet apenas auxilia pessoas distantes a se conhecerem e relacionarem.
    Com evidencia nos celulares, a pesquisadora também defende a antítese ao pensamento de Bauman mostrando que os celulares é apenas uma forma modernizada do antigo aparelho telefônico e a junção da internet+celular se configura num suporte moderno de manutenção dos relacionamentos. Sendo assim, conclui seu pensamento desmistificando a visão catastrófica do sociólogo, afirmando que os relacionamentos virtuais antes de tudo, começaram fora de tal ambiente: “uma mensagem é uma confirmação de pertencimento a um grupo […] o que levava à solidificação e intensificação de seus relacionamentos.” (idem).
    Este breve texto expôs divergentes opiniões de autores renomados, entretanto, a visão dos aparelhos smartphones e tablet´s serem vilões ou não, podem ir muito além destas considerações. Como toda tecnologia criada pela inteligência humana, estes aparelhos surgiram de necessidades variadas e com intenção de alcance global. Como futura socióloga e pesquisadora, vejo grande importância em medir o comportamento dos indivíduos em âmbito coletivo, pois é através disso que percebemos o devir de uma nova sociedade e as necessidades de intervenções positivas para a manutenção de nossa sobrevivência. Os diagnósticos sociais são importantes para medirmos o que a sociedade em que nós vivemos precisa para se desenvolver positivamente.
    A existência do smartphone como suporte de trabalho e relacionamentos pode ser de grande ajuda no decorrer dos processos sociais. Entretanto, o que cabe a cada possuidor é sua sobriedade. Todos nós precisamos interagir comunicar ou dialogar e a distancia não é mais um empecilho, porém o “aqui agora” (BENJAMIN,1955, p. 15); isto é, o que pode ser um momento único das interações sociais vale apena ser preservado, afinal um gesto, um olhar também expressa tão bem, ou mais do que uma simples frase escrita pode dizer.
    Referências
    BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 2004.
    BENJAMIN, W. A Obra de arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica (Org. e Prefácio –Márcio Seligmann-Silva), Tradução: Gabriel Valladão Silva, 1ª Edição, Porto Alegre, RS: L&PM, 201
    Nicolaci-da-Costa, A.M. “Sociabilidade virtual: separando o joio do trigo” In Revista Psicologia & Sociedade; 17 (2): 50-57; mai/ago.2005. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/psoc/v17n2/27044.pdf. Acesso em Janeiro de 2016.
    * Acadêmica do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Rondônia
     
     

    Como citar esse texto:
    QUEIRÓZ, Aline Jessica M.de. Smartphones: Herói ou Vilão? Blog Café com Sociologia. 2016. Dipsonível em: linkaqui. Acesso em: dia mês ano.

     

  • “Explicar” é diferente de “Justificar”

    “Explicar” é diferente de “Justificar”

     Diferença entre explicar e justificar

    Por Roniel Sampaio Silva

    Há uma série de equívocos relacionados às análises de intelectuais. Quando um modelo explicativo teórico é popularizado, há um risco da informação ser recepcionada de maneira diferente da pretendida, causando uma série de problemas de natureza compreensiva. Irei comentar brevemente a mais recorrente delas: Diferença entre explicar e justificar.

    Quantas vezes ouvimos a população proferir o jargão que intelectuais defendem bandido ou ainda que estes tentam justificar ações ilícitas? Este problema é recorrente e comum porque boa parte da população – por desinformação ou má fé – distorcem as análises de intelectuais a fim de descredibilizá-los moralmente. A principal confusão está conceito de explicar e o de justificar.

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    O papel do sociólogo é o de explicar os fenômenos sociais e não julgá-los com base em suas convicções morais, e isso é praticamente um consenso entre esses intelectuais. Para Émile Durkheim, por exemplo, o sociólogo deve tratar os fatos sociais como “coisas”, de modo a distanciar-se do seu objeto. Já Weber aponta que o papel do sociólogo é construir modelos explicativos por meio de tipos ideais para compreender a realidade social, suas preferências morais devem aparecer como motivadores da escolha do tema, porém deve ser controlados pelos instrumentos metodológicos a fim de preservar a validade científica da análise.

    Portanto, a título de exemplo, quando um sociólogo atribui a relação entre desigualdade social  e violência, não é de intenção da sociologia isentar a responsabilidade de um praticante de um ato ilícito. A intenção é avaliar a relação entre os fenômenos sociais e descrever como tais fenômenos influenciam determinada população a comportar-se predominantemente “desta” ou “daquela” maneira. De forma alguma isso faz com que um criminoso tenha suas ações relevadas.

