Entrevista com Márlon Reis: uma das maiores referências em combate à corrupção no país*

Entrevista exclusiva concedida ao Blog Café com Sociologia em Fevereiro de 2016.

1-  (BCCS) Fale um pouco da sua história de vida e das suas motivações para  lutar contra a corrupção
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Desde a adolescência eu já me preocupava com temas políticos e sociais, mas comecei a adotar uma postura mais proativa durante a faculdade de Direito, que cursei na UFMA, em São Luís do Maranhão. Lá conheci muita gente com a qual me identifico até hoje. Fiz parte do movimento estudantil e me engajei como voluntário em algumas poucas campanhas eleitorais, o suficiente para me fazer ver de perto o quão duras são as eleições para quem não usa o clientelismo como método. Essas observações me levariam, anos mais tarde, já juiz de direito e afastado de temas partidários, a tentar fazer algo para melhorar a qualidade das normas eleitorais.
2-   (BCCS) Como surgiu a proposta a criação do MCCE? (movimento de combate a corrupção eleitoral).
Com a mobilização para a conquista da Lei nº 9.840/99, primeira lei de iniciativa popular aprovada no Brasil, surgiram alguns comitês formados por voluntários que se predispunham a difundir a nova legislação. Essa lei permitiu a cassação de pessoas descobertas an prática da compra de votos. Logo me aproximei desses grupos. Em 2002 propus que todos nos reuníssemos em uma só rede, que se denominaria Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, o MCCE. O nome foi ideia do Chico Whitaker, um dos líderes da conquista da lei contra a corrupção eleitoral e uma das minhas maiores referências humanas.
3-  (BCCS) Quais foram os desafios para a criação, discussão e aprovação da Lei da Ficha Limpa?
 O principal desfio foi mobilizar tantas pessoas. Poucos fazem ideia do que é organizar movimentos e organizações por todo o Brasil em busca de poio e assinaturas. Quem se predispõe a participar de um processo complexo como esse deve estar muito motivado e convencido das propostas. Conquistamos essa lei no Parlamento porque antes conquistamos o Brasil. No começo a comunidade jurídica via a iniciativa com desconfiança. Alguns temiam que houvesse limitação de direito. Mas logo fomos ganhando espaço nesse debate até finalmente conquista uma maioria expressiva na intelectualidade brasileira. Depois de conquistar a sociedade, chegou vez de disputar vírgula por vírgula do projeto no Congresso Nacional. Muito parlamentares tramaram contra a iniciativa popular, sendo Eduardo Cunha um dos maiores adversários do projeto de lei. Conseguimos vencer graças ao massivo apoio social e à presença na Câmara e no Senado de um número significativo de mandatários comprometidos com a sociedade. Faço questão de reafirmar, sempre que posso: não são todos iguais.
 
4-    (BCCS) Conte como foi a experiência de escrever o livro “O Nobre Deputado”. Quanto tempo demorou pra você conseguir levantar os dados para escrever o livro?
Realizei entrevistas abertas entre 2007 e o começo de 2014. Ouvi diretamente mais de uma dezena de pessoas que participam destacadamente da política, entre eles um ex-ministro de Estado, um senador e dois deputados federais. Os demais eram pessoas que ocupam posições menos destacadas nas campanhas eleitorais. Três deles realizam o trabalho “na ponta”, comprando apoio de lideranças e votos de eleitores. Não é fácil ouvir pessoas assim, cientes de que estão falando de assuntos tão perigosos, aceitando que tudo fosse gravado. Nas pesquisas para minha tese de doutorado em Sociologia Jurídica não consegui encontrar nenhum outro estudo que tenha conseguido fazer uso desse tipo de fontes.
5-  (BCCS) Você sofreu algum tipo de ameaça por militar contra a corrupção?
Várias vezes. No começo do meu envolvimento sofri muita perseguição por parte de integrantes do Poder Judiciário do Maranhão. Também sofri ameaças quando trabalhava numa pequena cidade do interior do Maranhão. Precisei andar sob escolta da Polícia Federal por um tempo. Ultimamente, fui perseguido pela Câmara dos Deputados, que abriu um procedimento contra mim no Conselho Nacional de Justiça em virtude da publicação de O Nobre Deputado.
6- (BCCS) Quais as principais estratégias de corrupção eleitoral e política no Brasil hoje?
O maior problema ainda é o clientelismo. Há uma cultura sobrevivente de mundanismo, que não está concentrado nas cidades menores e mais isoladas, como normalmente s imagina. Essa é uma verdadeira “ideologia” que alcança mesmo pessoas de estratos sociais mais elevados. Vê-se a política como algo que proporciona vantagens pessoais e as eleições como o memento em que isso se torna mais fácil e tentador. Se tiver que apontar o foco do problema, eu o situaria na contratação mercenária de apoio político. Paga-se pela obtenha de apoio político no Brasil. Isso ocorre a olhos vistos, embora a lei represa essa conduta. Isso torna quase impossível a eleição de lideranças populares autênticas, sufocando igualmente a representação das minorias.
7-   (BCCS) Qual a sua avaliação sobre a lei da ficha limpa depois de 6 anos da sua aprovação? Que balanço o senhor poderia fazer dela?
A aplicação da Lei da Ficha Limpa tem sido muito positiva. Muitos deixaram de apresentar suas candidaturas por causa da lei, cuja força maior pode ser testemunhada no âmbito dos Municípios. Mais de 1.200 pessoas já tiveram suas candidaturas rejeitadas com base na Lei da Ficha Limpa. Há alguns aspectos interpretativos em que podemos evoluir. A interpretação da norma é sempre uma disputa.
 
