A PEC 55/2016: entre o céu e o fim do mundo

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Cristiano das Neves Bodart*

A PEC 55/2016, já aprovada em segundo turno, promoverá benefícios e prejuízos, mas poucos sabem claramente disso ou daquilo. Estamos diante de medidas que conduz ao “céu”, por um lado, e ao “fim do mundo”, por outro.

A aprovação da referida Emenda Constitucional trará, por um lado, grandes benefícios. Proporcionará condições de manter o Estado funcionando como sempre funcionou: beneficiando uma pequena elite; outrora cafeeira, posteriormente industrial e agora rentista**. No “frigir dos ovos”, trata-se, em grande medida, das mesmas famílias. Com a limitação dos gastos públicos o Estado poderá manter, e até ampliar, o pagamento da dívida pública, a chamada “bolsa banqueiro” que hoje consome cerca de 47% de toda a receita do Estado. Dito isto, a PEC 55/2016 atenderá positivamente um pequeno grupo, levando-os mais uma vez ao céu; de onde poucas vezes descem.

Por outro lado, a aprovação da referida Emenda Constitucional trará impactos negativos nos investimentos públicos, na qualidade e quantidade dos serviços públicos, no funcionalismo estatal e sobre o salário dos trabalhadores públicos e privados e, por consequência, sobre o pequeno e médio comércio. Dito isto, a PEC 55/2016 atenderá negativamente a maior parte da sociedade brasileira, apontando um cenário preocupante, metaforicamente chamado pelos críticos como “o fim do mundo”.

“Fim do mundo” porque afetará o mercado de trabalho, sobretudo para os jovens, os negros e as mulheres. Menos investimentos do Estado significa, por exemplo, menos obras, o que equivale a menos emprego e a ampliação do exército de reserva e, consequentemente, salários menores e condições e relações de trabalho ainda mais precários. “Fim do mundo” porque investimentos em áreas sociais essenciais não serão aplicados e o serviço público será sucateado, criando condições para criticar, por exemplo, a manutenção e existência das universidades públicas.

É importante esclarecer que o discurso do “Estado Mínimo” é uma grande falácia no Brasil, pois a suposta crise das contas públicas deu-se não pelo peso do Estado nos programas sociais, mas por seu histórico papel de apoiador/patrocinador do grande capital***. Reduzir os serviços públicos tem como projeto ampliar as condições do Estado para continuar mantendo seus esforços nesse patrocínio. Em um país onde as campanhas eleitorais são financiadas pelo grande capital, não seria possível esperar algo diferente. A final, o eleito é um representante dos interesses de quem de fato o elegeu e o dará condições de se manter no poder.

Parece contraditório em uma República a aprovação de algo que prejudicará a maior parte da sociedade em prol do beneficiamento de uma minoria? Pode ser, mas sempre foi assim! O que de fato ocorre é que “a coisa” (res) nunca foi pública. Há dois pontos em jogo que colaboram para que emendas e projetos sejam aprovados sem que seus propósitos sejam o fortalecimento prático da República enquanto “coisa pública”. As aprovações patrocinadas por grandes empresas são mais comuns do que a Odebrecht agora nos faz perceber. Nesse jogo a grande mídia tem um papel muito importante: o de transformar mentiras em verdades após ditas mil vezes.

No caso da PEC 55/2016 o governo golpista, consorciado com a grande mídia, não apresenta como justificativa do congelamento dos gastos e investimentos públicos o seu real objetivo, antes alega a necessidade da sanidade das contas públicas como se vivêssemos em um país onde se observa grandes investimentos sociais. Tal argumento vem carregado de mentiras, dentre as quais os servidores públicos seriam os responsáveis pelo pender da balança ao déficit de caixa. Faz-se o mesmo agora com os aposentados a fim de aprovar outras reformas que garanta a manutenção ou a ampliação da “bolsa banqueiro”. Como falar de “déficit” direcionando-se cerca de 47% de todos os recursos ao pagamento de uma dívida que não sofre auditoria? Como colocar a culpa nos servidores públicos e não fazer menção à sonegação fiscal das grandes corporações empresariais? Como justificar cortes e congelamentos em áreas essenciais para a população mais carente da tutela do Estado e ao mesmo tempo ampliar o salário de uma pequena elite de funcionários públicos, como o judiciário federal?

Congelar os gastos e investimentos públicos por 20 anos usando como parâmetro um ano de poucos investimentos e de crise econômica não é burrice do governo, é estratégia. Acobertar o congelamento dos gastos e investimentos públicos é o mesmo que defender que no Brasil os investimentos em saúde, educação, habitação, saneamento básico, etc. estão numa situação satisfatória e, portanto, queremos isso por mais 20 anos.

As dívidas públicas existentes, sejam elas do governo federal ou dos Estados não foram acumuladas, como querem que acredite, por conta de programas sociais, antes por protecionismo praticado em socorro e auxílio às grandes empresas e empresários (do campo, da indústria e banqueiros). A política cambial e as taxas de juros praticadas nunca foram para levar um pão mais barato à mesa do trabalhador, antes para manter alguns pouco no “céu”, de onde não aceitam descer.

O governo golpista que não possui popularidade busca forças para manter-se no poder junto à grande mídia, às grandes corporações empresariais e aos rentistas; estes que historicamente elegeram governantes, manteveram-nos no poder e derrubaram alguns que não atenderam seus interesses.

Por isso, para um governo golpista e sem apoio social, opta pela seguinte estratégia: aos rentistas, o céu; aos demais, o fim do mundo!

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NOTAS:

*Doutor em Sociologia/USP. Prof. Adjunto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

** Na verdade, os grupos anteriores ainda continuam na lógica do beneficiamento estatal.

****Um exemplo bem recente é a aprovação da Lei Geral das Telecomunicações (Lei 79/2016), que indica um repasse de auxílio ao setor da ordem de 100 bilhões de reais, no mesmo momento que se congela os investimentos públicos por 20 anos.

Como citar esse texto:

BODART, Cristiano das Neves. A PEC 55/2016: entre o céu e o fim do mundo. Blog Café com Sociologia. 2016. Disponível em: <linkdapostagemaqui>. Acesso em: dia, mês, ano.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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