Competências e habilidades da BNCC e o ensino de Sociologia
Cristiano das Neves Bodart [1]
Introdução
Com a última reforma do ensino médio, determinada pela nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017) e orientada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC/EM), aprovada em 17 de dezembro de 2018, muitos professores e professoras de Sociologia – mas não só – se depararam com duas questões: a) o que são Competências e Habilidades?; b) como elas devem ser integradas/consideradas no ensino de Sociologia? Neste texto, busco colaborar para que essas dúvidas sejam mitigadas; o que faço buscando ser objetivo e claro – sob o risco de ser simplista, reconheço.
Não adentraremos às críticas possíveis e necessárias à BNCC (BRASIL, 2018), o que já fizemos em outros lugares (AQUI). Nos propomos apresentar como esses dois conceitos – Competência e Habilidade – são operados no referido documento.
É importante considerar suas coisas: a) tanto as Competências, quanto as habilidades apresentadas na BNCC, são objetivos de aprendizagem a serem promovidas na prática de ensino-aprendizagem; b) são complementares no processo educativo.
Sendo intencionalidades educativas devem estar presentes no planejamento e na execução de todas as aulas. São elas que nortearão toda a prática docente. A BNCC traz Competências Gerais para todo o ensino médio, bem como competências específicas para cada área de ensino. Lembre-se, cada Competência relaciona-se a um conjunto de habilidades.
O que são Habilidades no contexto da BNCC?
As habilidades, no contexto da BNCC, são entendidas como ações (cognitivas ou práticas) a serem aprendidas pelos(as) estudantes. Por serem ações, estão sempre associadas a verbos, tais como: classificar, apontar, reconhecer, descrever, planejar, compreender, comparar, construir, categorizar, escrever, apresentar, demonstrar e operacionalizar. Em geral, as habilidades são promovidas de maneira que se associem umas às outras, possibilitando o desenvolvimento de Competências. Há uma preocupação de que as Competências se relacionem às etapas de desenvolvimento cognitivo, por isso as Competências são diferentes para cada etapa do ensino básico.
É importante que as habilidades sejam promovidas pelo(a) docente de forma crescente/progressiva: da mais simples à mais complexa. Ou, em alguns casos, quando o desenvolvimento de uma habilidade depende de uma anterior, por exemplo: só é possível desenvolver a habilidade de gravar um podcast, se antes outras habilidades tenham sido desenvolvidas, tais como saber usar o programa de gravação, selecionar conteúdos, elaborar roteiro, etc.
O que são Competências no contexto da BNCC?
Vamos encontrar na BNCC, a definição de Competência da seguinte maneira:
[…] a mobilização de conceitos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 9).
Note que não há Competência sem o desenvolvimento de Habilidades. Para o desenvolvimento das Competências é necessário desenvolver determinadas habilidades. Por exemplo, para que haja a Competência na obtenção de conhecimento qualificado por meio do uso das redes sociais, serão necessárias diversas habilidades, tais como: manusear o equipamento eletrônico, acessar informações, categorizar os tipos de informações, avaliar a qualidade da informação, comparar informações, analisar criticamente o que é encontrado e reconhecer fakenews. Ou seja, a Competência depende da capacidade de mobilizar recursos, conhecimentos ou vivências para atuar na vida real/cotidiana de forma consciente e crítica.
Imagem 1 – Composição da Competência no contexto da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018).
Fonte: Produção de Roniel Sampaio-Silva.
A Imagem 1 nos possibilita entender melhor a composição da Competência como trazida pela BNCC. Notamos a necessidade do desenvolvimento de uma atitude que envolve conhecimento, habilidades e atitudes.
As Competências e Habilidades da BNCC e o ensino de Sociologia
É notório que as Competências da BNCC, sejam elas gerais ou específicas, estão em forte diálogo com as potencialidades do ensino de Sociologia. Recentemente organizei/publiquei um livro sobre a importância do ensino das Ciências Humanas (BODART; ROGÉRIO, 2020), no qual juntamente com a professora Dra. Fernanda Feijó (Ufal), apresentamos como as potencialidades do ensino de Sociologia atendem plenamente as Competências e Habilidades presentes na BNCC – indo além delas, inclusive (BODART; FEIJÓ, 2020), como demonstrei também em um artigo publicado na CABECS (BODART, 2020).
Retomo a questão suscitada de como as Competências e Habilidades presentes na BNCC devem ser integradas/consideradas no ensino de Sociologia. Neste sentido, inicio dizendo que não há necessidade de muitos esforços, pois a proposta do ensino de Sociologia envolve tais intencionalidades educativas.
