Uma opção de utilizar música para trabalhar com o tema socialização e hábitos precários (conceito desenvolvido por Jessé Souza) é a música “Faroeste caboclo” de Legião Urbana.
ATENÇÃO: existem palavrões na música, por tanto não recomendável para crianças e adolescentes.
A partir da música é possível levantar as seguintes questões:
- O contexto social que se desenvolve a criança determina (Durhkeim) ou influencia (Weber) a formação da personalidade?
- As questões sociais (marginalização) influenciam no comportamento dos indivíduos?
- É possível notar uma distância social da burguesia em relação aos personagens da música? Isso ocorre na vida real?
Abaixo letra e áudio da música (em formato de vídeo e texto):
Faroeste Caboclo
Renato Russo
-Não tinha medo, o tal João de Santo Cristo,
Era o que todos diziam quando ele se perdeu.
Deixou pra trás todo o marasmo da fazenda
Só pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu.
Quando criança só pensava em ser bandido,
Ainda mais quando com um tiro de um soldado o pai morreu
Era o terror da cercania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu.
Ia pra igreja só pra roubar o dinheiro
Que as velhinhas colocavam na caixinha do altar.
Sentia mesmo que era mesmo diferente
E sentia que aquilo ali não era o seu lugar
Ele queria sair para ver o mar
E as coisas que ele via na televisão
Juntou dinheiro para poder viajar
E de escolha própria, escolheu a solidão
Comia todas as menininhas da cidade
De tanto brincar de médico, aos doze era professor.
Aos quinze foi mandado para o reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror.
Não entendia como a vida funcionava –
Discriminação por causa de sua classe ou sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem, foi direto a Salvador.
E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou com um boiadeiro com quem foi falar
o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagem
Mas João foi lhe salvar.
Dizia ele: – Estou indo pra Brasília,
Neste país lugar melhor não há.
Estou precisando visitar a minha filha
Então fico aqui e você vai no meu lugar.
E João aceitou sua proposta e num ônibus entrou no Planalto Central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal.
– Meu Deus, que cidade linda,
No ano-novo eu começo a trabalhar.
Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro
Ganhava cem mil por mês em Taguatinga.
Na sexta-feira ia pra zona da cidade
Gastar todo seu dinheiro de rapaz trabalhador
E conhecia muita gente interessante
Até um neto bastardo do seu bisavô:
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar.
E o Santo Cristo até a morte trabalhava
Mas o dinheiro não dava pra ele se alimentar
E ouvia às sete horas o noticiário
Que sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
Mas ele não queria mas conversa e decidiu que,
Como Pablo, ele ia se virar
Elaborou mais uma vez seu plano santo
E, sem ser crucificado, a plantação foi começar.
Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade:
– Tem bagulho bom aí!
E João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos traficantes dali.
Fez amigos, freqüentava a Asa Norte
E ia pra festa de rock, pra se libertar
Mas de repente, sob uma má influência dos Boyzinhos da cidade
Começou a roubar.
Já no primeiro roubo ele dançou
E pro inferno ele foi pela primeira vez
Violência e estupro do seu corpo
– Vocês vão ver, eu vou pegar vocês.
Agora o Santo Cristo era bandido
Destemido e temido no Distrito Federal.
Não tinha nenhum medo de polícia
Capitão ou traficante, playboy ou general.
Foi quando conheceu uma menina
E de todos seus pecados ele se arrependeu.
Maria Lúcia era uma menina linda
E o coração dele
Pra ela o Santo Cristo prometeu
Ele dizia que queria se casar
E carpinteiro ele voltou a ser
– Maria Lúcia pra sempre eu vou te amar
E um filho com você eu quero ter.
O tempo passa e um dia vem à porta um senhor de alta classe com dinheiro na mão
E ele faz uma proposta indecorosa e diz que quer uma resposta
Uma resposta de João:
– Não boto bomba em banca de jornal nem em colégio de criança
Isso eu não faço não
E não protejo general de dez estrelas, que fica atrás da mesa
Com o ### na mão.
E é melhor o senhor sair da minha casa
Nunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião.
Mas antes de sair com ódio no olhar o velho disse:
– Você perdeu sua vida meu irmão.
Você perdeu a sua vida meu irmão. Você perdeu a sua vida meu irmão.
Essa palavras vão entrar no coração
E eu vou sofrer as conseqüências como um cão.
Não é que o Santo Cristo estava certo
E seu futuro era incerto e ele não foi trabalhar
Se embebedou e no meio da bebedeira descobriu que tinha outro
Trabalhado em seu lugar
Falou com Pablo que queria um parceiro
E também tinha dinheiro e queria se armar
Pablo trazia o contrabando da Bolívia e Santo Cristo revendia em Planaltina.
Mas acontece que um tal de Jeremias, traficante de renome
Apareceu por lá,
Ficou sabendo dos planos de Santo Cristo
E decidiu que com João ele ia acabar.
Mas Pablo trouxe uma Winchester-22
E o Santo Cristo já sabia atirar
E decidiu usar a arma só depois
Que o Jeremias começasse a brigar.
(O Jeremias, maconheiro sem-vergonha, organizou a Rockonha
E fez todo mundo dançar.)
Desvirginava mocinhas inocentes
E dizia que era crente mas não sabia rezar.
E Santo Cristo há muito não ia pra casa
E a saudade começou a apertar
– Eu vou embora, eu vou ver Maria Lúcia
Já tá em tempo da gente se casar.
Chegando em casa então ele chorou
E pro inferno ele foi pela segunda vez
Com Maria Lúcia, Jeremias se casou
E um filho nela ele fez.
Santo Cristo era só ódio por dentro e então o Jeremias pra um duelo ele chamou
Amanhã às duas hora na Ceilândia, em frente ao lote 14, é pra lá que eu vou
E você pode escolher as suas armas que eu acabo mesmo com você, seu porco traidor
E mato também Maria Lúcia, aquela menina falsa pra que jurei o meu amor
Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter na televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora e o local e a razão.
No sábado então, às duas horas, todo povo
Sem demora foi lá só pra assistir
Um homem que atirava pelas costas
E acertou o Santo Cristo começou a sorrir.
Sentido o sangue na garganta,
João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudir
E olhou pro sorveteiro e pras câmeras e
A gente da TV que filmava tudo ali.
E se lembrou de quando era uma criança e de tudo que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
– Se a via-crucis virou circo, estou aqui.
E nisso o sol cegou seus olhos e então Maria Lúcia ele reconheceu
Ela trazia a Winchester-22
A arma que seu primo Pablo lhe deu.
– Jeremias, eu sou homem, coisa que você não é.
E não atiro pelas costas não.
Olha pra cá filha da puta, sem-vergonha,
Dá uma olhada no meu sangue
E vem sentir o teu perdão.
E Santo Cristo com a Winchester-22
Deu cinco tiros no bandido traidor
Maria Lúcia se arrependeu depois
E morreu junto com João, seu protetor.
E o povo declarava que João de Santo Cristo era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade não acreditou na história que eles viram na TV
E o João não conseguiu o que queria quando veio pra Brasília, com o diabo ter
Ele queria era falar pro presidente
Pra ajudar toda essa gente
Que só faz sofrer.