    Referências:
    ÉMILE, DURKHEIM. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2004.
    DOMINGUES, Ivan. Epistemologia das ciências humanas–Tomo 1: Positivismo e Hermenêutica–Durkheim e Weber. São Paulo: Loyola, v. 1, 2004.

     

    Como citar esse texto:
     SILVA, Roniel Sampaio. Explicar é diferente de justificar. Blog Café com Sociologia. 2015. Disponível em: <linkaqui>;. Acessado em: dia mês ano.
  • Avaliação psicológica: uma etiqueta?

    Avaliação psicológica: uma etiqueta?

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    Avaliação psicológica: uma etiqueta?
    Por Felipe dos Santos Souza*
    Se há quem ainda acredite que as avaliações psicológicas são instituídas nos cursos de Psicologia como uma disciplina meramente curricular ou uma prática neutra e isenta de ideologias, simplesmente não conhecem de fato, o quão poderosos são os laudos (PATTO, 1997). As questões que sempre estiveram em jogo ainda são as mesmas: há quais relações políticas, culturais, educacionais, econômicas, sexuais, judiciárias, linguísticas e ambientais a avaliação psicológica sustenta em seus resultados, uma vez carimbados e assinados por psicólogos? Quem avalia suas avaliações? Há uma maneira eficaz de identificar fatores subjetivos em testes? E como pensar em um profissional que também está submerso ao conjunto de transformações sociais cotidianas e que refletem diariamente em sua prática prescritiva?
    A proposta de escrever um texto que responda a essas questões não é tão fundamental, visto que gritar essas indagações em meio ao cenário acadêmico é que se mostra urgentemente necessário agora. Lembrar que silêncio também é discurso e que omissão também é posição nos traz perspectivas problematizadoras de como nadar contra a correnteza que nos arrastam para a “era dos rótulos psicológicos”. Não temos boias ou coletes de salva-vidas, o que temos são laudos cada vez mais pesados nos afundando coletivamente. Um por um.
    A demanda social que trouxe ao campo da Psicologia os estudos em avaliações psicológicas muito contribuiu para perpetuar um estereótipo da figura do psicólogo enquanto cientista. Ou seja, o desenvolvimento de testes, instrumentos e ferramentas que objetivavam analisar os fenômenos do psiquismo humano permitiu com que diferenças culturais, cognitivas, sociais e educacionais fossem evidenciadas entre os sujeitos e legitimadas por uma ciência. Uma ciência ideológica.
    Percorrendo as temporalidades, os fenômenos psicológicos (mente? emoção? vontade? intenção?) parecem também ter ganhado outras manifestações corporais. A sociedade mudou. O sistema econômico acentuou as desigualdades sociais. As escolas são outras. A indústria farmacêutica cresceu e se alastrou pelo mundo e as políticas midiáticas comercializam corpos como meros produtos. Os instrumentos psicológicos de medição das subjetividades (leia-se também por quantificação subjetiva) hoje buscam exatamente não tanto compreender essas contingências, mas tão somente sustentá-las para que sua sobrevivência seja garantida. Vejamos o percurso histórico desse processo:

     

    Inventou-se toda uma tecnologia da subjetividade calcada na constituição de normas (FOUCAULT, 1984 [1975]), em que a disciplina psicológica tratava por diagnosticar, corrigir e adaptar; obviamente a partir dos imperativos do liberalismo econômico-político. E normatizar-normalizar trata-se nada mais do que codificar, fazer com que determinada conduta siga determinado código, um significante. (HUR, 2015, p. 232).
    Confunde-se assim, a manutenção da ordem pública com a manutenção da ordem psicológica. Qualquer espécie de conflito que vise repensar nossos papeis, nossas identidades e nossas responsabilidades enquanto protagonistas sociais representam diretamente um perigo para as relações de poder incrustadas, naturalizadas e cristalizadas na história que nos constitui. É justamente aí que etiquetar sujeitos tornou-se uma medida eficiente para uma prática classificatória de domesticação dos corpos, aspecto esse discutido por Foucault (1926-1984) em “A microfísica do poder” (1979).
    Nesse eito, o sistema etiquetador possui funcionários que trabalham ininterruptamente no sentido de manter o produto no “lugar certo” da prateleira. É importante que estejam visíveis ao público e aos discursos patológicos. Como não pensar nesse momento nas atuações psicológicas? Principalmente na atuação restrita ao psicólogo que é a avaliação psicológica? Somos também etiquetadores ou somos TODOS etiquetados? Essas reflexões devem atravessar não somente os cursos de Psicologia, mas os corpos desses estudantes.
    O contexto do corpo também é muito importante. Perceber esse sujeito em todas as suas dimensões existenciais permite com que nossas avaliações perspectivem problematizar estruturas políticas que se erguem sobre nós. As instituições sociais são construídas não só materialmente, mas através de ideologias que as sustentam discursivamente e autorizam suas dominações sobre os nossos corpos. Não existe neutralidade. Não existem ausências de crenças e muito menos imparcialidades em discursos. Os instrumentos psicológicos também são instrumentos de poder e é extremamente importante que saibamos os nossos objetivos enquanto profissionais (e humanos) que podem tanto contribuir com uma vida, como também destruí-la. Sejamos responsáveis por ambas.

