Normas sociais: entre coesão social e dominação
Cristiano das Neves Bodart1
Uma das tarefas mais importantes da Sociologia tem sido explicar o que torna possível vivermos em coletividade e formarmos sociedades. Dentre os esforços empreendidos vamos encontrar sociólogos que se dedicam a pensar o papel das normas sociais. Contudo, as respostas apresentadas, embora partindo de uma matriz comum, a presença da coercitividade, apontam perspectivas diferentes. Para exemplificar, tomemos as contribuições de autores como Émile Durkheim (1858-1917), Parsons (1902-1979), Karl Marx (1818-1883) e Michel Foucault (1926-1984).
A coerção social é um conceito que também possui variadas perspectivas científicas, estando associado as noções de repressão, controle, dominação, constrangimentos, orientação, controle, etc. (Pereira, 2021). As normas sociais para terem funcionalidades dependem da sua capacidade de coerção social, que pode ocorrer a partir da força física ou simbólica.
Em síntese, as normas são regras socialmente estabelecidas, constituindo-se em expectativas que orientam o comportamento dos indivíduos dentro de um grupo, o que faz por meio da coerção social. Elas podem ser explícitas ou implícitas, ou seja, estarem expressas em placas, cartazes, manuais, etc., ou simplesmente serem conhecidas por todo o grupo sem que se fale delas – geralmente desdobramentos de outras normas explícitas. Por exemplo, estando explicitamente estabelecido que não é permitido entrar em uma igreja católica sem camisa, fica implicitamente compreendido que também não se pode entrar no mesmo local com uma revista com conteúdos pornográficos.
Nas sociedades complexas, existe uma tendência das normas serem legitimadas pelo Estado, tornando-se códigos sociais. O código social é um tipo de norma, sendo conjuntos mais amplos de normativas juridicamente instituídas. Os exemplos mais conhecidos de códigos sociais são a Constituição e o Código Civil. Tanto normas quanto códigos preveem coerções e punições aos infratores, isso porque a matriz comum é a presença da coercitividade, como afirmado.
Sendo as funções das normas interpretadas divergentemente, vamos aqui centrar nossa atenção aos extremos. De um lado, encontramos pensadores que entendem as normas como um mecanismo social importante para a manutenção da harmonia social, evitando conflitos que podem desintegrar a sociedade. Dentre eles está Durkheim e Parsons. Por outro lado, identificamos figuras como Marx e Foucault que entendem as normas como meios de dominação e manutenção do status quo.
A perspectiva conservadora
Numa perspectiva conservadora, as normas e os códigos devem ser observados para que a vida coletiva seja possível. Trata-se de um “contrato social” que visa garantir a ordem. Sociólogos como Émile Durkheim e Talcott Parsons dedicaram-se ao estudo das normas sociais. Vamos notar que Durkheim (1999), por exemplo, via as normas como elementos essenciais para a coesão social, argumentando que elas são parte integral da “consciência coletiva” que une membros de uma sociedade. Ele afirmava que sem normas compartilhadas, a sociedade se desintegraria em um estado de anomia, onde a falta de expectativas claras levaria ao desregramento e ao conflito. Parsons (2011), por sua vez, analisou como as normas funcionam dentro de sistemas sociais, enfatizando o papel da socialização na internalização dessas normas pelos indivíduos, o que permite a estabilidade e a previsibilidade das interações sociais.
