A experiência do Projeto Eixo Monumental no contexto do ensino de Sociologia
Leonardo Vinícius Xavier de Souza[1]
Verônica Gonçalves da Cruz Soares[2]
A obrigatoriedade do ensino da disciplina de Sociologia nas escolas brasileiras (juntamente com Filosofia) começou a vigorar a partir da Lei 11.684, de 2 de junho de 2008. Dessa forma, o professor de Sociologia ganhou campo para educar de forma que o estudante compreenda sobre seu espaço na sociedade e sua realidade social, de maneira a contribuir em sua formação como cidadão agente dos acontecimentos.
Nesse tempo, o desafio primário do docente de Sociologia foi o de se deparar com certa escassez de material que abordasse com especificidade os tipos de conteúdo a serem trabalhados e em quais anos do ensino médio deveriam ser aplicados. Mas, é fato que, em poucos anos, esse cenário sofreu mudanças e mesmo que, ainda se tenha alguma dificuldade de aplicação de conteúdos específicos, a maioria dos livros didáticos apresentam propostas consolidadas de matérias aplicadas às escolas brasileiras. Pois estes “passaram por avanços significativas no que diz respeito aos aspectos didáticos” (Bodart, 2022, p. 71).
Mas, para além dos livros e materiais didáticos, surgem propostas e desafios que se põem ao docente de Sociologia que vê como opção, dentre outras coisas, a criação de projetos visando a melhoria da qualidade de ensino para o estudante. Pois sabemos que “o livro didático, embora não determine a prática docente, exerce um direcionamento considerável, podendo contribuir ou prejudicar na qualidade do ensino” (Bodart, 2022, p. 48). Isto é, o livro didático exerce papel fundamental na formação do estudante, mas não é determinante.
Cientes disso, vimos a necessidade de modelos de ensino menos engessados à logica tradicional de sala de aula da educação básica. Uma vez que
A Educação, compreendendo todas as práticas formativas, é um fenômeno social, histórico, dinâmico e político. Este processo simbólico, intencional ou não intencional, acontece em espaços diferentes e de variadas formas (Farias; Sales; Braga; França, 2009, p. 22).
Isto é, ensinar em sala de aula nos moldes tradicionais é apenas uma parte do processo educacional. Isso se refere tanto ao espaço físico destinado ao ensino quanto as maneiras de se trabalhar a didática.
Posto isto, ao constatar o citado acima, a partir de uma revisão bibliográfica e estudos de projetos como Parlamento Jovem (Departamento de Ciências Sociais) e Mini ONU (departamento de Relações Internacionais), ambos desenvolvidos na PUC Minas ainda na primeira década dos anos 2000, cria-se o Projeto Eixo Monumental.
Antes de discorrer sobre o Projeto Eixo Monumental, é importante que se compreenda que o Parlamento Jovem
[…] se viabiliza com a definição anual de temas e subtemas estratégicos, que são objetos de estudos e proposições por parte de grupos de alunos inscritos, por meio de escolas de ensino médio participantes em suas edições. Os temas são definidos a partir das sugestões das escolas, dando prioridades àqueles de abrangência social passíveis de constarem na Paula política do Legislativo por serem recorrentes na sociedade (Medeiros; Marques, 2012, p. 12).
Por outro lado, o MiniONU
Através do engajamento de estudantes do curso de Relações Internacionais, formam-se comitês (ambiente de simulação de organismos internacionais ou instituições nacionais com agenda internacional) que serão palco de discussões de temas relevantes da agenda internacional. Cada comitê procura reproduzir o que acontece na realidade. Os alunos do ensino médio transformam-se em delegados que defendem interesses do ator a ele atribuído. Para tanto, esses alunos passam por um período de preparação em suas escolas, sob supervisão de professores (MinoONU/PUC-Caldas, 2023, n/p).
Se por um lado, o Parlamento Jovem se volta para práticas que simulam o funcionamento do legislativo doméstico, o MiniONU procura compreender o espectro da agenda internacional.
Já o Projeto Eixo Monumental visa trazer à realidade dos alunos a dinâmica funcional da Esplanada dos Ministérios e variáveis consideradas para que se construa um plano de governo ou planejamento governamental. Sua perspectiva está ligada ao discurso do poder Executivo.
