O artigo de opinião ocupa um espaço fundamental no jornalismo e na formação crítica do leitor, pois expressa posicionamentos argumentativos sustentados por fatos e por uma estrutura lógica de pensamento. Trata-se de um gênero opinativo que, embora seja marcado pela subjetividade do autor, exige rigor na apresentação das ideias, clareza textual e embasamento em argumentos consistentes. Escrever um artigo de opinião não é apenas emitir juízo sobre um tema; é construir uma tese, defendê-la com argumentos sólidos e considerar a pluralidade de pontos de vista.
Conforme definições consagradas nos manuais de redação jornalística, o artigo de opinião é caracterizado por sua intenção persuasiva, seu vínculo com acontecimentos relevantes para a sociedade e sua função social de estimular o pensamento crítico. Para isso, exige-se domínio da linguagem escrita, capacidade de análise, articulação lógica e responsabilidade com a informação.
Sob a ótica do jornalismo, o artigo de opinião também representa um espaço de liberdade e responsabilidade. É o lugar onde o autor assume sua voz pública — seja um colunista profissional, um professor convidado ou um estudante em processo de formação. É, portanto, tanto um exercício de cidadania quanto de técnica redacional. O domínio desse gênero é imprescindível para profissionais da comunicação e da educação, bem como para qualquer cidadão que deseja participar ativamente do debate público.
Este texto tem por objetivo apresentar um guia acadêmico e prático para a produção de artigos de opinião, abordando seus fundamentos, estrutura, estratégias argumentativas e cuidados estilísticos, com ênfase em contribuições de autores brasileiros e alinhamento às normas da ABNT no uso de citações e referências.
Estrutura e Lógica Textual no Artigo de Opinião
A estrutura de um artigo de opinião se organiza em torno de uma lógica textual que visa a defender uma ideia central — a tese — com base em argumentos claros, coerentes e bem articulados. Embora não exista um modelo único e rígido, a maioria dos artigos de opinião segue uma estrutura tripartida: introdução, desenvolvimento e conclusão. Cada parte cumpre uma função retórica essencial no processo de persuasão.
1. Introdução: apresentação do tema e da tese
A introdução de um artigo de opinião deve ser impactante, chamando a atenção do leitor para o tema que será tratado. Nela, o autor apresenta o assunto em discussão, contextualiza o debate e introduz sua tese — ou seja, o ponto de vista que será defendido ao longo do texto. Essa tese deve estar formulada de modo claro e direto, preferencialmente em um único parágrafo.
A clareza da tese é crucial para que o leitor compreenda, desde o início, qual é a posição do autor. Segundo Fiorin (2007), a tese é o eixo central do texto argumentativo, e sua explicitação precoce é uma exigência retórica que contribui para a persuasão.
2. Desenvolvimento: argumentação e fundamentação
É na etapa do desenvolvimento que o autor apresenta os argumentos que sustentam sua tese. Cada parágrafo deve corresponder a uma ideia ou argumento, desenvolvida com coesão e coerência. Além disso, o autor pode recorrer a exemplos, dados estatísticos, citações de especialistas, comparações, analogias ou relatos de fatos concretos para reforçar suas ideias.
Conforme Koch (2009), um bom texto argumentativo apresenta não apenas razões a favor da tese, mas também antecipa e rebate possíveis objeções. Essa técnica, conhecida como refutação argumentativa, mostra que o autor conhece diferentes visões sobre o tema e sabe justificar sua escolha.
É importante que os parágrafos se encadeiem logicamente, respeitando uma progressão temática. A transição entre os argumentos deve ser feita com conectivos e expressões coesivas, como “além disso”, “por outro lado”, “consequentemente”, entre outros.
3. Conclusão: reafirmação e fechamento
Na conclusão, o autor retoma a tese e a reafirma à luz dos argumentos apresentados. Trata-se de um momento de síntese, em que se retoma o fio condutor do texto e se oferece um fechamento lógico e retórico. Em alguns casos, pode-se também sugerir soluções, apontar caminhos ou deixar uma provocação ao leitor.
É fundamental evitar que a conclusão traga novos argumentos ou informações que não foram discutidas previamente no desenvolvimento. Segundo Severo (2014), o fechamento precisa ser coerente com o percurso textual e oferecer ao leitor a sensação de completude.
