Habermas e a Constituição da União Europeia

 



Habermas e a Constituição da União Europeia

Por Cristiano das Neves Bodart
O objetivo desse texto é apresentar algumas considerações em torno de três obras do Filósofo alemão Jürgen Habermas, todas escritas no contexto de crise das instituições europeias (UE) (2000-2011).
Em 2001, Habermas publicou a obra “Eras das Transições” (traduzido para o português em 2003), onde deixou claro que as duas gerações envolvidas na construção da UE possuíam objetivos diferentes. Para ele, a primeira geração tinha por objetivo garantir a paz e integrar a Alemanhã que esteve sob tutela durantes anos. Essa geração conduziu a integração econômica sob segundo plano. A segunda geração buscou garantir a paz interna e integrar as democracias e o mercado/a economia.
Nessa mesma obra, Habermas aponta um diagnóstico que a sociedade não esteve muito interessada na criação da UE devido seu caráter meramente econômico. Para ele, a sociedade europeia buscava uma forma de vida unificada e não um mercado único. Habermas denunciava que a globalização não é um fenômeno natural, mas fruto de decisões políticas e econômicas, ou seja, produto de uma política intencional.
Para Habermas,

“[…] a União Européia apresenta-se como um megaespaço continental, densamente interconectado pelo mercado e pouco regulado verticalmente por aparelhos político-administratavios legitimados para tal” (2003, p. 117) .

Habermas defende que o papel do Estado deve ser combater os efeitos indesejáveis da globalização. Para ele, os problemas (efeitos negativos) devem ser combatidos em uma esfera para além das fronteiras dos Estados. Nesta obra afirmou que a Europa não possuía uma cosmovisão neoliberal, acreditando que trata-se de medidas regionalizada e delimitada à Europa. O tempo mostrou que ele estava errado nesse ponto.
Habermas defendia a criação de uma Constituição Europeia que tivesse como objetivo criar condições para ampliação da participação dos cidadãos na política. “O que precisamos é de uma constituição europeia”. Defendia, assim, que houvesse condições empíricas necessárias para a construção de uma constituição europeia produzida democraticamente. Para ele, era necessário primeiramente a constituição de um DEMOS para depois ter-se um FOLK. Para ele o Estado é uma criação e que precisaria criar uma cidadania europeia para criar uma espécie de “estado europeu”. Assim defendia a criação de: i) uma cidadania europeia; ii) impostos de nível europeu para dar mais autonomia a UE; iii) cultura política comum, mantendo orgulhos nacionais.
Para Habermas a cidadania, atualmente, não mais é expressão utilizada

“[…] apenas para definir a pertença a uma determinada organização estatal, mas também para caracterizar os direitos e deveres dos cidadãos […] O status do cidadão fixa especialmente os direitos democráticos dos quais o indivíduo lança mão reflexivamente, a fim de modificar sua situação jurídica material” (2003, p. 283).

Em 2008 Habermas publica sua obra “Ach, Europa. Kleine politische Schriften XI”. Nesse momento apresenta-se menos otimista. Afirma que o tratado de Lisboa foi um projeto de elite, excluindo os cidadãos. Por isso, a não aceitação popular desse novo tratado. Para ele, as decisões, erradamente, são tomadas por burocratas ou por chefe de estado e não pelo parlamento e com a participação social. Continua a defender que a Constituição Europeia deveria ser democraticamente constituída e que garanta a democratização, assim como, uma constituição finalité, ou seja, que defina os objetivos e as fronteiras da UE. Desta forma, Habermas volta a defender uma Constituição para a UE. Nesta obra, denuncia a tendência de criação de governos técnicos que rejeitam a participação social. Para ele não existe decisões técnicas como afirmam os governantes. Todas as decisões são políticas por existir alternativas, por tanto, passível de participação social.
Ainda nesta obra de 2008, Habermas defende um diálogo supra-estado, o que pode ocorrer por meio de troca de informação e opiniões via mídia de cada estado. Assim todos compartilham as opiniões de cidadãos de cada estado membro.
Em 2011, publicou “Zur Verfassung Europas: Ein Essay” (que foi, em 2012, traduzido e publicado pela editora Unesp). Nesta obra, o filósofo se apresenta mais otimista por acreditar que os déficits democráticos são superáveis. Nesse ensaio ele amplia sua análise para além da Europa, por se render a ideia do cosmopolismo democrático. A UE passa a ser vista por ele como um modelo para a uma sociedade mundial.
Para Habermas, o direito democrático possui uma força civilizadora e uma força racionalizadora (nota-se um influência weberiana em suas ideias). Tais forças podem produzir a “sociedade mundial”. Considera que a barbária seria entender as forças do mercado como forças naturais, defendendo mais uma fez que tratam-se de forças políticas pautadas em escolhas. Para ele, ou a Europa toma o caminho da democratização ou o caminho para a barbária.
Nesta obra, é marcante dois conceitos: i) soberania nacional; ii) soberania popular. Aponta que só é possível uma soberania nacional ou regional (no caso a UE) se houver primeiramente soberania popular, se a vontade e as decisões do povo forem respeitadas. Se houver, afirma, uma soberania popular em nível regional, será possível construir uma soberania transnacional para a UE.
Habermas volta nesta obra a defender a necessidade de reduzir a distância entre as instituições e os cidadãos. Para o alemão deve haver uma esfera pública marcada por uma incorporação da opinião pública. O parlamento não pode se fechar, mas incorporar e dialogar com o que está a sua volta (sociedade civil), não sendo possível uma democratização europeia sem uma esfera pública.
Por fim, o filósofo alemão, aponta que ver avanços no sentido de se criar uma identidade europeia que reconhece as subjetividades particulares.
Certamente este pequeno esboço das três obras habermasianas em torno da constituição da UE é demasiadamente superficial, tendo por objetivo apenas apresentar um rápido panorama de suas posições e aguçar o interesse do leitor por um filósofo que merece ser lido, relido, discutido e rediscutido.

 

[…] a dignidade humana … é a ‘fonte’ moral da qual os direitos fundamentais extraem seu conteúdo. (HABERMAS, 2008, p. 10-1)

Referências
HABERMAS, Jürgen. Era das transições. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
__________________. Direito e democracia : entre facticidade e validade, volume II. 2. ed. Rio  de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
__________________. Ach, Europa. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2008.
__________________. Sobre a Constituição da Europa. São Paulo: UNESP, 2012.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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