A proposta do projeto, embora admita certa interdisciplinaridade, busca evidenciar a centralidade da disciplina de Ciência Política. Pois, vemos essa importância a partir da consideração de que
Muitas vezes, a política é vista como algo negativo e quase sempre está relacionada a atos de corrupção e desvio de recursos públicos. Esse imaginário é resultado de sua publicização desacertada e restrita aos ambientes (Congresso, Câmaras, Presidência da República) e grupos ou pessoas específicas (militantes de partidos políticos, candidatos e ocupantes de cargos públicos eletivos), fato que colabora para a sua posição secundária na sociedade, já que o entendimento equivocado leva a uma percepção de estar distante do cotidiano (Bodart; Macedo; Peixoto, 2022, p.7).
Partindo desta constatação, o desenvolvimento e culminância de projetos como o Eixo Monumental têm importância singular no contato com os estudantes às práticas propostas. Ponderando que como parte do ensino de Ciência Política
[…] apresenta uma importância republicana para a formação dos(as) jovens estudantes, os integrando de forma protagonista em um espaço pedagógico de educação política no ensino médio. Isso é possibilitado por meio da presença qualificada de conteúdos de Ciência Política no currículo escolar, que permite uma formação teórica que capacite os(as) estudantes a debater, discutir, conhecer temáticas ligadas à política e à participação, ao mesmo tempo em que oferece orientações à prática e ao desenvolvimento analítico crítico, que contribua para uma sociedade mais justa e democrática (Bodart; Macedo; Peixoto, 2022, p.18).
Em suma, o Projeto Eixo Monumental se trata de um trabalho destinado aos estudantes do terceiro ano do ensino médio. Sobre seu desenvolvimento e culminância, num primeiro momento, há o aprendizado de um conjunto de conceitos das ciências políticas e demais ciências sociais. Em seguida, já próximo ao final do ano letivo, os estudantes reproduzem uma cerimônia de tomada de posse presidencial, nos moldes da que acontece em Brasília na posse do presidente da República. Isto é, desde o conceito estético, como por exemplo, a indumentária, execução do hino nacional, bem como os discursos em torno dos rumos do país com base no planejamento governamental desenvolvido pelos próprios estudantes ao longo do ano letivo. Em geral, os planejamentos governamentais do Projeto Eixo Monumental são inspirados em base de dados reais colhidos dos sítios disponíveis pelo governo federal, bem como a projeção do PIB (Produto Interno Bruto), número e formação de ministérios e secretarias.
Após a apresentação, os estudantes passam por uma sabatina composta por três ou quatro integrantes. Dentre estes estão presentes especialistas das ciências sociais (sociólogo, cientista político, antropólogo e/ou economista) e ex-alunos que participaram de versões anteriores do projeto, como é o caso de Verônica Gonçalves da Cruz Soares (bacharela em Direito), que vem acompanhando as edições desde os seus tempos de estudante secundarista.
A ordem de culminância do Projeto Eixo Monumental acontece da seguinte forma:
- Os estudantes secundaristas do terceiro ano do ensino médio, elaboram um plano de governo com base no que foi ensinado durante o ano letivo, tento na disciplina de Sociologia como nas demais disciplinas. O que faz do projeto uma proposta interdisciplinar.
- A(s) turma(s) que apresenta(m) o plano proposto compõe(m) um único grupo, sendo o primeiro escalão do governo.
- O local de apresentação se dá no pátio ou auditório da escola, onde todo o corpo docente e discente possa assistir.
- A apresentação se dá nos moldes da tomada de posse do presidente da República e seu primeiro escalão de governo sendo que: a) o traje é a rigor; b) a ordem do dia obedece às apresentações iniciais (professores, banca examinadora, objetivo do trabalho), execução do Hino Nacional e apresentação do grupo.
- A apresentação do grupo de trabalho começa a partir da fala do “presidente da República”, seguida dos “ministros” de cada ministério.
- Após a apresentação, acontece a sabatina da banca examinadora, que por sua vez, é composta por profissionais das ciências sociais e humanas. Em geral, são profissionais de universidades públicas (como a UFMG) e privadas (como a PUC) e/ou ex-alunos que participaram do projeto e que seguiram em alguma profissão ligada às ciências humanas e sociais.
- Durante a sabatina, os estudantes têm até dois minutos para responder perguntas e questionamentos da banca. O grupo tem o tempo estipulado para, em reunião com seus “suplentes”, elaborar suas respostas.
- Durante a sabatina, os “suplentes” dos ministros (que também são parte do primeiro escalão) podem responder pelos “ministros” a critério do grupo. Veja o exemplo a seguir: suponhamos que o ministro dos transportes seja questionado sobre a receita que seu ministério dispõe para implementação de ferrovias. No entanto, seu suplente já possui os dados necessários sobre tal questionamento. Este pode, perfeitamente, pedir a palavra explicar o plano ministerial de forma mais compreensível à banca.