Pensando as Competências e habilidades no ensino de Sociologia
Para não estendermos demasiadamente este texto, vou apresentar um (01) exemplo de proposta de prática docente a ser desenvolvida a partir de Competência Específica 1 para a área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Vale lembrar que são, ao todo, seis competências para essa área.
Competência 1: Analisar processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos. Desse modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista. Tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica. |
Proposta:
Tema do ensino de Sociologia:
Movimentos Sociais.
Trabalhando no ensino de Sociologia a referida competência:
– Primeiro momento: apresentar os tipos de movimentos sociais, suas histórias, demandas e formas de atuação nos âmbitos local, regional, nacional e mundial. Isso pode ocorrer a partir de aula dialogada, expositiva, documentários, recortes de matérias jornalísticas, roda de entrevista com militantes, etc.
– Segundo momento: Expor aos estudantes, por meio de aula dialogada, algumas das principais teorias das Ciências Sociais que se voltam aos estudos dos movimentos sociais.
– Terceiro momento: orientar que os alunos pesquisem nos livros e na internet algum tipo de movimento social, explorando sua história, demandas, tipos de mobilizações (repertório) a fim de produzir um painel/mural com duas partes complementares: uma que apresente informações falsas (deixando claro que são falsas) que são divulgadas sobre o movimento social em questão e outra explicando porque aquelas informações são falsas, destacando o que é verdadeiro. Como alternativa ao mural pode ser produzido um perfil nas redes sociais (no Instagram ou no Facebook, por exemplo) com postagens (em forma de imagens acompanhadas à pequenos textos) que apresentem que seja resultado do exercício de encontrar informações, checá-las e divulgar o que é inverídico e o que é verdadeiro.
– Quarto momento: organização de uma roda de conversa para auto avaliação e avaliação coletiva do que foi produzido, como foi produzido e para que haja o compartilhamento da experiência da aprendizagem.
Note que a realização desses quatro momentos pode propiciar o desenvolvimento de diversas habilidades. Contudo, o(as) docente precisa sempre lembrar que o desenvolvimento de habilidades e, principalmente, competências é um processo demorado e não será desenvolvido em uma única aula. Por isso, é importante definir intencionalidades educativas e traçar planos de médio prazo para alcance de seus objetivos educacionais; o que reduz a possibilidade da disciplina ser fragmentária em suas direções.
Considerações finais
Note que a proposta/sugestão apresentada possibilita explorar os processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais que envolvem os movimentos sociais, isso nos âmbitos local, regional, nacional e mundial. Ao abordar a história dos movimentos sociais, permite-se considerar suas manifestações em diferentes tempos, como proposto na Competência 1 da BNCC.
Ao abordar os movimentos sociais a partir das teorias sociológicas (com os devidos cuidados de transposição didática) o(a) docente possibilita que haja uma pluralidade de abordagens. Ao propor que os(as) estudantes realizem a atividade em questão, sob a orientação docente, cria-se condições para que se posicionem criticamente em relação ao tema, o que se dará baseado em argumentos e fontes de natureza científica.
Referências Bibliográficas
BODART, Cristiano das Neves; FEIJÓ, Fernanda. A importância da Sociologia escolar: esclarecimentos necessários em tempo de obscurantismo. In. BODART, Cristiano das Neves; ROGÉRIO, Radamés de Mesquita (Orgs.). A importância do ensino das Ciências Humanas: Sociologia, Filosofia, História & Geografia. Maceió-AL: Editora Café com Sociologia, 2020.
BODART, Cristiano das Neves; FEIJÓ, Fernanda. As Ciências Sociais no Currículo do Ensino Médio Brasileiro. Rev. Espaço do Currículo, João Pessoa, v.13, n.2, p. 219-234, mai./ago. 2020. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rec/article/view/51194>. >. Acesso em: mar. 2021.
BODART, Cristiano das Neves; ROGÉRIO, Radamés de Mesquita (Orgs.). A importância do ensino das Ciências Humanas: Sociologia, Filosofia, História & Geografia. Maceió-AL: Editora Café com Sociologia, 2020.
BRASIL, Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, fev. 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13415.htm>. Acesso em: mar. 2021.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): Ensino Médio. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2018. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/docman/abril-2018-pdf/85121-bncc-ensino-medio/file>. Acesso em: mar. 2021.
Como citar este texto:
BODART, Cristiano das Neves. Competências e habilidades e o ensino de Sociologia escolar. Blog Café com Sociologia. mar. 2021. Disponível em:< https://cafecomsociologia.com/?competencias-habilidades-bncc-sociologia>.
[1] Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
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Sobre o livro citado do texto:
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