     

    Bibliografia

     

    HUR, Domenico Uhng. Corpocapital: códigos, axiomática e corpos dissidentes. Revista Lugar Comum n.º 45 – 2015.2. Disponível em: https://uninomade.net/wpcontent/files_mf/145097712500Corpocapital;%20c%C3%B3digos,%20axiom%C3%A1tica%20e%20corpos%20dissidentes%20-%20Domenico%20Uhng%20Hur.pdf. Acesso em 1 de Janeiro de 2016.
    PATTO, M.H.S. Para uma crítica da razão psicométrica. Psicol. USP. vol. 8 n. 1 São Paulo 1997.
    PRIMI, R. Avaliação psicológica no Brasil: fundamentos, situação atual e direções para o futuro. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 2010, vol.26, pp. 25-35.
    * Estudante de Psicologia da UFMT. E-mail: [email protected]

     

     

    Como citar esse texto:

     

     SOUZA, Felipe dos Santos. Avaliação psicológica: uma etiqueta? Blog Café com Sociologia. 2015. Disponível em: <linkaqui>. Acessado em: dia mês ano.

     

  • Ao entrar no face, não esqueça de se despir da razão… seja um homem cordial à lá Holanda.

    Ao entrar no face, não esqueça de se despir da razão… seja um homem cordial à lá Holanda.

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    Ao entrar no face, não esqueça de se despir da razão… seja cordial à lá Holanda

    Por Cristiano das Neves Bodart
    É muito fácil encontrar no Facebook comentários elogiosos que facilmente se percebe que são apenas cordialidades, onde se vê mais emotividade do que razão, mais “coração” do que “cérebro”.Sérgio Buarque de Holanda já dizia em 1936 que o brasileiro faz um “tipo cordial”. Esse apontamento se deu por meio da observação da relações cotidianas e de análise da história colonial brasileira. Holanda usou a expressão cordial em seu sentido etimológico (palavra que vem de “coração”) para explicar a oposição entre emoção e razão. Para ele o brasileiro prefere, em suas ralações sociais, se apegar a esse sentimento do que à razão. O conceito abarca, ao contrário do que parece, aspectos negativos à vida civilizada e para uma sociedade que busca ampliar a democracia. Dentre os aspectos da cordialidade à moda brasileira estaria a tendência de  evitar o conflito aberto…. fico a imaginar se Holanda tivesse conhecido o Facebook à brasileira.

    Esse aspecto de não conflitualidade é perceptível até na narração de nossa História. Temos, por exemplo, a Guerra de Canudos, que na verdade deveria ser conhecida como “o massacre de Canudos”, ou ainda, a Revolução de Trinta, que de revolução nada teve, se não mais um massacre de nossa História. Usamos comumente a
    expressão “general” ao invés de “ditador” para nos referi aos “presidentes militares”, e por ai vai…
    No Facebook o aspecto da cordialidade ligada a busca do não conflito é ainda mais sintomático. Adjetivos como “lindo”, “maravilhoso” e “perfeito” são usados “à torto e à direito” na busca de uma relação menos conflituosa. A racionalidade parece ser deixada de lado e as discussões praticamente inexistem.
    No Facebook, o coração passa a ser o guia das conversas… Ao entrar no face, não esqueça de se despir da razão… seja cordial à lá Holanda.











  • O Indivíduo racional e o (não)comprometimento com as questões ambiental

    O Indivíduo racional e o (não)comprometimento com as questões ambiental

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    O Indivíduo racional e o (não)comprometimento com as questões ambientais
    Por Cristiano das Neves Bodart

    Podemos iniciar essa temática com algumas indagações.

     

    1) Sendo o meio ambiente um bem coletivo (algo que não pode ser negado a ninguém, mesmo se não houver sua participação na busca deste bem – é indivisível), por que o indivíduo iria se mobilizar para buscar tal bem, no caso, a preservação ambiental?
    2) Um indivíduo racional não chegaria a conclusão de que se os outros não fizerem, nada adiantará ele fazer? Desta forma, não seria racional, embora não desejável, não fazer nada por aquele bem?
    3) Um indivíduo racional, não buscaria reduzir seus custos na obtenção de um bem coletivo, como o ar (que todos respiram), e pegando carona (deixando os outros fazerem) em tal benefício posteriormente gerado?

