A Revista Café com Sociologia trás, além de ensaio, relato de experiência docente e análise sociológica de filme, o dossiê Ensino de Antropologia no Brasil (acessar a edição aqui). Segue a apresentação do ensaio:
Apresentação: Ensino de Antropologia no Brasil
Amurabi Oliveira (UFSC)[1]
Ceres Karam Brum (UFSM)[2]
O debate em torno do Ensino de Ciências Sociais tem sido fomentado nos últimos anos devido ao retorno da Sociologia no currículo escolar em nível nacional a partir de 2008, todavia deve-se chamar a atenção para o fato de que a reflexão sobre o ensino dessas ciências não é algo novo no Brasil, porém é profundamente descontínuo.
Um dos marcos para esse debate foi o Symposium sobre o Ensino de Sociologia e Etnologia, que ocorrera em 1949, promovido pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, e que apesar do nome possuía uma forte orientação antropológica em seu programa, como atesta o depoimento de uma de suas egressas:
Um dos marcos para esse debate foi o Symposium sobre o Ensino de Sociologia e Etnologia, que ocorrera em 1949, promovido pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, e que apesar do nome possuía uma forte orientação antropológica em seu programa, como atesta o depoimento de uma de suas egressas:
Penso que a gente recebia um ensino de primeira qualidade. Fora Durkheim, que era ensinado por Emilio Willems, ensinava-se uma matéria chamada Ecologia Humana a partir da Escola de Chicago. Pierson dava um autor sueco, Gunnar Myrdal. Agora, pensando melhor, acho que a escola era mais de antropologia que de sociologia.
Tenho a impressão que era mais voltada para esse lado; de política também tinha pouco, apesar de termos História da Política.
Tenho a impressão que era mais voltada para esse lado; de política também tinha pouco, apesar de termos História da Política.
As disciplinas de antropologia eram mais fortes. Líamos a escola funcionalista, Radcliffe-Brown, tínhamos Antropologia Cultural, dada pelo Octávio Eduardo da Costa, e também havia toda a parte da antropologia física, que eu também não sei mais como é que se chama hoje em dia. (Farkas, 2009, p. 193 [grifo nosso])
Vale destacar ainda o seminal trabalho de Eunice Durham e Ruth Cardoso (1961) que apontava para os problemas presentes no Ensino de Antropologia nos cursos de graduação no país, e que fora escrito num momento bastante oportuno, tendo em vista que se tratava do período no qual ocorreu uma significativa expansão dos cursos de Ciências Sociais no Brasil (LIEDKE FILHO, 2005).
Não podemos olvidar aqui duas questões de suma importância: 1ª) que a antropologia se constituiu ma tradição intelectual brasileira dentro do que se convencionou denominar de Ciências Sociais, de tal modo que a formação em nível de graduação existente para os antropólogos no país ainda se dá prioritariamente nesses cursos, que só surgiram a partir dos anos de 1930 do século XX[3], ainda que tenhamos tido precursores do pensamento antropológico em período anterior, incluindo tanto alguns que se formaram intelectualmente dentro de um autodidatismo, como fora o caso de Nina Rodrigues (1862-1906), como outros que realizaram cursos de pós-graduação fora do país, o que era mais raro, como no caso de Gilberto Freyre (1900-1987); 2ª) durante um longo período houve uma parca divisão disciplinar entre as Ciências Sociais, de tal modo que Peirano (2006) chega a afirmar que a Antropologia se desenvolveu inicialmente como uma “costela” da Sociologia, não à toa, muitos trabalhos antropológicos eram realizados junto aos Departamentos de Sociologia, é emblemático o caso de Antônio Cândido que ao defender sua tese de Doutorado intitulada Os Parceiros do Rio Bonito em 1954, não obteve nota máxima tendo em vista que um dos examinadores, o professor Roger Bastide (1898-1974), compreendeu que aquele não era um trabalho de Sociologia, mas que possuía um caráter antropológico. Nesse período inicial apenas alguns poucos brasileiros fizeram estudos disciplinares na Antropologia, o que demandava estudos no exterior, como fora o caso de René Ribeiro (1914-1990) que em 1947 tornou-se mestre em Antropologia pela Nortwestern University nos Estados Unidos.
