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  • Definição de capitalismo: contribuições sociológicas

    O capitalismo é um dos sistemas econômicos e sociais mais influentes da história moderna, moldando não apenas as estruturas de produção e distribuição de bens e serviços, mas também as relações humanas, culturais e políticas. Sua definição, no entanto, transcende a mera descrição de um modelo econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e na busca por lucro. A partir de uma perspectiva sociológica crítica, o capitalismo pode ser entendido como um fenômeno multidimensional que reflete desigualdades, transformações culturais e dinâmicas de poder. Este texto busca explorar a definição de capitalismo sob a ótica das ciências sociais, destacando suas implicações históricas, econômicas e sociais.


    Definição de Capitalismo: Uma Perspectiva Sociológica

    O conceito de capitalismo remonta ao século XVIII, período marcado pela Revolução Industrial e pela consolidação do sistema econômico baseado na acumulação de capital. Segundo Marx (1867), o capitalismo é caracterizado pela separação entre os detentores dos meios de produção (burguesia) e os trabalhadores que vendem sua força de trabalho (proletariado). Essa relação de exploração é central para compreender a dinâmica capitalista, pois o lucro é gerado a partir do trabalho excedente dos operários, que não recebem o valor integral de sua produção.

    Para Weber (1905), o capitalismo não pode ser reduzido apenas à exploração econômica; ele está intrinsecamente ligado ao ethos protestante e à ética do trabalho. O autor argumenta que o espírito do capitalismo foi moldado por valores religiosos que enfatizavam a disciplina, a racionalidade e a busca incessante por eficiência. Essa visão complementa a análise marxista, destacando que o capitalismo não é apenas um sistema econômico, mas também um conjunto de práticas culturais e ideológicas.

    Na contemporaneidade, autores como Harvey (2005) ampliaram essa discussão, enfatizando o papel do capitalismo financeiro e da globalização na reconfiguração das relações de poder. Para ele, o capitalismo contemporâneo se sustenta por meio da acumulação por despossessão, um processo em que recursos públicos e comuns são privatizados, intensificando as desigualdades sociais.


    As Implicações Sociais do Capitalismo

    O capitalismo não é apenas um sistema econômico; ele tem profundas implicações sociais que afetam diretamente a vida cotidiana das pessoas. Uma das características mais marcantes do capitalismo é a desigualdade social, que se manifesta tanto na distribuição de renda quanto no acesso a bens e serviços essenciais. Bourdieu (1989) destaca que o capitalismo cria diferentes formas de capital – econômico, cultural e social – que determinam as oportunidades e os privilégios de cada indivíduo na sociedade.

    A divisão de classes é outro aspecto crucial. Marx (1867) argumenta que o capitalismo perpetua uma luta de classes, onde a burguesia busca maximizar seus lucros enquanto o proletariado enfrenta condições precárias de trabalho. Essa tensão é evidenciada nas manifestações sociais e movimentos sindicais que emergem em resposta às injustiças do sistema.

    Além disso, o capitalismo influencia as relações de gênero e raça. Segundo Fraser (2013), o capitalismo utiliza estruturas patriarcais e racistas para manter a exploração econômica. Mulheres e minorias raciais frequentemente ocupam posições subalternas no mercado de trabalho, recebendo salários menores e enfrentando maior vulnerabilidade social.


    Capitalismo e Cultura: A Comodificação da Vida

    Uma das críticas mais contundentes ao capitalismo é sua capacidade de transformar quase tudo em mercadoria. Adorno e Horkheimer (1947) argumentam que a indústria cultural, um produto do capitalismo avançado, homogeneiza as experiências humanas, reduzindo a arte e a cultura a meros produtos de consumo. Nesse contexto, as identidades individuais e coletivas são moldadas por padrões impostos pelo mercado, levando à alienação e à perda de autenticidade.

    Essa comodificação também se estende à natureza. Castells (1997) aponta que o capitalismo promove uma relação predatória com o meio ambiente, priorizando o crescimento econômico em detrimento da sustentabilidade. Isso resulta em crises ambientais, como o aquecimento global e a degradação dos ecossistemas, que ameaçam a sobrevivência humana.


    Capitalismo e Estado: A Relação de Interdependência

    Embora o capitalismo seja frequentemente associado à liberdade de mercado, ele não opera de forma isolada. Polanyi (1944) argumenta que o mercado autorregulado é uma ficção, pois o capitalismo depende do Estado para garantir suas condições de funcionamento. O Estado intervém por meio de políticas econômicas, regulamentações e investimentos em infraestrutura, criando um ambiente propício para o desenvolvimento capitalista.

    No entanto, essa relação nem sempre beneficia a população. Stiglitz (2002) critica o neoliberalismo, uma vertente do capitalismo que defende a mínima intervenção estatal, argumentando que essa abordagem amplia as desigualdades e fragiliza os direitos sociais. Para ele, o Estado deve atuar como mediador, garantindo que os benefícios do crescimento econômico sejam distribuídos de forma mais equitativa.


    Desafios e Alternativas ao Capitalismo

    Diante das críticas ao capitalismo, surgem questionamentos sobre sua sustentabilidade e viabilidade a longo prazo. Piketty (2014) demonstra que a concentração de riqueza tende a aumentar ao longo do tempo, exacerbando as desigualdades sociais. Ele propõe medidas redistributivas, como impostos progressivos sobre o patrimônio, como forma de mitigar essas disparidades.

    Outros autores, como Gorz (1980), defendem alternativas mais radicais, como a economia solidária e o pós-capitalismo. Essas abordagens buscam superar a lógica do lucro, promovendo modelos baseados na cooperação, na sustentabilidade e na justiça social.


    Considerações finais

    A definição de capitalismo, quando analisada sob a perspectiva das ciências sociais, revela-se complexa e multifacetada. Trata-se de um sistema que, embora tenha impulsionado avanços tecnológicos e econômicos, também perpetua desigualdades e crises estruturais. A crítica sociológica ao capitalismo nos convida a refletir sobre as implicações éticas e humanas de um modelo que coloca o lucro acima de tudo. Diante dos desafios contemporâneos, torna-se urgente buscar alternativas que promovam uma sociedade mais justa e inclusiva.


    Referências Bibliográficas

    ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento . Rio de Janeiro: Zahar, 1947.

    BOURDIEU, P. O Peso do Mundo: Sofrimento Social e Desesperança . Petrópolis: Vozes, 1989.

