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A ameaça do aprofundamento da precarização das condições de trabalho no Brasil*

Por Cristiano das Neves Bodart**
A condição atual dos trabalhadores brasileiros nos remete a um evento ocorrido no século XIX. Em 21 de fevereiro de 1848 era publicado pela primeira vez o “Manifesto Comunista” (Das Kommunistische Manifest), escrito por Karl Marx e Friederich
Engels. Este foi publicado em meio ao que ficou conhecida como Primavera dos Povos, processo revolucionário que perdurou por quase um ano e atingiu os principais países europeus. Dentre suas reivindicações estavam a diminuição da jornada diária de trabalho de 12 para dez horas. Na França, tal revolução foi deflagrada por uma crise econômica e pelo fato de Luís Felipe governar para os interesses da burguesia, afetando negativamente a população mais podre; os trabalhadores e desempregados. É nesse contexto que a “Manifesto Comunista” trouxe como aclamação, em suas últimas linhas, a famosa expressão “trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!”.
Tal frase não poderia ser hoje mais apropriada. Temos claramente um governo, que embora traga em sua sigla o substantivo “trabalhadores”, tem governado em função dos interesses da burguesia, afetando negativamente os trabalhadores. A aprovação na Câmara do projeto de lei Lei 4330/04, que regulamenta a terceirização, é um sinal claro de que temos o parlamento mais distante do povo desde a redemocratização do país.
No Senado, pelo que tudo indica, tal projeto também será aprovado, “caindo no colo” da presidente Dilma. Se olharmos pelo histórico de seu governo dificilmente ela vetará esse projeto de lei, isso em nome da “governabilidade”. Os governos do PT não ampliou os direitos dos trabalhadores; o que tivemos foi uma ampliação do trabalho formalizado (o que é positivo, porém insuficiente para ter impedido que projetos de lei como esse avançasse). O PT foi incapaz, ainda que tivesse sempre a maioria no Congresso e no Senado, de propor mudanças legislativas que atendesse a classe trabalhadora.
A aprovação da Lei 4330/04 será a maior derrota dos trabalhadores nas últimas décadas. A terceirização que hoje ocorre em atividades meio, passará a ser permitida também em atividades fim. Em outros termos, uma escola hoje pode terceirizar a segurança, mas não pode terceirizar os professores. Com o projeto aprovado, todos os trabalhadores poderão ser terceirizados.
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A terceirização é sinônimo de degradação e deterioração das condições de trabalho. Trata-se de uma estratégia para reduzir gastos, sobretudo com a folha de pagamento e impostos. É amplamente sabido que os trabalhadores terceirizados recebem salários menores, não possuem muitas das garantias trabalhistas, o número de acidentes de trabalho são maiores entre eles, assim como as mortes decorrentes desses acidentes, não estão ligado e protegido por sindicatos (que no Brasil já são frágeis) e, portanto, não são,
quase sempre, beneficiado pelos acordos coletivos da categoria. Normalmente a carga-horária de trabalho é maior e o acesso aos direitos é mais difícil. A título de exemplo, de acordo com o Ministério Público do Trabalho, das últimas 36 missões de resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão, 35 eram empresas terceirizadas.
Com relação a esse projeto de lei,  o Tribunal Superior do Trabalho (TST) se posicionou de forma contrária. Para o órgão “o projeto esvazia o conceito constitucional e legal de categoria, permitindo transformar a grande maioria de trabalhadores simplesmente em prestadores de serviço e não mais em bancários, metalúrgicos, comerciários, etc”.
Se aprovada, a tendência é o país passar a ter prioritariamente trabalhadores terceirizados. O TST destaca, além dos problemas gerado aos trabalhadores, que “esvaziadas de trabalhadores as grandes empresas – responsáveis por parte relevante da arrecadação tributária no Brasil -, o déficit fiscal tornar-se-á também incontrolável e dramático”. O fato é que tal projeto interessa apenas a Burguesia em detrimento a precarização das condições de trabalho.
Nesse contexto, a frase de Marx e Engels me parece bastante propícia para o momento atual. Ou os trabalhadores se unem e tomas as ruas ou veremos suas condições de trabalho tornar-se ainda mais precárias em nome da “competitividade” e de um modelo econômico que não economiza apertar a corda do pescoço dos trabalhadores. O perigo é a história se repetir. No século XIX, uma estabilidade econômica tênue acomodou os trabalhadores à luta por seus direitos, os levando a aguardar mais de uma geração para alcancá-los. Penso que o caminho deve ser marcado pelo primeiro passo e este é aclamar “trabalhadores de todo o país, uni-vos!”.

 

*Cristiano das Neves Bodart é doutorando em
Sociologia pela Universidade de São Paulo/USP.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

1 Comment Deixe um comentário

  1. Observação para correção:
    No parágrafo: Na França, tal revolução foi
    deflagrada por uma crise econômica e pelo fato de Luís Felipe governar para os interesses da burguesia, afetando negativamente a população mais podre;

    substituir “população mais podre” por “população mais pobre”

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