Resumo da Estrutura Tradicional:
Parte do Texto | Função |
---|---|
Introdução | Apresentar o tema e formular a tese |
Desenvolvimento | Argumentar a favor da tese com fundamentação |
Conclusão | Reafirmar a tese e oferecer um fechamento lógico |
4. Estratégias Argumentativas no Artigo de Opinião
Uma das marcas centrais do artigo de opinião é a argumentação. Para que o texto seja convincente, é necessário que o autor mobilize estratégias argumentativas que sustentem racionalmente sua tese. Tais estratégias não apenas fortalecem a posição assumida, como também demonstram domínio do tema e responsabilidade na construção da opinião pública.
4.1. Argumento de autoridade
O argumento de autoridade é aquele que recorre à voz de especialistas, instituições reconhecidas ou fontes confiáveis para legitimar a opinião defendida. Ao citar, por exemplo, um cientista, um sociólogo, um filósofo ou um órgão oficial, o autor reforça a credibilidade do que está afirmando.
Exemplo: “Segundo Paulo Freire (1996), o ato de educar é, antes de tudo, um ato político.”
Contudo, é importante lembrar que o argumento de autoridade só é válido quando a fonte é legítima e relacionada ao tema tratado. Citar um especialista fora de seu campo de atuação pode soar como apelo indevido.
4.2. Argumento lógico ou racional
Esse tipo de argumento se baseia em deduções, relações de causa e consequência, ou explicações lógicas. É muito utilizado para demonstrar coerência interna nas ideias.
Exemplo: “Se o acesso à internet é essencial para a educação, e muitos estudantes não o possuem, então a desigualdade digital compromete o direito à aprendizagem.”
Trata-se de um recurso que exige clareza conceitual, ordenação das ideias e uso correto de conectivos argumentativos.
4.3. Exemplificação
Usar exemplos concretos — fatos, situações cotidianas, eventos históricos ou relatos pessoais — aproxima o texto da realidade do leitor e facilita a compreensão do ponto de vista.
Exemplo: “Em 2019, o desastre de Brumadinho mostrou, de forma trágica, as consequências da negligência ambiental por parte de grandes corporações.”
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a exemplificação é uma das formas mais eficazes de tornar a argumentação acessível e memorável.
4.4. Comparação e analogia
A comparação permite estabelecer semelhanças e diferenças entre dois ou mais elementos. Já a analogia, por sua vez, aproxima conceitos abstratos de situações concretas, facilitando a compreensão e reforçando o argumento.
Exemplo: “Negar a mudança climática é como ignorar um incêndio porque a fumaça ainda não chegou à sua janela.”
Esses recursos são especialmente úteis para tratar temas complexos, conectando-os ao repertório do leitor.
4.5. Contra-argumentação e refutação
Uma das estratégias mais sofisticadas é antecipar possíveis críticas ou visões contrárias à tese e refutá-las com elegância. Isso demonstra que o autor não apenas conhece diferentes pontos de vista, mas também sabe justificar por que adota a posição que defende.
Exemplo: “Embora muitos afirmem que o ensino remoto democratiza o acesso à educação, é preciso considerar que grande parte dos estudantes sequer possui um dispositivo adequado ou conexão estável.”
Essa técnica fortalece a credibilidade do texto, ao demonstrar abertura ao debate e domínio sobre a complexidade do tema.
Quadro-resumo das principais estratégias argumentativas:
Estratégia | Finalidade |
---|---|
Autoridade | Apoiar com vozes legitimadas |
Lógica | Construir raciocínios consistentes |
Exemplificação | Tornar o argumento mais próximo do leitor |
Comparação/Analogia | Facilitar o entendimento por aproximação |
Refutação | Antecipar e rebater possíveis objeções |
5- Estratégias Linguísticas e Estilísticas no Artigo de Opinião
O artigo de opinião é um gênero que exige clareza, objetividade e persuasão, características que se manifestam, sobretudo, por meio da linguagem. As escolhas estilísticas devem alinhar-se ao propósito do texto — defender um ponto de vista — e ao perfil do público-alvo. O domínio da norma-padrão da língua portuguesa é indispensável, mas deve ser articulado a uma escrita fluida, envolvente e precisa.
5.1. Tom e vocabulário
O tom do artigo de opinião costuma ser formal, porém acessível. Isso significa evitar tanto o excesso de jargões técnicos quanto expressões coloquiais. O equilíbrio entre sofisticação e clareza é essencial para manter a credibilidade sem afastar o leitor.
Em vez de “a galera está sem acesso à internet”, prefira “grande parte da população estudantil não possui acesso adequado à internet”.
No caso de veículos de comunicação voltados a públicos mais jovens ou populares, pode-se flexibilizar o vocabulário, mas sempre com intencionalidade e sem prejuízo à norma culta.