    Para essas questões iniciais poderíamos recorrer a diversos autores da Teoria dos Jogos, da Teoria da Ação Racional e da Teoria dos custos de transação. Fiquemos por hora com algumas contribuições que acho importante e, mesmo que de forma inacabada, apontam algumas questões interessantes.

    Na obra Lógica da Ação Coletiva, Mancur Olson (1999) buscou explicar o comportamento de indivíduos racionais que se associam para a obtenção de algum benefício coletivo. Para Olson (1999) o individualismo é a chave para a compreensão da ação social. Para ele o bem comum não seria suficiente para induzir a ação do indivíduo por isso seriam necessários incentivos seletivos, ou seja, uma espécie de benefícios apelas aos participantes na busca do bem coletivo, da mesma forma que seria necessário a coerção sobre os que se escusam. Existem circunstâncias onde o indivíduo do grupo sabendo que o benefício coletivo não lhe será negado, independentemente de sua participação ou não (por se tratar de um bem coletivo), tenderá a se escusar, a fim de ampliar seu bem estar, deixando que os demais paguem pelos custos de sua obtenção.

    A decisão de todo indivíduo racional sobre se irá ou não contribuir para a obtenção do benefício coletivo depende se os custos da ação forem inferiores aos benefícios alcançados.

    Já Wanderley (1999) aponta que é de fundamental importância considerar outros fatores propulsores da ação coletiva (Olson apenas cedeu um pequeno espaço para eles em nota de rodapé), como a solidariedade. Para este autor não se deve negar a relevância analítica dos aspectos de qualquer natureza que possam ser vistos como produtores de solidariedade.

    Os ideias traçadas por Olson e Wanderley colaboram para a busca das indagações iniciais deste texto. A necessidade de incentivar a participação dos indivíduos a agirem em prol da preservação/recuperação do meio ambiente por meio de incentivos coletivos, como é o caso do Governo do Espírito Santo que para proprietários rurais para preservarem as matas e as nascentes de sua propriedade é uma alternativa. Mas existem aqueles, como destacou Wanderley, que agem por solidariedade a causa. É aqui que a contribuição do habitus entra em cena.

    O conceito de Habitus retomado por Pierre Bourdieu e utilizado por Jessé Souza (2003) está ligado ao que Bourdieu chamou de “primado da razão prática”, “uma disposição incorporada, quase postural”. (BOURDIEU, P. Ibid, p. 61). Estar este conceito muito próximo do que entendemos por self. O habitus é compreendido pelas preferências, gostos, ideais, ações, etc, do indivíduo.

    Criar habitus no indivíduo relacionado a participação em causas sociais é algo muito difícil, pois o habitus, como destacou Souza, é resultado de um processo histórico. O indivíduo que possui habitus precários (conceito de Jessé Sozau) dificilmente consiguirá se enxergar como um agente ativo na sociedade. Esse sentimento passa pelo que Bourdieu denominou de Capital Cultural. O grau de capital cultural acumulado pelos indivíduos dependerá de diversos fatores, entre eles a educação familiar e escolar.

    Participar de questões relacionadas a proteção ambiental não se limita a conscientização. É necessário o envolvimento, a ação. Nesse sentido recorro à contribuição de Pobert D, Putnam (1996). Este autor apontou a importância do capital social para o desenvolvimento econômico de comunidades na Itália. Ao realizar tal apontamento acabou colaborando para a compreensão da necessidade de capital social nas ações sociais, especialmente aquelas relacionadas ao bem público. Para ele, o capital social (a confiança e cooperação social) é o que levará o indivíduo a agir em prol do coletivo. Vale resaltar que capital social é acumulativo, o que amplia a possibilidade de maiores engajamentos no futuro. Putnam também evidencia a necessidade de coerção sobre os não participantes, bem como incentivos seletivos para os indivíduos ativos na ação coletiva.

    Existindo capital social, o indivíduo racional participará ativamente por saber que todos participarão da causa e desta forma será beneficiado. Mesmo que ele seja individualista ele realizará esse raciocínio. Isso por saber que a ausência de confiança nele (capital social) – em meio a uma sociedade dotada de capital social – acaretará para sí consequencias indesejadas. O desenvolvimento de Capital Social passa necessáriamente pela mudança de hábitus dos indivíduos.

    Referências
    OLSON, Mancur. A Lógica da Ação Coletiva. Trad. Fabio Fernandez. São Paulo. Edusp, 1999. pp. 13-64.

