Entrevista: Bourdieu e a juventude

A “JUVENTUDE” É APENAS UMA PALAVRA

Entrevista com Pierre Bourdieu 

 

Entrevista de Anne-Marie Métailié, publicada em Les Jeunes et le premier emploi, Paris, Association
des Ages, 1978.

 

 

P – Como o sociólogo aborda o problema dos jovens? – O reflexo profissional do sociólogo é lembrar que as divisões entre as idades são arbitrárias. É o paradoxo de Pareto dizendo que não se sabe em que idade começa a velhice, como não se sabe onde começa a riqueza. De fato, a fronteira entre a juventude e a velhice é um objeto de disputas em todas as sociedades. Por exemplo, há alguns anos li um artigo sobre as relações entre os jovens e os notáveis na Florença do século XVI que mostrava que os velhos propunham aos jovens uma ideologia da virilidade, da virtú e da violência, o que era uma maneira de se reservar a sabedoria, isto é, o poder: Da mesma forma, Georges Ouby mostra bem como, na Idade Média, os limites da juventude eram objeto de manipulação por parte dos detentores do patrimônio, cujo objetivo era manter em estado de juventude, isto é, de irresponsabilidade, os jovens nobres que poderiam pretender à sucessão em seu lugar.

Encontramos coisas muito semelhantes nos ditados e provérbios ou, mais simplesmente, nos estereótipos sobre a juventude, ou ainda na filosofia, de Platão e Alain que designava a cada idade uma paixão específica: à adolescência o amor, à idade madura a ambição. A representação ideológica da divisão entre jovens e velhos concede aos mais jovens coisas que fazem com que, em contrapartida, eles deixem muitas outras coisas aos mais velhos. Vemos isto muito bem no caso do esporte, por exemplo, no rugby, com a exaltação dos “bons rapazes”, dóceis brutaIhões dedicados à devoção obscura da posição de “avantes” que os dirigentes e os comentadores exaltam (“Seja forte e cale-se, não pense”). Esta estrutura, que é reencontrada em outros lugares (por exemplo, na relação entre os sexos) lembra que na divisão lógica entre os jovens e os velhos, trata-se do poder, da divisão (no sentido de repartição) dos poderes. As classificações por idade (más também por sexo, ou, é claro, por classe…) acabam sempre por impor limites e produzir uma ordem onde cada um deve se manter em relação à qual cada um deve se manter

 

P – O que você entende por velho? Os adultos? Os que estão na Produção? Ou a terceira idade? <enter>

– Quando digo jovens/velhos, tomo a relação em sua forma mais vazia. Somos sempre o jovem ou o velho de alguém. É por isto que os cortes, seja em classes de idade ou em gerações, variam inteiramente e são objeto de manipulações. Por exemplo, Nancy Munn, uma etnóloga, mostra que algumas sociedades da Austrália, a magia do rejuvenescimento que as mulheres velhas empregam para reencontrar a juventude é considerada como totalmente diabólica, porque perturba os limites entre as idades e não se sabe mais quem é jovem e quem é velho. O que quero lembrar é simplesmente que a juventude e a velhice não são dados, mas construídos socialmente na luta entre os jovens e os velhos. As relações entre a idade social e a idade biológica são muito complexas. Se comparássemos os jovens das diferentes frações da classe dominante, por exemplo, todos os alunos que entram na École Normale, na ENA, etc., no mesmo ano, veríamos que estes “jovens” possuem tanto mais dos atributos do adulto, do velho, do nobre, do notável, etc., quanto mais próximos se encontrarem do pólo do poder. Quando passamos dos intelectuais para os diretores-executivos, tudo aquilo que aparenta juventude, cabelos longos, jeans, etc., desaparece.

Cada campo, como mostrei a propósito da moda ou da produção artística e literária, possui suas leis específicas de envelhecimento: para saber como se recortam as gerações é preciso conhecer as leis específicas do funcionamento do campo, os objetos de luta e as divisões operadas por esta luta (“nouvelle vague”, “novo romance”, “novos filósofos”, “novos juízes”, etc.). Isto é muito banal, mas mostra que a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável; e que o fato de falar dos jovens como se fossem uma unidade social, um grupo constituído, dotado de interesses comuns, e relacionar estes interesses a uma idade definida biologicamente já constitui uma manipulação evidente. Seria preciso pelo menos analisar as diferenças entre as juventudes, ou, para encurtar, entre as duas juventudes. Por exemplo, poder ramos comparar sistematicamente as condições de vida, o mercado de trabalho, o orçamento do tempo, etc., dos “jovens” que já trabalham e dos adolescentes da mesma idade (biológica) que são estudantes: de um lado, as coerções do universo econômico real, apenas atenuadas pela solidariedade familiar; do outro, as facilidades de uma economia de

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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