8-   (BCCS)  Quais os possíveis caminhos para combater a corrupção eleitoral? 
 Precisamos de uma Reforma Política digna desse nome, que aconteça como o coroamento de um amplo processo de debate público. Não podemos aceitar posições ditadas de cima para baixo quando o assunto é a qualidade da nossa democracia. Mudar as regras do jogo pode ajudar a mudar o comportamento dos competidores. Precisamos, por exemplo, substituir o individualismo pela atuação política coletiva. É fundamental democratizar os partidos e dotá-los de maior transparência.
 
9-    (BCCS) Como o senhor avalia o atual estágio da democracia no Brasil, em especial a representação partidária, as manifestações populares e outros mecanismos de participação popular na gestão pública?
Assistimos com entusiasmo as grandes manifestações, ao passo em que esperamos que as aspirantes sociais se canalizem para mudanças mais efetivas e duradouras. Uma coisa é possível perceber: a sociedade não acredita nas estruturas partidárias antigas e nas lideranças “tradicionais”. Todos estão sob desconfiança. Avalio que isso é a porta para o surgimento de novidades políticas nos próximos anos. Quem não souber ler o que está acontecendo ficará para trás.
10- (BCCS) Qual sua visão sobre o papel da mídia e da desconcentração dos monopólios midiáticos no combate a corrupção?
Já está havendo uma democratização dos fluxos informacionais. Os blogs, as redes sociais e o WhatsApp mudaram em muito as coisas. As informações são contrapostas de uma forma quase imediata. No Estado onde moro, quase toda a mídia convencional é de propriedade de uma só família e de seus aliados. Ainda assim sofreram um imenso revés eleitorais para o que muito colaboraram as mídias sociais.
 
11- (BCCS) O que fala no Brasil para avançar e combater com mais eficiência a corrupção eleitoral?
Como disse, precisamos de uma Reforma Política construída de forma democrática. Estamos presentando um projeto ao debate na sociedade brasileira, uma iniciativa popular para qual já coletamos mais de 800 mil assinaturas. Ele pode ser conhecido em www.reformapoliticademocratica.org.br
 
12- (BCCS) Na sua opinião a proibição do financiamento empresarial de campanha vai trazer avanços no sentido de tornar mais democrático o processo eleitoral?
Não tenho dúvidas de que sim. Não podíamos tolerar uma situação já identificada como prejudicial ao País. Não há doação empresarial, há suborno legalizado, como recentemente afirmou Jimmy Carter. Esse é um debate global. São os cidadãos  que devem promover a democracia, não as corporações.
*Márlon Reis é Juiz de Direito no Maranhão, doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidad de Zaragoza, Coordenador de acompanhamento da Reforma Política da Associação dos Magistrados Brasileiros, cofundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, um dos redatores da Lei da Ficha Limpa

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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