    CASTELLS, M. A Sociedade em Rede . São Paulo: Paz e Terra, 1997.

    FRASER, N. Fortunes of Feminism: From State-Managed Capitalism to Neoliberal Crisis . Londres: Verso, 2013.

    GORZ, A. Crítica da Divisão do Trabalho . São Paulo: Martins Fontes, 1980.

    HARVEY, D. A Brief History of Neoliberalism . Oxford: Oxford University Press, 2005.

    MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política . São Paulo: Nova Cultural, 1867.

    PIKETTY, T. O Capital no Século XXI . Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

    POLANYI, K. A Grande Transformação: As Origens de Nossa Época . Rio de Janeiro: Campus, 1944.

    STIGLITZ, J. Globalização: Como Dar-lhe Certo . Rio de Janeiro: Record, 2002.

    WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo . São Paulo: Companhia das Letras, 1905.

  • Dica de leitura: As consequências do capitalismo, de Noam Chomsky e Marv Waterstone

    Dica de leitura: As consequências do capitalismo, de Noam Chomsky e Marv Waterstone

    O livro “As consequências do capitalismo“, escrito por Noam Chomsky e Marv Waterstone, é uma leitura obrigatória para quem busca entender as conexões profundas entre o senso comum neoliberal e o poder estrutural que mantém a atual hegemonia em nossa sociedade.

    Com uma abordagem clara e direta, os autores nos mostram como o capitalismo impacta a política e a vida das pessoas de maneiras que muitas vezes passam despercebidas. Eles expõem as consequências negativas desse sistema econômico, que mantém os movimentos de justiça social divididos e marginalizados.

    Ao ler este livro, o leitor terá uma compreensão mais profunda sobre como funciona o capitalismo e como ele pode ser superado. Os autores apresentam uma análise crítica das estruturas políticas e sociais que perpetuam a desigualdade e a injustiça em nossas sociedades, e mostram como podemos trabalhar para criar um mundo mais justo e igualitário.

    Com uma linguagem acessível e exemplos práticos, “As consequências do capitalismo” é uma cartilha essencial para todos aqueles que desejam entender como o mundo funciona e como podemos lutar para transformá-lo em um lugar melhor para todos. Este livro é uma importante contribuição para o debate sobre as questões mais prementes de nossa sociedade, e certamente será de grande interesse para estudantes, professores, ativistas e todos aqueles que se preocupam com a justiça social e a igualdade.

    Editora Vozes.

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    As consequências do capitalismo
    As consequências do capitalismo
  • Charges sobre Capitalismo: Conceito, fases e problematização

    Charges sobre Capitalismo: Conceito, fases e problematização

    Charges sobre Capitalismo, noções gerais. Neste texto iremos apresentar algumas possibilidades didáticas do uso de charges em sala de aula para tratar do tema charges sobre capitalismo. Inicialmente, discutiremos de forma breve o conceito de capitalismo. Em seguida, trataremos de características marcantes do capitalismo em suas fases.

    Conceito

    O capitalismo é um sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos bens de produção e no lucro também privado. Toda organização social imposta pelo capitalismo é baseado em relação de classes. Capitalismo é um sistema econômico e social cuja base é pautada na propriedade privada dos meios de produção. A individualidade é medida a partir no quanto patrimônio dispõe o indivíduo. Na charge abaixo, há uma crítica que relaciona capitalismo e liberdade.

    No capitalismo há grandes disparidades na posse de poder econômico, o que gera monopolização da riqueza. O grupo que monopoliza os meios de produção (terras, bancos, fábricas) são chamados de burgueses. As demais pessoas, que não detém a posse dos meios de produção, são obrigadas a venderem sua força de trabalho como mercadoria para sobreviver.

    Características

    As principais características do capitalismo são:

    • Lucro privado
    • Propriedade privada
    • Acumulação de capital
    • Produção em larga escala
    • Grandes impactos ambientais
    • Produção e consumo em massa
    • Grandes desigualdades socioeconômicas

    Fases

    Por ser um sistema sociometabólico, como aponta Mészáros (2015), o capitalismo se transforma e interage com as estruturas sociais econômicas. Desta maneira, ao longo da história tal sistema socioeconômico passou por diversas transformações, sendo comum sua classificação em fases.

    Capitalismo mercantil ou Mercantilismo

    A primeira fase do capitalismo é o mercantilismo ou capitalismo comercial. Nesta fase há uma transição do feudalismo para o capitalismo. Esse momento histórico, que compreende do século XV ao XVIII, foi marcado pela exploração de colônias por meio das grandes navegações. Esta etapa Karl Marx caracterizou como um período de acumulação primitiva do capital, o qual foi fundamental para financiar a Revolução Industrial.

    Capitalismo industrial

    No século XVIII e XIX, devido às expedições marítimas intensificando as trocas globais de mercadoria, ampliando a acumulação de capital, e o domínio das máquinas de vapor, tear mecânico e máquina de fiar, houveram condições tecnológicas para que a Europa protagonizasse a produção industrial de bens duráveis,  comercializando-os de maneira cada vez mais globalizada. O capitalismo industrial ao protagonizar as máquinas gerou riquezas, mas também desemprego. Barateou não apenas as mercadorias, mas também a força de trabalho. Como a massa de trabalhadores passou a ficar cada vez mais ociosa em função do protagonismo da máquina, a consequência foi a competição cada vez mais acirrada pelos postos de trabalho. As deficiências na organização coletiva dos trabalhadores para lutar por direitos vem gerando um cenário de condições precárias de trabalho e de salário, ainda que muitas conquistas tenham sigo alcançadas.

    Capitalismo financeiro

    Com a expansão do mercado financeiro e a crescente desvalorização dos salários, o capitalismo passa a enfrentar crises cada vez mais frequentes. Neste sentido, o capitalismo se transforma para tentar contornar tais crises. Uma das soluções para criar condições de consumo para uma massa de trabalhadores que também são consumidores cujo salários são vez menores é o crédito financeiro. A financeirização do capitalismo faz com que o consumo passe a ser alavancado por um capital que muitas vezes é fictício. Intensifica-se o capital financeiro que passa a ser dominante no século XX, e nesta fase passa a ter crises mais intensas e frequentes, como foi o caso da crise de 1929.