    PUTNAM, Robert D. Comunidade e Democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro. Editora Getúlio Vargas. 1996.

    WANDERLEY, Fábio Reis. Política e racionalidade: problemas de teoria e método de uma sociologia crítica da política. 2ª ed. ver. atual. Belo Horizonte. Ed. UFMG, 2000.
    Como citar esse texto:
    BODART, Cristiano das Neves. O Indivíduo racional e o (não)comprometimento com as questões ambiental. Blog Café com Sociologia. 2015. Disponível em: . Acesso em: dia mês ano.
  • Discurso Gabriel García Márquez ao receber o Nobel de Literatura

    Discurso Gabriel García Márquez ao receber o Nobel de Literatura

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    Tradução feita por Gilberto G. Pereira.
    Antonio Pigafetta, navegador florentino que acompanhou Magalhães na primeira viagem em volta do mundo, escreveu, na ocasião de sua passagem pelas terras do sul de nossa América, um relato minuciosamente apurado, mas que na verdade parece mais um delírio fantasioso.

    Nessa viagem, ele diz que viu porcos com umbigos nas ancas, pássaros sem garras cujas fêmeas botavam os ovos nas costas de seus parceiros, e ainda outros, lembrando pelicanos deslinguados, com bicos feito colheres.
    Ele disse ter visto uma criatura desengonçada, com cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo e pernas de veado, que relinchava como cavalo. Descreveu como o primeiro nativo encontrado na Patagônia se olhou no espelho, e em seguida, o impassível gigante, perdeu a razão, aterrorizado com sua própria imagem.
    Este curto e fascinante livro, que já naquela época continha as sementes de nossos atuais romances, é sem dúvida o mais pungente relato da realidade nossa daquele tempo.
    Os cronistas das Índias nos deixou outros incontáveis relatos. Eldorado, nossa terra ilusória e tão avidamente procurada, apareceu em numerosos mapas durante anos, deslocando-se de lugar e de forma de acordo com a fantasia dos cartógrafos.
    Em sua procura pela fonte da eterna juventude, o mítico Alvar Núñez Cabeza de Vaca explorou o norte do México por oito anos, numa iludida expedição cujos membros devoraram uns aos outros e, dos seiscentos que foram, apenas cinco voltaram.

    Um dos muitos mistérios inimagináveis daquela época é o das onze mil mulas, cada uma carregando cinqüenta quilos de ouro, que um dia deixaram Cuzco para pagar o resgate de Atahualpa e nunca chegaram ao seu destino. Depois disso, no tempo das colônias, galinhas vendidas em Cartagena de Índias eram criadas em terrenos de aluviões e em suas moelas eram encontradas pequenas pepitas de ouro.

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    A cobiça de ouro de nossos fundadores nos perseguiu até recentemente. No fim do último século [XIX], uma missão alemã, indicada para estudar a construção de uma ferrovia inter-oceânica, através do istmo do Panamá, concluiu que o projeto era viável com uma condição: que os trilhos não fossem feitos com aço, que era raro na região, mas com ouro.
    Nossa independência da dominação dos espanhóis não nos pôs fora do alcance da loucura. O general Antonio López de Santana, três vezes ditador do México, providenciou um magnífico funeral para a perna direita que ele perdera na chamada Guerra dos Pastéis. O general Gabriel García Moreno governou o Equador por 16 anos como um monarca absoluto; em seu velório, o corpo ficou sentado na cadeira presidencial, vestido com o uniforme completo e decorado com uma camada protetora de medalhas.
    O general Maximiliano Hernández Martínez, o déspota teosófico de El Salvador, que teve 30 mil camponeses aniquilados num massacre selvagem, inventou um pêndulo para detectar veneno em sua comida, e mantinha as lâmpadas das ruas envolvidas em papel vermelho para vencer uma epidemia de escarlatina. A estátua do general Francisco Morazán, na praça principal de Tegucigalpa, é na verdade do marechal Ney, comprada num depósito de esculturas de segunda mão em Paris.
    Onze anos atrás [1971], o chileno Pablo Neruda, um dos brilhantes poetas de nosso tempo, iluminou este público com suas palavras. Desde então, os europeus de boa vontade – e às vezes aqueles de má vontade também – têm sido arrebatados, com cada vez mais força, pelas novidades fantásticas da América Latina, esse reino sem fronteiras de homens alucinados e mulheres históricas, cuja infinita obstinação se confunde com a lenda.
    Não temos tido sequer um minuto de sossego. Um prometéico presidente, entrincheirado em seu palácio em chamas, morreu lutando contra um exército inteiro, sozinho; e dois suspeitos acidentes de avião, ainda por explicar, abreviaram a vida de um grande presidente e a de um militar democrata que tinha ressuscitado a dignidade de seu povo.
    Já ocorreram cinco guerras e dezessete golpes militares; surgiu um diabólico ditador que está realizando em nome de Deus o primeiro etnocídio da América Latina de nosso tempo. Nesse ínterim, 20 milhões de crianças latino-americanas morreram antes de completar um ano de vida – mais do que as que nasceram na Europa desde 1970.
    Os desaparecidos pela repressão chegam a quase 220 mil. É como se ninguém soubesse onde foi parar a população inteira de Uppsala. Várias mulheres presas grávidas deram à luz nas prisões argentinas, e ainda ninguém sabe do paradeiro e da identidade de seus filhos, que foram furtivamente adotados ou enviados para orfanatos por ordem das autoridades militares.
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    Porque tentaram mudar esta situação, quase 200 mil homens e mulheres morreram em todo o continente, e mais de cem mil perderam suas vidas em três pequenos e malfadados países da América Central: Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Se fosse nos Estados Unidos, seria o equivalente a um milhão e seiscentos mil mortes violentas em quatro anos.