Com o advento das pós-graduações no final dos anos de 1960 o cenário complexifica-se ainda mais, pois passam a surgir novas demandas, e pela primeira tem-se um espaço mais claramente delimitado para a discussão disciplinar sobre o Ensino de Antropologia no Brasil, ligado necessariamente ao campo da pesquisa. É oportuno rememorar ainda que o Brasil já contava a este tempo com uma associação científica voltada para essa ciência, a Associação Brasileira de Antropologia fora fundada em 1953.
No decorrer das décadas seguintes observamos a expansão quantitativa das pós-graduações (RUBIM, 1996), bem como dos cursos de graduação, ainda que a licenciatura não tenha tido espaço privilegiado nesse momento, talvez pela ausência das Ciências Sociais de forma disciplinar no currículo escolar ao menos desde 1942, como reflexo da reforma educacional que fora conduzida por Gustavo Capanema (1900-1985).
Considerando o campo da Antropologia no Brasil e seus desdobramentos, Rial (2014, p. 67-68) realiza a seguinte análise do momento atual:
Numa época que coincide em outros países, com uma retração institucional da Antropologia, como é o caso na França, onde os colegas antropólogos estão perdendo seus departamentos antes exclusivos e sendo obrigados a se alojarem em departamentos de História ou de Sociologia. Aqui, observamos o contrario: não só a Antropologia cresce nas pós-graduações, como também na graduação, com os novos cursos de Bacharelado de Antropologia. Historicamente, a formação de Antropologia na graduação ocorria nos cursos de Ciências Sociais, onde dividíamos espaço com a Sociologia e a Política. Estas novas inserções acadêmicas não retiraram os antropólogos dos cursos de Ciências Sociais, cujas “cátedras” continuamos dividindo com Sociólogos e Cientistas Políticos. Porém, além da abertura de novos cursos exclusivos de Antropologia, retoma-se o diálogo que havia sido perdido com os Museus, área que cresceu enormemente no campo da antropologia brasileira, através de cursos de graduação de Museologia e de uma forte presença no interior de instituições estatais que lidam com museus, como é o caso do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (iphan) e do Instituto Brasileiro de Museus (ibram).
Esta mudança de cenário trouxe certamente novas preocupações para a Antropologia brasileira, o que inclui o debate sobre seu ensino, e ainda que a educação não ocupe um espaço central na agenda de pesquisa da Antropologia brasileira em nível de pós-graduação (OLIVEIRA, 2015), há que se ressaltar que a questão do ensino nunca fugiu completamente do horizonte da comunidade científica de antropólogos brasileiros, e que certamente tal temática ganha mais notoriedade a partir de então, não à toa, em 2004 é criada a Comissão de Ensino de Antropologia junto à ABA (GROSSI, 2006), que posteriormente se transforma numa comissão mais ampla, de “Educação, Ciência e Tecnologia”.
Visando contribuir para essa discussão, considerando principalmente as particularidades emergentes com o ensino de Sociologia nas escolas, que de algum modo visa congregar o Ensino das Ciências Sociais na Educação Básica – ainda que possamos problematizar a equidade da participação dessas ciências no currículo de Sociologia (OLIVEIRA, 2013) – propusemos para a 29ª Reunião Brasileira de Antropologia o Grupo de Trabalho “Aprender e Ensinar Antropologia”, que visava congregar uma ampla discussão sobre o Ensino de Antropologia nos diversos níveis de ensino e nos múltiplos espaços educativos, cujas atividades se articularam com o Simpósio Especial “O Ensino de Antropologia: expandindo fronteiras no século XXI”, coordenado pelas professoras Simoni Lahud Guedes e Christina de Rezende Rubim.
O presente número temático da revista Café com Sociologia é formado principalmente por trabalhos apresentados nesse GT, agregando ainda outros trabalhos afinados com este debate. Continue lendo AQUI
[1] Doutor em Sociologia (UFPE), Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), atuando em seu Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política.
[2] Doutora em Antropologia (UFRGS), Professora da Universidade Federal de Snata Maria (UFSM), atuando em seu Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.
[3] Os primeiros cursos criados foram os da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (1933), Universidade de São Paulo (1934), Universidade do Distrito Federal (1935), este último durou apenas um breve período, tendo em vista que em 1939 essa instituição teve suas atividades encerradas em 1939, ainda que parte de seu “espólio” tenha sido incorporado pela Universidade do Brasil criada em 1937.