    Capitalismo informacional

    Já no século XXI, o capitalismo passa a operar também de maneira hiperglobalizada, interdependente e interconectado, o que se dá com os avanços dos meios de transporte e de comunicação. Para o sociólogo Manuel Castells, em sua obra “Sociedade em Rede”, as relações econômicas tornaram-se extremamente dependentes das tecnologias de informação e comunicação, como a internet. Hoje, não somos mais meros consumidores de informações nas redes sociais, mas fornecedores de dados pessoais que são comercializados como “potenciais consumidores”.

     Charges sobre o capitalismo

    Agora que compreendemos de maneira contextualizada e conceitual o capitalismo, vamos às charges para problematizá-las.  Cabe lembrar que as charges, têm conotações críticas do que retratam, o que é coerente com um ensino de Sociologia reflexivo.

    As charges podem ser utilizadas basicamente de duas formas:

    1- Integradas ao conteúdo como forma de fixação de exemplos e conceitos;

    2- Posteriores ao conteúdo, como forma de exercitação dos conceitos e características aprendidas.

    Vamos neste texto mostrar exemplos das duas formas.

    1- Charges sobre Capitalismo:

    charge capitalismo mais-valia
    :Mais-valia é a exploração do trabalho alheio. No capitalismo o  salário nunca paga a totalidade da riqueza produzida.

    Um conceito fundamental para compreender como o capitalismo mantém sua dominação na teoria de Karl Marx é noção de mais-valia.

    Para a produção de mercadorias, os proprietários pagam aos trabalhadores apenas uma parcela do que este gera em termos de valor com o seu serviço, caracterizando uma relação de exploração da força de trabalho denominada de “mais-valia”, que representa a parcela de trabalho realizada pelo trabalhador que não é remunerada pelo patrão (ALVADIA FILHO; FERREIRA, 2021p. 43).

    Mais-valia, portanto, é, grosso modo, o lucro oriundo da exploração do trabalho de outra pessoa. Observe a conexão do conceito de mais-valia com a imagem a seguir:

    2- Charges sobre Capitalismo a partir do conteúdo:

    charge capitalismo informacional
    Observe a imagem acima e relacione-a com o capitalismo informacional.

     

    Outras charges sobre capitalismo

    Para fins didáticos, disponibilizaremos um conjunto de charges relacionadas ao capitalismo.

    Clique na imagem para ampliar.

     

     

     

    Charges sobre Capitalismo – Atividade:

    Como o acesso ao capital interfere no capitalismo a partir da leitura da charge?

    Referências

    ALVADIA FILHO, Alberto; FERREIRA, Walace. O que é Capitalismo? In: BODART, Cristiano das Neves. Conceitos e categorias fundamentais do ensino de Sociologia, vol. 1. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021, pp. 41-46.

    CASTELLS, Manuel et al. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

    MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Boitempo Editorial, 2015.

    Por Roniel Sampaio Silva, graduado em Ciências Sociais, Mestre em educação.
    Charges sobre Capitalismo
    Charges sobre Capitalismo
  • Dica de leitura: Capitalismo pandêmico, de Ricardo Antunes

    Dica de leitura: Capitalismo pandêmico, de Ricardo Antunes

    Capitalismo pandêmico
    Capitalismo pandêmico

    Ricardo Antunes, um dos sociólogos brasileiros mais respeitados na comunidade acadêmica nacional, nos presenteia com mais uma obra: Capitalismo pandêmico (2022).

    A obra é lançada pela Boitempo, ainda no contexto de pandemia, no ano de 2022. Discussões em torno do trabalho, do capitalismo, do proletariado e do mundo do trabalho não realizadas de forma localizada no contexto pandêmico brasileiro.

    A obra está organizada em três partes e possui 12 capítulos distribuídos em suas 151 páginas. O livro pode ser encontrado no site da Boitempo, AQUI.

  • O que é Capitalismo?

    O que é Capitalismo?

    O que é Capitalismo?[1]

    Walace Ferreira[2]

    Alberto Alvadia Filho[3]

    Walace Ferreira
    Walace Ferreira

    Para compreender o capitalismo como um sistema socioeconômico hegemônico na contemporaneidade é preciso contextualizá-lo à luz de eventos históricos que contribuíram para o seu surgimento: as Grandes Navegações, que possibilitaram a conquista comercial e militar de novos territórios; o Mercantilismo, com extração de metais preciosos e fomento de um novo mercado consumidor nas colônias; a Revolução Francesa, marco simbólico da queda política do Antigo Regime, que libertou o trabalho das relações de compromisso, desvinculando-o da terra e do poderio da nobreza; e a Revolução Industrial, que tornou possível um aumento inédito da capacidade produtiva por meio da maquinofatura.

    Típico de sociedades urbanas e industriais, o capitalismo consiste em um sistema de relações produtivas baseado na propriedade privada dos meios de produção e na acumulação de riquezas, obtida a partir do lucro aplicado na exploração do trabalho humano. No capitalismo, a propriedade privada é usada com o objetivo de acumulação de recursos para reinvestimento e produção de mais lucro. Dessa dinâmica participavam, originalmente, duas classes sociais justapostas e com interesses antagônicos: burgueses (proprietários dos meios de produção) e proletários (grupo social que vende sua força de trabalho por um determinado tempo em troca de um salário), o que vai expressar uma relação conflituosa que Marx (2007) chama de “luta de classes”. Nessa relação, a ampliação dos interesses de uma classe representa a redução ou a supressão dos interesses dos correspondentes da outra classe.

    Para a produção de mercadorias, os proprietários pagam aos trabalhadores apenas uma parcela do que este gera em termos de valor com o seu serviço, caracterizando uma relação de exploração da força de trabalho denominada de “mais-valia” – que representa a parcela de trabalho que não é remunerada pelo patrão. Da relação contraditória entre o que foi produzido e a apropriação do resultado dessa produção surge a desigualdade de acesso à riqueza gerada pelo trabalho (CATANI, 2017).

    Alberto Alvadia Filho
    Alberto Alvadia Filho

    Visando a sustentação do seu modo de funcionamento, o capitalismo opera com táticas de velamento das suas contradições, tendo em vista a garantia da naturalização de si como expressão máxima da racionalidade humana. Nesse sentido, lança mão de um conjunto ideológico de valores para produzir uma condição permanente de alienação do conjunto da classe trabalhadora, convertendo progressivamente todas as relações sociais à sua lógica de funcionamento.

