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História e etnologia: Totalidades e particularidades de duas ciências complementares[resenha]

História e etnologia é uma obra do antropólogo Francês Lévi-Strauss que discute conceitos importantes como diacronia, sincronia etc. Nesta resenha de Lucas Barroso[1] você terá mais detalhes.

 

LÉVI-STRAUSS, Claude. “História e etnologia”. In: ____________. Antropologia estrutural. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2008. cap. 1. pp. 13-40.

Publicado pela primeira vez em 1949 na Revue de Métaphysique et de Morale (nº 54) e sendo o capítulo introdutório da coletânea Antropologia Estrutural, o ensaio “História e Etnologia” (original: Histoire et Ethnologie, em francês) de Claude Lévi-Strauss (1908-2009) visa estabelecer parâmetros para a pesquisa histórica e o trabalho antropológico (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 19), discutindo os impasses internos da Antropologia e apresentando as especificidades da até então recém-fundada corrente estruturalista (SCHWARCZ, 1999).

Responsável pelo “estudo das instituições consideradas como sistemas de representação” (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 14) e das análises das diferenças interculturais (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 27), a Antropologia Social se separou da História no século XIX, a partir do empreendimento resultante da interpretação evolucionista quando houve uma clara separação das sociedades ditas avançadas e primitivas (LE GOFF, 1977, p. 313). A partir desse momento, estudos autointitulados como antropológicos passaram a ser cada vez mais comuns no cenário das Ciências Humanas, fazendo com que antropólogos desenvolvessem diversas correntes, como as evolucionistas, as funcionalistas, as culturalistas, as estruturalistas e as interpretativas, por exemplo.

Dentre elas, desvinculando-se do funcionalismo generalista de Bronisław Malinowski (1884-1942), o estruturalismo de Lévi-Strauss propõe-se a estar ligado – mesmo que de forma parcial e superficial – ao método histórico, pois, de acordo com o autor no texto, é impossível “pretender reconstituir um passado cuja história não temos meios de atingir ou querer fazer a história de um presente sem passado” (2008, p. 15). Sobre essa discussão metodológica em específico, o antropólogo francês ainda afirma que os etnólogos e etnógrafos produzem documentações que podem servir ao trabalho dos historiadores (2008, p. 32) e vice-versa, o que demonstra uma convergência intrínseca entre tais produções científicas. Além disso, Lévi-Strauss também propõe uma mobilização tanto de conceitos históricos quanto de processos psíquicos no fazer antropológico (2008, p. 19), propondo uma multidisciplinaridade na Antropologia. Dessa forma, segundo o autor, não faz sentido saber a atualidade de um povo sem analisar e bem compreender o desenvolvimento histórico que propiciou essa realidade (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 22).

Mesmo havendo uma clara dependência complementar nas duas disciplinas científicas, em “História e Etnologia”, Lévi-Strauss também se propõe a apresentar as particularidades e definições de cada uma. Segundo o autor, a diferença primordial entre elas é que “a história organiza seus dados em relação às expressões conscientes, e a etnologia, em relação às condições inconscientes da vida social” (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 32). Distinguindo principalmente pela “escolha de perspectivas complementares” (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 32), o caráter concreto ou simbólico dos fenômenos seria o grande diferencial de tais disciplinas, segundo o antropólogo. Em relação a esse último, os aspectos inconscientes seriam a ponte de afluência entre elas, posto que, enquanto preocupada em compreender o simbolismo presente nas sociedades, a história estaria indo em direção à antropologia (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 38).

Além disso, ao longo do texto, o autor refuta o evolucionismo clássico e sua corrente neo-evolucionista (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 16), afirmando a importância de uma “história detalhada” de um povo em oposição ao método especulativo utilizados pelos preceitos de Edward Tylor (1823-1917), por exemplo, e pelos difusionistas (LÉVI-STRAUSS, 2008, pp. 17-23). Sendo assim, para se desvincular dessas teorias metodológicas limitantes, o antropólogo reivindica os estudos de Franz Boas (1858-1942) e expõe seus pensamentos por meio dele e de seus sucessores, como Ruth Benedict (1887-1948) (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 19).

Dessa forma, mesmo caminhando para frente ou avançando em marcha ré (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 39), é fato que a etnologia e a história se influenciam mutuamente. Fundamentando o estruturalismo em contraste com o funcionalismo, Claude Lévi-Strauss, em seu ensaio “História e Etnologia”, reforçou a necessidade da “observação e análise de grupos humanos tomados em sua especificidade” (2008, p. 14). Buscando analisar as estruturas da mente humana a fim de evidenciar as estruturas sociais e os fenômenos conscientes, o autor valoriza uma metodologia indutiva que visasse compreender o simbólico a partir da plena restituição do modo de vida de cada grupo humano (LÉVI-STRAUSS, 2008, pp. 14-21). Partindo da busca pelo “conhecimento individual e concreto de grupos sociais localizados no espaço e no tempo”, o antropólogo acreditava que partindo da individualidade e da particularidade de um povo seria possível construir uma história total e abrangente (LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 21). Desse modo, visando romper com a limitação de outras correntes antropológicas e recusando a restrição ao instante presente da vida de uma sociedade, Lévi-Strauss afirma que “tudo é história” e, por tudo ser história, a nova antropologia estruturalista também assim seria (2008, p. 26).

 

REFERÊNCIAS:

BLOCH, Marc. “A História, os homens e o tempo”. In: ____________. Apologia da história ou o ofício do historiador. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. cap. 1, pp. 54-55.

LE GOFF, Jacques. “Para uma antropologia histórica”. In: ____________. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Edições 70, 1977. cap. 4. pp. 311-323.

LÉVI-STRAUSS, Claude. “História e etnologia”. In: ____________. Antropologia estrutural. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2008. cap. 1. pp. 13-40.

SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz. História e Etnologia. Lévi-Strauss e os embates em região de fronteira. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 42, n. 1-2, pp. 199-222, 1999. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/133464/131175. Acesso em: 08 fev. 2021.

[1] Bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciando em História pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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