    Um milhão de pessoas abandonaram o Chile, um país com tradição de hospitalidade – ou seja, doze por cento da população. O Uruguai, pequenina nação de dois milhões e meio de habitantes, que se considerava o país mais civilizado do continente, perdeu para o exílio um em cada cinco de seus cidadãos.
    Desde 1979, a guerra civil de El Salvador vem produzindo quase um refugiado a cada vinte minutos. O país que se poderia criar com todos os exilados e emigrantes forçados da América Latina teria uma população maior que a da Noruega.
    Ouso dizer que é esta desproporcional realidade, e não apenas sua expressão literária, que mereceu a atenção da Academia Sueca de Letras. Uma realidade não de papel, mas que vive dentro de nós e determina cada instante de nossas incontáveis mortes de todos os dias, e que nutre uma fonte de criatividade insaciável, cheia de tristeza e beleza, da qual este errante e nostálgico colombiano não passa de mais um, escolhido pelo acaso.
    Poetas e mendigos, músicos e profetas, guerreiros e canalhas, todas as criaturas desta indomável realidade, temos pedido muito pouco da imaginação, porque nosso problema crucial tem sido a falta de meios concretos para tornar nossas vidas mais reais. Este, meus amigos, é o cerne da nossa solidão.
    E se estas dificuldades, cuja essência compartilhamos, nos atrasa, é compreensível que os talentos racionais desta parte do mundo, exaltados na contemplação de sua própria cultura, se encontrem sem meios apropriados de nos interpretar.
    É simplesmente natural que eles insistam em nos medir com o mesmo bastão que medem a si mesmos, se esquecendo de que as intempéries da vida não são as mesmas para todos, e que a busca pela nossa própria identidade é tão árdua e sangrenta para nós quanto foi para eles.
    A interpretação de nossa realidade em cima de padrões que não são os nossos serve apenas para nos tornar ainda mais desconhecidos, ainda menos livres, ainda mais solitários.
    A venerável Europa talvez pudesse ser mais perceptiva se tentasse nos ver em seu próprio passado. Se ela recordasse simplesmente que Londres levou 300 anos para construir seu primeiro muro, e mais 300 para ter um bispo; que Roma labutou numa penumbra de incertezas por 20 séculos, até que um rei etrusco a fizesse entrar para a história; e que a pacífica Suíça de hoje, que nos deleita com seus leves queijos e simpáticos relógios, derramou o sangue da Europa como soldados mercenários, no final do século XVI. Mesmo no alto da Renascença, 12 mil lansquenetes pagos pelo exército imperial saqueou e devastou Roma e trespassou oito mil de seus habitantes na espada.
    Não quero incorporar as ilusões de Tonio Kröger, cujos sonhos de unir um casto norte a um sul apaixonado foram exaltados aqui, há 53 anos, por Thomas Mann. Mas realmente acredito que aqueles europeus esclarecidos que lutaram, inclusive aqui, por um lar mais justo e humano, pudesse nos ajudar muito melhor se reconsiderassem sua maneira der nos ver.
    A solidariedade com nossos sonhos não vai nos fazer menos solitários, enquanto isso não for traduzido em atos concretos de apoio legítimo às pessoas que aceitam a ilusão de ter uma vida própria na divisão do mundo.
    A América Latina não quer, nem tem qualquer razão para querer, ser massa de manobra sem vontade própria; nem é meramente um pensamento desejoso que sua busca por independência e originalidade deva se tornar uma aspiração do Ocidente. No entanto, a expansão marítima que estreitou essa distância entre nossas Américas e a Europa parece, ao contrário, ter acentuado nosso distanciamento cultural.
    Por que a originalidade nos foi agraciada tão prontamente na literatura e tão desconfiadamente nos foi negada em nossas difíceis tentativas de mudanças sociais? Por que pensar que a justiça social perseguida pelos europeus progressistas aos seus próprios países não pode ser um objetivo da América Latina, com métodos diferentes em condições desiguais?
    Não: as incomensuráveis violência e dor de nossa história são o resultado de antigas iniqüidades e amarguras caladas, e não uma conspiração tramada a três mil léguas de nossa casa.
    callo la voz de america latina by latuff21Mas muitos líderes e intelectuais europeus têm pensado assim, com a infantilidade de seus antepassados que se esqueceram do proveitoso excesso de sua juventude, como se fosse impossível chegar a outro destino que não o de viver entre a cruz e a espada. Isto, meus amigos, é o tamanho exato de nossa solidão.
    Apesar disso, à opressão, ao saque e abandono, respondemos com vida. Nem enchentes nem pragas, nem fome nem cataclismos, nem mesmo as eternas guerras, séculos após séculos, foram capazes de subjugar a persistente vantagem que a vida tem sobre a morte. Uma vantagem que cresce e acelera: todo ano, há 74 milhões de nascimentos a mais do que mortes, número o suficiente de novas vidas para multiplicar, a cada ano, a população de Nova York sete vezes.
    A maioria desses nascimentos ocorre em países de menos recursos – incluindo, claro, os da América Latina. Contraditoriamente, os países mais prósperos se realizaram acumulando poderes de destruição, com força o bastante para aniquilar, num total de cem vezes, não apenas todos os seres humanos que já existiram até hoje, mas também todos os seres vivos que um dia respiraram neste planeta infeliz.
    Um dia como hoje, meu mestre William Faulkner disse: “Eu me recuso a aceitar o fim da humanidade”. Não seria digno de mim estar num lugar em que ele esteve se eu não tivesse plena consciência de que a tragédia colossal que ele se recusou a reconhecer, 32 anos atrás, é agora, pela primeira vez desde o começo da humanidade, nada além de uma simples possibilidade científica.
    Cara a cara com esta realidade horrenda que pode ter parecido uma mera utopia em toda a existência humana, nós, os inventores das fábulas, que acreditamos em qualquer coisa, nos sentimos inclinados a acreditar que ainda não é tarde demais para nos engajarmos na criação da utopia oposta.
    Uma nova e avassaladora utopia da vida, onde ninguém será capaz de decidir como os outros morrerão, onde o amor provará que a verdade e a felicidade serão possíveis, e onde as raças condenadas a cem anos de solidão terão, finalmente e para sempre, uma segunda oportunidade sobre a terra.
  • O que é Accountability?