O Projeto Eixo Monumental teve sua primeira versão no ano de 2010 na Escola Estadual Olegário Maciel, em Belo Horizonte. Mas, foi em 2013, que conseguimos continuidade até o ano de 2017.
Entre os anos de 2018 e 2022, O Projeto Eixo Monumental foi interrompido devido a tentativa de disseminação da ideologia da extrema direita por parte de alguns estudantes. Ou seja, o discurso dos próprios estudantes estava em desacordo com a proposta do trabalho. Muitos alunos passaram acreditar que, se um plano de governo não fosse com base em combate a pautas como “comunismo, feminismo” e “homossexualismo”, não seria algo interessante em apresentar.
Em 2023, já em um contexto de Novo Ensino Médio e Educação Integral, o Projeto Eixo Monumental volta como novidade aos novos alunos de algumas escolas de Belo Horizonte. Buscamos então, maior consolidação para seja reconhecido e aplicado em outras escolas.
Considerações finais
Acreditamos que o Projeto Eixo Monumental contribui na formação cidadã do estudante de ensino médio, além de elevar o nível dos debates locais, eliminando, ainda que de pouco a pouco as simplificações genéricas sobre a implementação de planos e agendas governamentais com políticas públicas objetivas e concisas. O que a médio e longo prazo pode trazer mudanças significativas à maneira de se enxergar a política nacional, bem como compreensão de que o ensino da disciplina da Sociologia nas escolas secundárias é de importância ímpar para a formação sócio-política do povo brasileiro.
Referência
BODART, Cristiano, das Neves; MACEDO, Joana da Costa; PEIXOTO, Fábio Costa. A Importância do Ensino de Ciência Política no Brasil. Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. CABECS, v. 2, n. 2, p. 06-22, 2022. Disponível em: https://cabecs.com.br/index.php/cabecs/article/view/421
BODART, Cristiano das Neves. Ensino de Ciência Política: o que muda nos conteúdos com o novo PNLD? Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais. CABECS, v. 6, n. 2, p. 47-75, 2022. Disponível em: https://cabecs.com.br/index.php/cabecs/article/view/416
FARIAS, Isabel Maria Sabino de; SALES, Josete de Oliveira Castelo Branco; BRAGA, Maria Margarete Sampaio de Carvalho; FRANÇA, Maria do Socorro Lima Marques. Didática e Docência: Aprendendo a profissão. Líber Livro – Série Formar, Brasília 2009.
MEDEIROS, Regina de Paula & Marques, Maria Elizabeth. Educação Política da Juventude: a experiência do Parlamento Jovem. Editora PUC Minas. Belo Horizonte, MG, 2012.
PUCMINAS. MiniONU. Nossa História. Disponível em: https://www.pucminas.br/minionu/Paginas/historia.aspx. Acesso em julho de 2023.
Como citar este texto:
SOUZA, Leonardo Vinícius Xavier de; SOARES, Verônica Gonçalves da Cruz. A experiência do Projeto Eixo Monumental no contexto do ensino de Sociologia. Blog Café com Sociologia, ago. 2023. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/projeto-eixo-monumental-e-o-ensino-de-sociologia/
Notas:
[1] Mestrando em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Programa de Pós-graduação em Direito da Escola Superior de Direito Dom Helder Câmara (PPGD-ESDHC). Graduado e em Ciências Sociais e professor de Sociologia e Ensino Religioso da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEEMG). Idealizador do Projeto Eixo Monumental.
[2] Advogada. Especialista em Direito Constitucional pela Faculdade Batista de Minas Gerais. Pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal e Direito Educacional pela Faculdade Batista de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Faculdade Batista de Minas Gerais.
Parabéns! Muito agradecida, por essa pesquisa.
Obrigado pelo seu comentário.
Parabéns pelo trabalho, fui um dos alunos que participou do Projeto Eixo Monumental, pude aprender a complexidade executiva na organização de um plano de governo coeso, no qual atenda diversos setores da sociedade.
Lembro-me das várias deliberações juntamente com os ministérios, até chegarmos em um consenso quanto ao plano de governo a ser apresentado e a aplicabilidade dos projetos diante das limitações orçamentarias, bem como seus efeitos a médio e longo prazo na sociedade brasileira.
No Projeto Eixo Monumental pude aprender que os problemas enfrentados por uma sociedade não se resolvem com fórmulas mágicas, isto é, de um dia para o outro. Todo projeto deve ser embasado com a finalidade de alcançar um objetivo, com seu começo, meio e o fim que se pretende alcançar, caso contrário, seriam planos vazios sem resultado práticos e benéficos para o desenvolvimento de um país sustentável.
Novamente, Parabéns!