    Por seu caráter de transformação permanente dos processos produtivos, de consumo e das relações de trabalho, expressos no conflito entre capital e trabalho, o capitalismo experimentou nas últimas décadas, graças à globalização e ao desenvolvimento tecnológico, um avanço de ações de tendência neoliberal. Em decorrência desse padrão, o capitalismo tem imposto tanto a criação de novas formas de produção como a corrida pela flexibilização do trabalho, que têm se traduzido em termos como “precarização” e, mais recentemente, “uberização” do trabalho.

     

    Referências Bibliográficas

    BRYM, Robert et al. Sociologia: Sua bússola para um novo mundo. 1. ed. São Paulo: Editora Cengage Learning, 2009.

    CATANI, Afrânio Mendes. O que é Capitalismo. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora Brasiliense, 2017.

    FERREIRA, Walace; FILHO, Alberto Alvadia. O que é Capitalismo? In: BODART, Cristiano das Neves (Org.). Conceitos e categorias fundamentais do ensino de Sociologia. vol.1. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021. pp.41-46.

    MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Editora Boitempo, 2007.

    Notas

    [1] Texto derivado de “O que é capitalismo?”, publicado em “Conceitos e categorias do ensino de Sociologia” (2021).

    [2] Doutor pelo IESP/UERJ e Professor de Sociologia do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira (CAp-UERJ).

    [3] Doutorando em Ciências Sociais no PPCIS/UERJ e Professor de Sociologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), campus São João de Meriti.

     

    Versão PDF AQUI

    Como citar este texto:

    FERREIRA, Walace; FILHO, Alberto Alvadia. O que é Capitalismo? Blog Café com Sociologia. abr. 2021. Disponível em: < https://cafecomsociologia.com/o-que-e-capitalismo/ ‎>

     

    Conceitos e categorias do ensino de Sociologia, vol.1
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  • Sociedade, trabalho, limites do capitalismo e Ciências Sociais: coronavírus, pandemia e pós-pandemia

    Sociedade, trabalho, limites do capitalismo e Ciências Sociais: coronavírus, pandemia e pós-pandemia

    Bruno Durães: Sociedade, trabalho, limites do capitalismo e Ciências Sociais: coronavírus, pandemia e pós-pandemia*

    Entrevista com Bruno Durães

    Bruno Durães
    Bruno Durães é professor de Sociologia da UFRB, pesquisador do CRH/UFBA, Membro da Comissão de Ética da ABECS e professor do Programa de pós-graduação em Política Social e Territórios/POSTERR/UFRB.

    O professor Bruno Durães fala sobre os impactos atuais da pandemia na perspectiva do trabalho informal, da importância da temática das classes sociais, da crise do neoliberalismo (e sua falácia) e de como as Ciências Sociais e a Sociologia, em particular, podem abordar questões sobre esse momento, bem como fala de possibilidades do pós-pandemia. Trata também dos sentidos da vida na lógica capitalista, propondo uma reflexão crítica sobre o lugar do ser social no mundo  e propõe pensar em uma sociedade pós-capitalismo, de tipo socialista/comunitária/coletiva.Áudio 03:

    Segue a entrevista na íntegra em nove áudios:

     

     

     

     

     

     

    Áudio 01. Sociedade, vida humana e capitalismo ou limites postos pela pandemia mundial

    Áudio 02: A falácia do neoliberalismo mundial

    Áudio 03: A classe social é real e o trabalho é sim central

    Áudio 04. Economia e vida humana: tem ou não tem fronteira?

    Áudio 05: Novas sociabilidades na pandemia?

    Áudio 06. A importância das ciências sociais na pandemia

    Áudio 07. E como fica o trabalho Home office?

    Áudio 08.  E o que acontecerá com os Informais no cenário atual e depois?

    Áudio 09. E O pós.pandemia e o capitalismo?

     

    Trechos da entrevista com Bruno Durães:

    “O presente pode está apontando para limites do próprio sistema capitalista e de seu máximo valor, a saber, o individualismo/consumismo, e do sistema neoliberal, da lógica de “austeridade” e de contenção de investimentos sociais e limites humanos, éticos e ambientais. Esses limites poderão indicar o germe para o novo, apesar da tristeza mundial pelas mortes e pela doença, podemos ver nascer sementes utópicas de um mundo menos desigual e com envolvimento e consciência critica e política das pessoas e com mais disposição para luta”.

    “As questões da pandemia só serão efetivamente compreendidas post-facto, como dizia Karl Marx quando falava da complexidade dos fenômenos e do caráter dialético das relações sociais. É, pois, difícil precisar quais as mudanças societais e humanas teremos e quais estão em curso. Pode-se errar nessa caracterização, mas existem pistas. Hoje já temos algumas mudanças coletivas (como nas relações sociais que passam a ter a mediação muito maior da tecnologia e do meio digital) e individuais (novos comportamentos pessoais e com o outro, sentimento de preocupação, alteridade e solidariedade com as pessoas, mudanças de hábitos corporais e de gestos e atitudes nas ruas e em casa, limpeza, cuidado etc., bem como crescimento da sensação de insegurança social e medo da morte). Também podemos ver elementos sociais históricos e estruturais postos na superfície da sociedade e que evidenciam mazelas que nunca foram resolvidas no Brasil”.

    “Temos desigualdades sociais, raciais, de classe e de gênero que, muitas vezes, foram ocultadas. Agora aparecem com força. Como no caso dos Estados Unidos em que morreram muitas pessoas historicamente vulnerabilizadas (migrantes, negros), que não possuíam acesso adequado à saúde. Algo que vem ocorrendo no Brasil, principalmente quando a pandemia deixa de alcançar apenas a elite e passa ‘a subir o morro’. Temos também questões de gênero. Pode-se ver hoje o acúmulo de atribuições que são lançadas para as mulheres em casa, exercendo atividades domésticas com intensidade, tido como insignificante, caracterizando o trabalho explorado e inferiorizado como diz a pesquisadora Cláudia Nogueira. De forma correlata, temos às professoras Helena Hirata e Angela Araújo, que abordam a feminização do trabalho como forma de perversidade no capitalismo, revelando fios (in) visíveis da exploração. Ainda temos o aumento de casos de violência doméstica ”.

     

     “O trabalho informal infelizmente tenderá a aumentar no pós-pandemia, o cenário para o trabalho será o pior possível, bem como para os direitos sociais”.

