Música e sociologia: podres poderes
Por Roniel Sampaio Silva
Intérprete – Caetano Veloso
Compositor – Caetano Veloso
Ano de divulgação – 1984
Álbum – Velô
A música de Caetano Veloso mostra um excelente campo de análise interpretativa quanto ao cenário da política brasileira e do contexto o qual se encontrava na ocasião do processo de redemocratização. No título “Podres poderes” há uma referência aos modelos políticos vigentes.
Na década de 1980, O contexto internacional estava conturbado e turbulento. O socialismo soviético estava passando por momento de crise. As políticas da Perestroika e do Glasnost tentavam estruturar uma União Soviética em ruínas. Nos EUA, Ronald Regan está envolto numa crise de corrupção denominado “Caso Irã-Contras”. Em suma, tanto o cenário capitalista como socialista não mais ofereciam as mesmas seguranças utópicas de outrora. No Brasil “Movimento Diretas já” ganhava força e o cenário ainda era de incerteza. Caetano parece remonta a indefinição que se encontrava o país:
“Será, será, que será?
Que será, que será?
Será que essa
Minha estúpida retórica
Terá que soar
Terá que se ouvir
Por mais zil anos…”
Ao que parece, Caetano, sutil e sagazmente apresenta um ponto de vista de política bem diferente do entendimento da época. Antes da queda do muro de Berlim, esse entendimento era orientado por uma lógica dicotômica e maniqueísta. Era forte a ideia de Bem versus mal; o feio versus bonito; burguesia versus proletariado.
Como dizia Cazuza:“A Burguesia fede”. Entretanto, para Caetano parecia querer romper com esta lógica:“Queria querer gritar
Setecentas mil vezes
Como são lindos
Como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais…”
Como dizia Cazuza:“A Burguesia fede”. Entretanto, para Caetano parecia querer romper com esta lógica:“Queria querer gritar
Setecentas mil vezes
Como são lindos
Como são lindos os burgueses
E os japoneses
Mas tudo é muito mais…”
E o que seria esse “muito mais”? Para o tropicalista, a política deveria ser vista para além do aparente. A história precisaria ser reavaliada agora também por uma análise estética e cultural.
“O tropicalismo contrapõe-se à estética e à política, pois não possui um discurso verbal politizado. O caráter revolucionário e político do movimento estão inseridos em sua própria estética.” (Contier, 2003)
A música pode ser interpretada como uma leitura do tradicionalismo presente na resistência estética do brasileiro influenciando toda política Latino-Americana, região em que a maioria dos países era uma ditadura na época. Neste sentido, o baiano parecer fazer uma correlação: “Será que nunca faremos / Senão confirmar /Na incompetência / Da América católica”. Neste sentido a ética católica é criticada por influenciar na cultura uma tolerância às ditaduras. Tal tolerância parece ajudar a naturalizar a corrupção “São tantas vezes, Gestos naturais.” Pelo jeito, a solução da corrupção está muito associada a aspectos culturais.
Os brasileiros ainda têm um tradicionalismo que impedem pensar sobre outras perspectivas para além da política, de modo tal que a estética de Caetano parece incomodar. “Queria querer cantar Afinado com eles”. Neste sentido, a sociedade brasileira só mudará seus aspectos políticos mais profundos a partir de mudanças na cultura, como diria Betinho: “Um país não muda pela sua economia, sua política e nem mesmo sua ciência; muda sim pela sua cultura.” Pelo jeito, as incertezas de Caetano trazem consigo certo pessimismo que só não se torna absoluto por conta da esperança na arte e na música: “Será que apenas/ Os hermetismos pascoais /E os tons, os mil tons /Seus sons e seus dons geniais /Nos salvam, nos salvarão /Dessas trevas e nada mais…”
Referência:
Contier, Arnaldo Daraya. O movimento tropicalista e a revolução estética. Cad. de Pós-Graduação em Educ., Arte e Hist. da Cult. São Paulo, v. 3, n. 1, p. 135-159, 2003