5.2. Pronomes e ponto de vista
Artigos de opinião geralmente utilizam a primeira pessoa do singular (“eu”) ou do plural (“nós”) para reforçar o caráter pessoal do posicionamento. Contudo, muitos autores preferem a impessoalidade estratégica — redigindo em terceira pessoa — para dar maior objetividade à argumentação.
Com “eu”: “Acredito que a meritocracia ignora desigualdades estruturais.”
Sem “eu”: “A meritocracia ignora desigualdades estruturais, sendo uma ilusão em contextos marcados pela exclusão social.”
A escolha depende da identidade do autor, do veículo e da intencionalidade discursiva.
5.3. Uso de conectivos argumentativos
A coesão textual é garantida, em grande medida, pelo uso adequado de conectivos lógicos. Essas expressões guiam o leitor entre as partes do texto e ajudam a explicitar relações de causa, contraste, consequência, adição, etc.
Exemplos:
Adição: além disso, também, bem como
Contraste: contudo, entretanto, apesar disso
Causa/consequência: porque, portanto, assim, logo
Exemplificação: por exemplo, isto é, ou seja
O uso estratégico desses conectores fortalece a estrutura argumentativa e melhora a fluidez da leitura.
5.4. Recursos retóricos
Os recursos da retórica clássica, como a ironia, a interrogação retórica, a antítese e a hipérbole, são frequentemente empregados no artigo de opinião para intensificar o efeito persuasivo.
Exemplo de ironia: “Ao que parece, a fome no Brasil foi solucionada — só esqueceram de avisar os que continuam sem ter o que comer.”
Exemplo de interrogação retórica: “É justo exigir desempenho escolar de quem sequer tem comida na mesa?”
Esses recursos não substituem os argumentos, mas os complementam, ativando a sensibilidade e o senso crítico do leitor.
5.5. Parágrafos curtos e ritmo de leitura
Um artigo de opinião deve ser agradável de ler, o que implica ritmo textual. Parágrafos longos tendem a cansar o leitor. O ideal é que cada parágrafo contenha de três a cinco frases bem articuladas, explorando uma única ideia por vez.
Além disso, o uso de frases curtas, objetivas e variadas em estrutura contribui para a fluidez e o impacto do texto. A pontuação também deve ser usada estrategicamente, com vírgulas bem colocadas, travessões para destaque e dois-pontos para explicações diretas.
Exemplos Comentados de Artigos de Opinião
Observar bons modelos é uma forma eficaz de aprender a construir um texto argumentativo sólido. A seguir, apresento dois trechos de artigos de opinião — um sobre educação e outro sobre meio ambiente — acompanhados de comentários que destacam os aspectos estruturais, argumentativos e estilísticos empregados.
Exemplo 1: Tema — Educação e Desigualdade
Trecho do artigo:
“A pandemia da Covid-19 escancarou uma realidade há muito ignorada pelas políticas públicas: a exclusão digital dos estudantes das periferias. Enquanto escolas privadas migravam com rapidez para o ensino remoto, alunos da rede pública sequer dispunham de celular, internet ou ambiente adequado para estudar. Dizer que todos ‘tiveram as mesmas oportunidades’ é, no mínimo, desonestidade intelectual. O discurso meritocrático desconsidera desigualdades estruturais e invisibiliza os efeitos perversos da pobreza sobre o desempenho escolar.”
Análise:
Introdução forte, com contextualização clara e direta.
A tese está explicitada: o ensino remoto aprofundou desigualdades.
Utiliza exemplificação concreta (pandemia) e refutação de um argumento contrário (meritocracia).
O vocabulário é claro e preciso, com tom crítico e linguagem acessível.
Uso efetivo de conectores (“enquanto”, “sequer”, “é, no mínimo…”).
Exemplo 2: Tema — Desmatamento e Política Ambiental
Trecho do artigo:
“O Brasil insiste em trilhar o caminho do retrocesso ambiental. O aumento do desmatamento na Amazônia, associado à retórica antiambiental de certos setores políticos, coloca o país na contramão dos compromissos climáticos internacionais. Não se trata apenas de proteger árvores, mas de garantir o equilíbrio climático global. Ao flexibilizar leis e enfraquecer órgãos de fiscalização, o governo empurra o país para uma crise ambiental de proporções irreversíveis.”
Análise:
A tese é clara e direta: o Brasil está retrocedendo na política ambiental.
Aponta causas concretas (desmatamento, políticas públicas).
O argumento é lógico e bem encadeado, com progressão da ideia (de nacional a global).