     

    “Acho que ficará uma lição para toda sociedade e para os governantes (que possam aprender com o presente) como que as mazelas históricas sociais (e as desigualdades raciais e de gênero) não podem ser colocadas “debaixo dos tapetes”, mas precisam ser enfrentadas e superadas”.

    “Hoje ficou evidente como a luta de classes e a disputa entre Capital e Trabalho é real e perversa. Alguns burgueses tentaram empurrar os trabalhadores para a morte. O presidente da república também foi nessa direção quando tratou a situação como ‘gripezinha’ ”.

    “A pandemia mostrou a injustiça que temos no Brasil de termos mais de 50 milhões de pessoas informais e/ou desempregadas e muitos vivem com excesso de trabalho e no dilema trabalhar ou morrer de fome? Isso é desumano”.

    “[…] estão surgindo novas sociabilidades, sobretudo, pela mediação com as tecnologias e meios digitais (e o uso avassalador desses meios agora), mas isso não pode ser sobredeterminado e nem ser visto como um elemento salvacionista ou redentor, ao contrário, é algo positivo e negativo, que possui contradições.”

    “O meio digital facilita o processo educacional e enriquece, sobretudo, nesse momento, porém, não podemos ver isso como a solução da questão educacional, mesmo porque o espaço dialógico da sala de aula é insubistituivel, assim como o professor”.

    “Temos que atentar sobre o trabalho home office, essa forma de trabalho pode esconder novas formas de exploração, de redução de custos e de aumento da produtividade. Como ficará o espaço familiar (a esfera do intimo, do não-trabalho) dentro de casa? E o custo do trabalho sob responsabilidade dos trabalhadores em suas casas, então, temos que ter um olhar crítico para isso e contestar supostos discursos carregados de ideologias e falácias”.

    “Sem dúvida é uma situação fecunda de mudanças e reveladora da lógica maior do negócio, do lucro em contraposição a vida. Muitos capitalistas no Brasil estavam querendo empurrar os trabalhadores para o abismo. Isso é genocídio”.

     

    Nota: * Entrevista concedida em 24.04.2020 para a jornalista Thais Borges (via Whatsaap) do Correio da Bahia (Salvador).

     

    Referências citadas na entrevista:

    DARDOT, P; LAVAL, C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.
    ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 1ª. ed. – São Paulo: Boitempo, 2018.
    DAVIS, Mike (Et al). Coronavírus e a luta de classes. Brasil: Terra sem amos, 2020

  • Consumo e identidade: uma relação inevitável no capitalismo

    Consumo e identidade: uma relação inevitável no capitalismo

     