    O que é Accountability?

    Por Cristiano das Neves Bodart
    Democracia demanda liberdade de expressão/manifestação e condições para sua efetivação consciente. O conhecimento das regras do jogo é de suma importância para a efetivação de uma democracia sólida. Você, leitor, que vai às ruas protestar, sabe o que é Accountability? Tal conceito me parece chave para compreender a democracia e suas regras, assim como fundamental para a compreensão de nosso papel de cidadãos.
    O conceito accountability foi, inicialmente, problematizado sob à luz da realidade brasileira por Anna Maria Campos, quando em 1987, período de elaboração da Constituição Federal Brasileira, escreveu o artigo “Public service accountability: a comparative perspective”, publicado em 1988 e republicado em português em 1990.
    Campos (1990) descreveu sua dificuldade de traduzir a palavra accountability para o português quando a ouviu pela primeira vez em uma aula dos Estados Unidos, embora dominasse muito bem o inglês. Descreveu Campos que,   

    […] no primeiro dia de aula não consegui acompanhar a discussão sobre accountability, incapaz de traduzir a palavra para o português(1). O único indício que pude captar foi que, apesar do som, nada tinha a ver com contabilidade. Após as aulas corri aos dicionários, que não me ajudaram. Tampouco me ajudaram os índices dos livros de leitura obrigatória. No dia seguinte, o debate continuou e, apesar do meu esforço, não logrei captar o significado da palavra, mas consegui entender que se discutia um conceito-chave no estudo de administração e na prática de serviço público. De volta ao Brasil com a minha charada, perguntei a muitas pessoas que talvez pudessem traduzir a palavra. Aqueles que tinham participado de programas de doutorado, nos EUA, confessaram que não sabiam como traduzi-la. Tentei fora da área de administração pública, pessoas competentes em inglês, muitos perguntavam: “Accountab••• Quê?” Desisti da ideia de tradução e me concentrei no significado(CAMPOS, 1990, p. 2).