Emprega vocabulário forte e engajado (“insiste”, “crise irreversível”).
Constrói um tom de urgência e denúncia, típico do gênero.
Dicas Práticas para Revisar seu Artigo de Opinião
Ao finalizar a escrita, é fundamental revisar com base nos seguintes critérios:
Critério | Perguntas para reflexão |
---|---|
Clareza da tese | A ideia central está explícita desde o início? |
Coerência dos argumentos | Há lógica e consistência entre os parágrafos? |
Adequação linguística | O vocabulário é apropriado ao público e ao tema? |
Coesão textual | Os conectores foram bem utilizados? |
Persuasão | O texto convence? Há dados, exemplos, refutações bem elaboradas? |
Ortografia e gramática | Há erros gramaticais ou problemas de pontuação? |
Estilo e ritmo | Os parágrafos estão equilibrados? O texto flui naturalmente? |
6.O Papel Social do Artigo de Opinião na Atualidade
O artigo de opinião transcende a função meramente técnica de expressão textual. Ele é uma ferramenta de intervenção social, uma forma de participar ativamente do debate público e influenciar a formação da opinião coletiva. Em tempos de infoxicação — excesso de informações disponíveis — e de desinformação sistemática, o artigo de opinião cumpre uma função vital: organizar o pensamento crítico com base em argumentos racionais e éticos.
6.1. O artigo de opinião como forma de cidadania
A escrita de um artigo de opinião é, por si só, um ato de cidadania ativa. Ao construir e publicar um posicionamento sobre temas como direitos humanos, educação, saúde, política ou meio ambiente, o autor está exercendo seu direito à liberdade de expressão e contribuindo para o debate democrático.
Segundo Gohn (2006), a cidadania contemporânea não se resume ao voto, mas envolve a capacidade de intervir publicamente com consciência crítica. O artigo de opinião é, portanto, uma das formas mais acessíveis e relevantes de manifestação cidadã.
6.2. O lugar do artigo de opinião nas mídias digitais
Com o advento das redes sociais, blogs, portais de notícias e espaços colaborativos de publicação (como o Medium ou o LinkedIn), o artigo de opinião ganhou novas plataformas e maior alcance. Se antes o espaço opinativo estava restrito a colunistas profissionais em jornais impressos, hoje qualquer pessoa pode publicar seu posicionamento e alcançar milhares de leitores.
Esse fenômeno, embora democratize a palavra, também exige responsabilidade ética na produção e circulação de opiniões. A defesa de ideias deve estar alicerçada na verdade factual, no respeito ao contraditório e na argumentação racional. Do contrário, corre-se o risco de transformar o artigo em desinformação ou discurso de ódio.
6.3. O artigo de opinião e o combate à polarização
Num cenário polarizado como o brasileiro, em que discursos extremados dominam o espaço público, o artigo de opinião se apresenta como uma alternativa ao sensacionalismo e à retórica vazia. Ao exigir fundamentação, o gênero convida o autor a abandonar o achismo e a intolerância, promovendo o exercício da escuta e da empatia.
Para isso, é fundamental considerar a complexidade dos temas abordados, reconhecendo que, muitas vezes, os problemas sociais não têm soluções simples. O bom artigo de opinião não impõe verdades absolutas, mas oferece argumentos que estimulam a reflexão crítica do leitor.
7. Conclusão — O Artigo de Opinião como Instrumento de Formação Crítica
Escrever um artigo de opinião é um exercício de linguagem, de cidadania e de consciência histórica. Exige-se do autor não apenas habilidade com as palavras, mas também ética argumentativa, domínio conceitual e sensibilidade social. É por isso que esse gênero ocupa um lugar de destaque tanto na prática jornalística quanto na formação escolar e universitária.
Dominar a escrita opinativa contribui para:
desenvolver a capacidade crítica e argumentativa;
dialogar com diferentes pontos de vista;
intervir na esfera pública com responsabilidade;
combater a desinformação e fortalecer a democracia.
Seja em um jornal, em uma rede social, em um blog educacional ou em um concurso público, o artigo de opinião continuará a ser uma das formas mais poderosas de fazer valer a palavra — não como instrumento de imposição, mas de diálogo. E como nos lembra Paulo Freire (1996), “a palavra verdadeira, aquela que transforma o mundo, é também um ato de coragem”.
Referências Bibliográficas
FIORIN, José Luiz. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Ática, 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GOHN, Maria da Glória. Cidadania, justiça e violência. São Paulo: Cortez, 2006.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2009.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
SEVERO, Renato Janine. Ética. São Paulo: Publifolha, 2014.