    Por Bianca Wild*
    Ao pensarmos “identidade” somos remetidos quase que imediatamente ao RG, nosso registro civil, que possuí um número para nos identificar e uma série de outras informações que nos tornam “reconhecíveis” para o “sistema”, para os olhos da lei, especialmente para questões burocráticas. Nele consta nossa naturalidade indicando em que estado nascemos, nacionalidade, indicando nosso país, filiação e data de nascimento; contudo o termo “Identidade” tem um outro sentido além de um documento, sendo um conceito muito mais complexo e abrangente; afinal não podemos nos “resumir” apenas  em uma sequência de números. Para Jurandir Freire Costa (1989), “(…)a identidade é tudo que se vivencia (sente, enuncia) como sendo eu, por ocasião àquilo que se percebe ou anuncia como não-eu (aquilo que é meu; aquilo que é outro) (…) a identidade não é uma experiência uniforme, pois é formulada por sistemas de representações diversos. Cada um destes sistemas corresponde ao modo como o sujeito se atrela ao universo sociocultural. Existe assim, uma identidade social, étnica, religiosa, de classe; profissional, etc.”
    E, justamente por dependermos da interação e da constante socialização para nos construirmos, que é importante o contexto no qual estamos inseridos. Nesse sentido, cabe aqui iniciarmos uma discussão acerca da sociedade em que vivemos, da sociedade de consumo. As identidades acompanham as sociedades no que concerne a compreensão de que ambas estão em processo constante de mudança e adequação, se as instituições sociais responsáveis pela formação dos indivíduos, dentre elas podemos citar a escola, produziram ou ajudaram a produzir discursos, é importante destacarmos que os sujeitos concretos não cumprem literalmente aquilo que é prescrito através dos discursos, fáceis de casar com o discurso neoliberal da atual sociedade, na qual há um mercado para tudo, e, portanto, um espaço “para todos”. Entretanto pouco se sabe, e pouco se deseja saber, sobre as relações de poder que estão na base da lógica da exclusão;
    Consumo e identidade
    Nossa sociedade, contemporânea ou “pós-moderna”, também pode ser chamada de “sociedade midiática”, “sociedade do conhecimento”, “da desigualdade social” e de “sociedade de consumo”. Consumo e mídia são inseparáveis e mais, como afirma o sociólogo Zigmund Bauman, ocorreu nos últimos tempos, uma espécie de transformação das pessoas em mercadorias a sociedade contemporânea “se distingue por uma reconstrução das relações humanas a partir do padrão, e a semelhança das relações entre consumidores e os objetos de consumo” (BAUMAN, 2008, p. 19). Bauman ainda conclui “numa sociedade de consumidores, tornar-se mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os contos de fadas” (BAUMAN, 2008, p.22).
    Nas últimas décadas houve um aumento significativo do consumo em todo mundo, provocado pelo crescimento populacional e, principalmente, pela acumulação de capital das empresas que puderam se expandir e oferecer os mais variados produtos, conjuntamente com os anúncios publicitários que propõe, induzem e manipulam para o consumo a todo o momento. Chamamos de consumo o ato da sociedade de adquirir aquilo que é necessário a sua subsistência e também aquilo que não é indispensável, ao ato do consumo de produtos supérfluos, denominamos consumismo.
    Consumo e identidade
    A “coisificação” dos indivíduos, a valorização do corpo, da estética, em detrimento de outros valores e qualidades tão importantes nos seres humanos é evidente na sociedade em que vivemos. Justamente por haver a necessidade de se “criar” sempre novos consumidores, há um mercado para crianças, mulheres em várias fases da vida, adolescentes, minorias, etc., é preciso estimular o consumo e não deixar ninguém de fora do círculo.
    Oliveira e Costa (2005) Citam Frei Betto:
    “A publicidade sabe muito bem que, quanto mais culta uma pessoa – cultura é tido aquilo que engrandece o nosso espírito e a nossa consciência – menos consumista ela tende a ser. Um pequeno exemplo: quem gosta de música clássica certamente não contribuí para enriquecer a indústria fonográfica. O que garante fortunas que rolam nesta indústria é, a cada dia, o consumidor experimentar uma nova banda, um metaleiro diferente; porque, se não for assim, se ele gostar de meia dúzia de compositores clássicos, o consumo será menor, pois comprará apenas as novas interpretações dos compositores da sua preferência” (BETTO, 2004).
    Ou seja, como afirmam estes autores, transformando o alvo, o indivíduo, neste caso o consumidor, em passivo, dócil, apenas um espectador que não se sente como sujeito da história, e muito menos tem impulsos questionadores, ocorre um processo de inculcação de valores, ideias e hábitos, pois em uma sociedade de massa, é preciso estar sempre na moda, ser escravo das tendências. Não se deve pensar, julgar ou avaliar de forma independente o que a mídia nos oferece, basta consumir e se divertir.
    Tendo como referencial as concepções de Marx, que conceituou Ideologia como um sistema de pensamento, ou seja, uma forma de conceber o mundo que abrange, principalmente, os seus aspectos sociais (relações entre os homens e a sua atividade); “Visão do mundo”, isto é, produto e reflexo de uma época e de uma sociedade, mais especificamente de grupos sociais reais, estratos e classes, expressando os seus interesses, a sua atividade e o seu papel histórico; Não seria, para este pensador, um sistema de pensamento neutro, pois para ele a ideologia teria uma função que é a de legitimar, justificar e contribuir, ou para a manutenção da ordem social existente, ou para a sua transformação. Marx compreende a ideologia como uma consciência falsa, proveniente da divisão entre o trabalho manual e o intelectual. [1]O papel da mídia, assim como de outros aparelhos ideológicos, é justamente prescrever normas e representar a realidade de forma que seja oferecida uma dada interpretação da realidade social, de acordo com os interesses dos produtores da ideologia. Fica claro que quem controla os principais meios de comunicação, sobretudo os de massa, faz parte das estruturas de poder nas sociedades. Nesse sentido, a estrutura não só da nossa sociedade, como de outras se reflete na linguagem da mídia de forma autoritária, elitista, desprezando a cultura popular e voltando-se para a construção de cidadão meramente consumidor, além de promover a apatia política e o descompromisso com os reais problemas do povo (OLIVEIRA; COSTA, 2005).
    Consumo e identidade
    Para suprir as sociedades de consumo, o homem interfere profundamente no meio ambiente, pois tudo que o homem desenvolve vem da natureza, aqui nesse contexto
    é o palco das realizações humanas. Através da força de trabalho o homem transforma a primeira natureza (intacta) em segunda natureza (transformada). É a natureza que fornece todas as matérias primas (solo, água, clima energia minérios etc.) necessárias às indústrias.
    O modelo de desenvolvimento capitalista, baseado em inovações tecnológicas, na busca do lucro e no aumento contínuo dos níveis de consumo ocasiona a necessidade de se criar novos mercados consumidores constantemente, à medida que outro se extenua, as pessoas, os indivíduos em uma sociedade de consumo são valorizados pelo que tem e não pelo que são, cultua-se o sucesso, o desperdício, em cada âmbito da vida é necessário exibir uma performance espetacular, ser bem sucedido financeiramente, possuir aparelhos eletrônicos de última geração, vestir roupas das melhores grifes, estar em forma, ter um bom automóvel etc., sem a mínima preocupação com o futuro, com o meio ambiente,  pois em uma sociedade de consumo você precisa comprar, mesmo sem necessidade, a efemeridade é o único legado, tudo se esgota, tudo se perde, tudo que é sólido se desmancha no ar, nessa sociedade é importante ter e não ser .
    Referências
    BAUMAN, Zigmund. Vida para o consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de janeiro: ZAHAR, 2008.
    OLIVEIRA, de Luiz Fernandes; COSTA, da Ricardo Cesar Rocha. Sociologia: o conhecimento humano para jovens do ensino técnico profissionalizante. 1ª Ed. Petrópolis, RJ:
    Catedral das letras, 2005.
    [1] Marx “o conceito de ideologia aparece como equivalente a ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é invertida e as ideias aparecem como motor da vida real” , Mannheim: “…ideologia é o conjunto das concepções, ideias, representações, teorias que se orientam para a estabilização, ou legitimação, ou reprodução da ordem estabelecida” e Löwy ““visões sociais do mundo seriam, portanto, todos aqueles conjuntos estruturados de valores,representações, ideias e orientações cognitivas. Conjuntos esses
    unificados por uma perspectiva determinada, por um ponto de vista social de classes sociais determinadas”
    Bianca Wild é colaborada do Café com Sociologia, licenciada em Ciências Sociais – FIC/FEUC Professora de sociologia-SEEDUC RJ, Especialista em gênero e sexualidade -UERJ/IMS e membro do Comitê Editorial da Revista Café com Sociologia.
  • O trabalho escravo como recurso do capitalismo contemporâneo

    O trabalho escravo como recurso do capitalismo contemporâneo

    Por Vanessa Mutti – IFBA
    Desde 13 de maio de 1888 a escravidão foi abolida no Brasil. Sem precisar mergulhar nas aulas de história do Brasil, sabemos que a escravidão legou um processo discriminatório e desigual que é, inclusive, um reflexo da identidade do povo brasileiro. Mas apesar do correr dos anos, ainda na contemporaneidade, convivemos com novas formas de escravidão humana. Diferente das condições colônias, a escravidão contemporânea surge como instrumento para garantir a cadeia de lucro do capital. Estima-se que o Brasil tem cerca de 200 mil pessoas vivendo em situação de trabalho análogas ao trabalho escravo.
    Criança trabalhando na plantação de chá Mata, Ruanda, 1991.
    Foto de Sebastião Salgado.

    De maneira geral, o trabalho escravo é caracterizado por manter cativos em condições degradantes de sobrevivência, restrições do direito de ir e vir e relações de subordinação sob ameaça de violência física e psicológica. Sobe esse aspecto, a necessidade de sobreviver e a vulnerabilidade contribuem para a exploração laboral, para o tráfico sexual e para exploração infantil.

    Em nosso país, o trabalho escravo acontece nas cidades e no meio rural. Está presente na indústria têxtil, na pecuária, na agricultura, na indústria madeireira, na construção civil, nas carvoarias. O que pode ser verificado no infográfico da revista Galileu.