    Afirma Campos (1990, p.2) que a dificuldade de tradução da palavra para o português estava na falta de conhecimento do conceito, de sua prática, “razão pela qual não dispomos em nosso vocabulário”. A partir dessa constatação, Campos indagou qual seria a consequência dessa ausência para a realidade da Administração pública brasileira.
    Em 2009, Pinho e Sacramento buscaram (re)percorrer o caminho de Campos na busca, nos dicionários tradutores, do sentido da palavra accountability em Português. Concluíram que,

    […] adota-se o pressuposto de que não existe mesmo uma palavra única que o expresse em português.2 O que se percebe são “traduções” diferentes para o termo por par- te de vários autores, ainda que os termos produzidos possam estar próximos ou convergentes. Em síntese, não existe perfeita concordância nas traduções (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1346).

    Devido a dificuldade de encontrar uma tradução para a palavra, Campos (1990) buscou o sentido do conceito. Para ela, o tema accountability “devia estar relacionado com a questão dos direitos do cidadão”, tratando-se de um tema de cunho normativo, sobretudo ligados aos deveres da administração pública e do governo para com os cidadãos.
    O conceito de accountability parece ser sinônimo de responsabilidade objetiva ou obrigação de responder por algo. Caracterizado por uma responsabilidade subjetiva “acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organização perante uma outra pessoa, fora de si mesma, por alguma coisa ou por algum tipo de desempenho” (MOSHER, 1968, apud CAMPOS, 1990, p. 2). Assim, a accountability deve ser exigida “de fora para dentro”, ou seja, cabe o administrador público ser cobrado, responsabilizado pelos seus atos perante os cidadãos. Caberia saber, destacou Campos,

    quem – fora do detentor da função pública – deveria ser reconhecido como capaz de compelir ao exercício da accountability; quem teria o poder de declarar alguém responsável: um cliente, um eleitor, um burocrata de nível mais elevado, um legislador, um tribunal? (CAMPOS, 1990, p. 4).

    Certamente não é apenas os cidadãos os responsáveis pela fiscalização da Administrador público. Existem outras pressões “de fora”. Desta forma, podemos afirmar que a accountability pode ser dividida em dois tipos, a Accountability vertical e a Accountability horizontal. Prefiro chamá-los, respectivamente, de accountability social e accountability institucional. Isso por ser mais didático sua compreensão.
    No primeiro tipo, a sociedade exerce o seu poder de pressão sobre os seus governantes, punindo-os ou agraciando-os por meio do voto e por meio de outros mecanismos. No accountability institucional é exercido pela ação mútua de fiscalização entre os poderes ou setores. Dentre os setores podemos citar as agências estatais de supervisionamento, avaliação e punição, se for o caso, dos agentes ou das instituições públicas.
    A questão que levantamos é se temos tido, no Brasil, accountability social e/ou institucional. Se olharmos ao redor, a resposta parece ser a velha expressão: “mais ou menos”. Por um lado, instituições que têm perdido crédito junto à sociedade. Por outro, a sociedade que se afasta a cada dia da vida pública e, consequentemente, das ações de pressão e fiscalização dos seus representantes. Em contrapartida, há grupos, sobretudo de jovens, se organizando para cobrar ações públicas mais eficientes e maior justiça social, assim como protestando contra a corrupção e exigindo mais transparência na coisa pública, assim como maior participação social. Nesse contexto a internet e a rua parece ser “o palco da vez” na busca de maior accountability na gestão pública.
    Carecemos de dar novos passos, sobretudo rumo ao aprofundamento da accountability social. Necessitamos com urgência criar mais conselhos de fiscalização e acompanhamento social da gestão pública. Práticas como o Orçamento Participativo e o “Site Transparência” são bons caminhos para a maior transparência da gestão pública, mas não podemos parar por aí. Em um contexto de crise das instituições, a população deve e pode ampliar a accountability social.
     
     
    Referências
    CAMPOS, Anna Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o Português. Revista de Administração Pública, 1990 (Fev./abr.).
    PINHO, José Antonio Gomes de; SACRAMENTO,  Ana Rita Silva. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 43(6), 2009. (Nov./Dez.). Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/rap/v43n6/06.pdf> Acessado em 25 de Outubro de 2013.

    Como citar esse texto:

    BODART, Cristiano das Neves. O que é Accountability. Blog Café com Sociologia. out. 2015. Disponível em:<
    https://cafecomsociologia.com/2015/10/o-que-e-accountability.html>

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