A perspectiva crítica
No pensamento sociológico crítico, as normas e códigos são entendidos como regulamentos que visam à proteção da propriedade privada e à manutenção do status quo estabelecido pela Revolução Burguesa que estabeleceu o Estado Moderno, fiel representante da burguesia. Visando garantir a manutenção do poder político e econômico, normas e códigos sociais são estabelecidos de cima para baixo, segundo os interesses burgueses. Michel Foucault (2014) destacou que as normas são frequentemente utilizadas para exercer poder e controle social, moldando não apenas as ações mas também os pensamentos e desejos dos indivíduos. Na sociedade gerida pelo Estado burguês, a polícia, o judiciário e o legislativo estarão sempre a serviço da manutenção da ordem, favorecendo os grupos dominantes. Quando os dominados questionam ou não obedecem às normas ou aos códigos, são duramente reprimidos, ao contrário do que ocorre quando o infrator pertence à elite política ou econômica. Karl Marx (2013) apontou que a manutenção dos privilégios burgueses, especialmente a exploração da forma de trabalho, depende de mecanismos de manipulação das ideias, levando a classe trabalhadora a acreditar que as normas são resultados de um contrato social que visa o bem coletivo, quando na verdade são mecanismos de controle.
Considerações finais
A análise das normas sociais sob diferentes perspectivas sociológicas revela a complexidade subjacente à sua função e significado dentro das sociedades. Enquanto alguns teóricos, como Émile Durkheim e Talcott Parsons, enfatizam o papel das normas na manutenção da coesão social e na prevenção de conflitos, outros, como Karl Marx e Michel Foucault, destacam sua utilização como instrumentos de dominação e controle, especialmente nas mãos das elites políticas e econômicas. Essa dicotomia entre a visão conservadora e crítica das normas reflete não apenas divergências teóricas, mas também diferentes agendas políticas e ideológicas que moldam as interpretações e aplicações das normas na prática social.
Ademais, a compreensão das normas como dispositivos sociais dinâmicos, sujeitos a contestações e reinterpretações ao longo do tempo, ressalta a importância de uma abordagem crítica e reflexiva nos estudos sociológicos das instituições e grupos sociais. O estudo das normas sociais continua a ser uma área dinâmica de investigação sociológica, oferecendo perspectivas variadas para pensarmos as dinâmicas das interações sociais.
Referências bibliográficas
DURKHEIM, Émile. Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. Petrópolis: Vozes, 2014.
PARSONS, Talcott. O Sistema Social. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
PEREIRA, Thiago Ingrassia. O que é coerção social? In: BODART, Cristiano das Neves. Conceitos e categoriais fundamentais do ensino de Sociologia. Maceiío: Editora Café com Sociologia. vol.1. 2021. p.53-56. [Coleção Conceitos e categoriais fundamentais do ensino das Ciências Sociais].
Dicas de atividades pedagógicas
Atividade 1: Debate em Grupo
Objetivo: Promover uma reflexão crítica sobre as diferentes perspectivas sociológicas em relação às normas sociais.
Instruções: Divida a turma em grupos e atribua a cada grupo uma das seguintes abordagens sociológicas apresentadas no texto: funcionalismo (Durkheim e Parsons) e teoria crítica (Marx e Foucault). Os grupos devem discutir as principais ideias dos autores atribuídos e elaborar argumentos para defender ou contestar suas visões sobre as normas sociais. Em seguida, promova um debate em sala de aula, onde os grupos apresentarão suas análises e responderão a perguntas dos colegas.
Atividade 2: Análise de Casos
Objetivo: Aplicar os conceitos discutidos no texto a situações do cotidiano.
Instruções: Apresente aos estudantes casos reais ou hipotéticos envolvendo questões relacionadas a normas sociais e sua aplicação na sociedade. Os casos podem incluir dilemas éticos, conflitos culturais ou situações de desvio de normas. Os estudantes devem analisar cada caso sob a perspectiva das diferentes teorias sociológicas discutidas no texto e discutir em grupos como cada abordagem explicaria o fenômeno em questão. Em seguida, compartilhem suas análises com a turma e debatam as diferentes interpretações.
Como citar este texto:
BODART, Cristiano das Neves. Normas sociais: entre coesão social e dominação. Blog Café com Sociologia, mai. 2023. Disponível em:
1 Doutor em Sociologia (USP). Docente do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). E-mail: cristianobodart@gmail.com