    Nas cidades o trabalho escravo compreende prática em que pessoas trabalham mais de 12 horas por dia, quase que ininterruptas, sob condições de moradia inadequados em locais insalubres e com alimentação precária e restrita. Geralmente contraem dividas absurdas com a pessoa que os contrata, tornando-se refém das custas para a viagem ou deslocamento, assim como para conseguir o próprio sustento e garantir moradia e alimentação. Geralmente vivem amontoados entre os instrumentos de trabalho e beliches de dormir.

    Recentemente filme nacional Crô, de Bruno Barreto, abordou de forma lúdica a temática da escravidão na industrial têxtil de grandes grifes.

    No meio rural o latifúndio é pano de fundo para a escravidão. Nesse caso, o agronegócio, a exploração intensiva e o extrativismo são as principais cooptadoras de mão de obra escrava. A pecuária, o extrativismo de carvão e de madeira revelam os maiores números. No Brasil o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público, a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), a Pastoral da Terra, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura e ONGs monitoram denúncias e combatem esse tipo de exploração.

    A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma agencia internacional que tem como objetivo promover oportunidades para que homens e mulheres tenham acesso a um trabalho decente e produtivo, através de condições de liberdade, igualdade, segurança e dignidade. Segundo a OIT o trabalho escravo no mundo tem duas características em comum, que são: a negativa de liberdade e o uso da coação.

    Sendo assim, não é apenas a privação de liberdade que torna um trabalhador escravo, mas a privação de dignidade. Ou seja, quando são violados seus direitos fundamentais, impedindo o livre exercício dos direitos pessoais, que legitimam o direito à vida, à liberdade e à segurança, bem como o direito ao trabalho, à educação, ao repouso e à liberdade de escolhas ideológicas.

    Confira também a lista suja do trabalho escravo[1] em: https://www.reporterbrasil.org.br/pacto/listasuja/lista. Referências: CONFORTI. Luciana Paula Trabalho escravo no Brasil contemporâneo: um olhar além da restrição da liberdade. Em: < https://www.trabalhoescravo.org.br/noticia/79>. Acesso em 18 de outubro de 2014 FLAVIO, Costa. Escravos da moda. Em: https://www.istoe.com.br/reportagens/152925_ESCRAVOS+DA+MODA. Acesso em 18 de outubro de 2014. MORAES, Mauricio. Brasil é elogiado, mas fica entre 100 piores em ranking de trabalho escravo. Em: <https://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/10/131016_indice_escravidao_global_brasil_mm.shtml>. Acesso em 18 de outubro 2014. MALI, Tiago. Raio X do trabalho escravo. Em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI333998-17805,00-RAIO+X+DO+TRABALHO+ESCRAVO.html. Acesso em 18 de outubro de 2014. https://www.oit.org.br/. Acesso em 18 de outubro 2014. https://reporterbrasil.org.br/trabalho-escravo/perguntas-e-respostas/ Acesso em 18 de outubro 2014. [1] Acesso em 18 de outubro de 2014.

  • Inúmeras cores do capitalismo

    Inúmeras cores do capitalismo

    Capitalismo Colorido

    Por Felipe Onisto*
    Discutir o sistema econômico vigente é uma das tarefas de inúmeros teóricos. Colocar em jogo os conceitos que permeiam essa lógica resulta em divergentes argumentações, sendo colocadas em jogo nesse ensaio inteligível e curto.
    Segundo Hegel, filósofo moderno, o capitalismo deve ser pensado por uma instância maior, visto que o homem é egoísta, resultando um colapso sistemático. Dito de outra maneira, a ganância humana elevaria a condição econômica a superioridade, fomentando assim a desigualdade social e o caos político. Sinteticamente os postulados hegelianos convergem para uma regulação econômica e social frente às decisões do Estado, colocando em jogo uma ordenação coletiva. Na dinâmica do filósofo, o Estado denominado Razão Absoluta é a garantia da felicidade humana, as diretrizes que conduzem a participação enaltecem o espírito comum, sendo a instância política sine qua non.
    A conhecida Lei de Say caminha oposta a essa orientação. Segundo o discurso: a oferta cria a demanda, estabelecendo um ponto de equilíbrio no emprego, renda e juros. Esta lei coloca o objeto como fundamento da manutenção econômica, visto que sua geração fomenta o emprego e a compra pressupõe montar outro e assim sucessivamente. O consumo sustenta a linearidade absoluta, sendo as relações de mercado primordiais na conservação do paradigma. Para Jean-Baptiste Say o gasto do salário geraria emprego, porém sua retração resultaria no desemprego, medida esta natural, tendendo ao equilíbrio com a volta do consumo estimulado pelos empresários com novos investimentos e a queda dos juros.
    As leituras de Marx apontam outras diretrizes para dinâmica econômica. Refutar a Lei de Say é simples, ela converge em cíclicas crises, tornando-a insustentável. Além disso, sua teoria aponta o capitalismo como uma lógica de divergência entre classes sociais, é a dicotomia, burgueses e proletários. Resumindo a teoria os burgueses são os donos dos meios de produção e utilizam esta ferramenta para extrair ganhos financeiros dos trabalhadores. Segundo Marx, isso é resultado da mais-valia, expropriação indevida do excedente produzido. Esta exploração é assegurada por outras práticas como a sustentabilidade do exército de reservas, complexo sistema de ideologia e alienação, frente a outros mitos do sistema. Porém este pensador se desafiou na solução da problemática dos trabalhadores, sistematizando o socialismo científico, teoria e prática que ficarão para um próximo artigo.
    John Maynard Keynes, economista contemporâneo, sistematiza uma célebre crítica aos teóricos clássicos. Como forma de abalar a Lei de Say, aponta o equilíbrio do mercado livre como insustentável em tempos de declínio econômico, visto que a queda de juros e preços seria lenta frente à demasia dos desinvestimentos.
    Na Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda o economista coloca como primordial o consumo para sustentabilidade do capitalismo. Segundo o pensador o homem pende naturalmente para as compras e é esta propensão que garante o emprego e sistematicidade. O ponto de equilíbrio econômico se dá no que considera pleno emprego, status permitido pelo investimento, gerando renda e gastos cíclicos. Caso ele seja rompido estará instaurada a crise, crítica à lei de Say, visto que seu funcionamento garante o triângulo com consumo e emprego, não podendo cessar.
    Quanto a Marx, Keynes relata antipatia, pensa que sua teoria é obsoleta e um erro científico, coloca como inadmissível frente aos pressupostos modernos.
    Certamente essas teorias não se limitam a simplicidade apresentada, porém o reduzido número espaço  não permitiu aprofundamento, ficando assim o desafio de entender os clássicos conforme seus estudos. A provocação deve ser estendida a compreensão do capitalismo, afinal, uma cor apontou sua extinção, outra seu equilíbrio perante as liberdades de mercado, contrária foi à necessidade de intervenção estatal, diferente a reformulação do sistema, distinta a criação de uma terceira via e nesse debate caminhamos para qual lugar? O desafio econômico hodierno é esse. O resultado pode permitir o próximo prêmio Nobel de economia.

     

    *Sociólogo, professor de graduação do Curso de Ciências Sociais da Universidade do Contestado – UnC – Campus Canoinhas.
  • A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

    A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo

     

    Max Weber, em 1917.

    Ética protestante e o espirito do capitalismo – Max Weber

    É muito comum encontrarmos na net resumos e resenhas da obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de Max Weber, mas tentativas de explicações do porque da metodologia utilizada na obra, a partir da visão da teoria weberiana, não é tão comum. Hoje busquei encontrar algo nessa direção mas não encontrei nada na net, então, me imputei a função de iniciar aqui uma discussão nesse sentido. Peço que, os que dominam esse tema ou que já tenham lido a referida obra me ajudem (nos comentários) nessa empreitada.

    Weber ao se debruçar sobre o objeto de estudo (a ética protestante) buscou compreender como essa ética propiciou condições para que o capitalismo (o seu espírito) viesse a se desenvolver em países protestantes. Essa foi a maior “sacada” de Weber!
    Ao ler as os resumos e resenhas encontradas na Net parece que ao invés de ler a obra (mergulhar no pensamento de Weber) ficaram buscando, ou catando, as características dos grupos religiosos contidos no livro. Parece que Weber, erradamente de acordo com essas resenhas e resumos que vagam pela net, estava fazendo um trabalho de história das seitas protestantes, quando na verdade ele recorreu a tais seitas para buscar identificar quais as possíveis características que levaram seus seguidores a desenvolver uma conduta propícia ao desenvolvimento econômico (esse é o ponto principal da obra).
    Livro: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo
    Lembramos que Weber tinha como objeto de estudo a “Ação Social” – Ação Social é qualquer ação que o indivíduo faz orientando-se pela ação de outros. Vejamos o exemplo do eleitor: ele define seu voto orientando-se pela ação dos demais eleitores. Ou seja, temos a ação de um indivíduo, mas essa ação só é compreensível se percebemos que a escolha feita por ele tem como referência o conjunto dos demais eleitores. Weber dirá que toda vez que se estabelecer uma relação significativa, isto é, algum tipo de sentido entre várias ações sociais, tem-se, então, relações sociais. Só existe ação social quando o indivíduo tenta estabelecer algum tipo de comunicação, a partir de suas ações, com os demais.
    Ao estudar a Ética Protestante ele buscava identificar os sentidos (porquês) das ações dos protestantes e de que forma isso os levavam a trabalhar mais, a não se aparentar vagabundos ou ociosos, e conseqüentemente a desenvolver-se economicamente – era a ação social dos protestantes que, segundo ele, deu condições para que países protestantes fossem mais desenvolvidos.
    Weber definia as ações sociais, como:
    • Ação social tradicional;
    • Ação social afetiva;
    • Ação social racional movida por fins;
    • Ação social movidas por valores.
     No caso da obra em questão, ele buscou analisar as ações sociais racionais movidas por fins e valores (ou seja, quais os sentidos das ações [a ética] dos protestantes? Quais os valores que os conduziam a tais ações? Quais eram as finalidades de tais ações? Acredito que partindo da primícia da racionalidade dotada de sentido teremos uma compreensão maior da obra de Weber.

    Ética Protestante: Breve panorama

    Na obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, publicada originalmente em 1905, Max Weber investiga a relação entre determinadas crenças religiosas do protestantismo e o desenvolvimento do capitalismo moderno na Europa Ocidental. Ele parte de um problema sociológico fundamental: por que o capitalismo racional se desenvolveu primeiro no Ocidente e não em outras regiões, como a China ou a Índia, que também possuíam sistemas econômicos complexos?

    Weber observa que, entre os primeiros capitalistas modernos, havia uma significativa presença de indivíduos ligados a denominações protestantes, especialmente o calvinismo. Para entender essa correlação, ele analisa os princípios éticos e valores que surgiram com a Reforma Protestante, sobretudo com a doutrina da predestinação, formulada por João Calvino.

    Segundo essa doutrina, Deus já teria escolhido, desde o início dos tempos, quem seria salvo e quem seria condenado — e os fiéis não poderiam saber com certeza a qual destino estavam destinados. Diante dessa incerteza, muitos protestantes passaram a buscar sinais de sua salvação por meio de uma vida disciplinada, produtiva, austera e voltada ao trabalho constante. O sucesso material passou a ser interpretado como um possível indício de eleição divina.

    Weber chama essa conduta de “ética ascética do trabalho”: uma forma de agir que valoriza o esforço contínuo, o autocontrole, a poupança, a honestidade e a dedicação à atividade profissional como vocação. Esse novo tipo de racionalidade econômica se diferencia da busca tradicional pelo lucro como mera ganância. Trata-se de um espírito capitalista, no qual o acúmulo de capital não é visto como um fim em si, mas como um dever moral.

    Diferente de Karl Marx, que via a religião como reflexo da estrutura econômica, Weber argumenta que as ideias religiosas também podem desempenhar um papel causal na transformação social. Para ele, o protestantismo — especialmente em sua vertente puritana — não causou diretamente o capitalismo, mas forneceu uma ética favorável ao seu desenvolvimento, ao moldar atitudes racionais e metódicas compatíveis com a lógica do mercado.

    Weber também observa que, com o tempo, o espírito religioso que deu origem ao capitalismo foi sendo substituído por uma racionalidade puramente econômica. Assim, a racionalização da vida e a valorização da eficiência técnica passaram a dominar a sociedade moderna, mesmo após o declínio do fervor religioso inicial. O capitalismo sobrevive independente de sua origem ética, tornando-se uma “gaiola de ferro” da qual é difícil escapar.