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Notas de Sociologia da Educação: contribuições para pensar as disputas pela Educação no Brasil

Cristiano das Neves Bodart[1]

A Educação é alvo de ininterruptas disputas políticas, por isso de grande interesse científico e social. Isso acontece por ser ela um importante recurso para a instrumentalização política da sociedade ou de parte dela. Por instrumentalização política me refiro à prática de utilizá-la com fins de induzir a conformação/transformação da sociedade de acordo com interesses coletivos ou individuais, seja para a emancipação humana ou para sua destruição, como destacou Adorno (2021[1967]).

Sociologia e Educação

A Sociologia da Educação, subárea da Sociologia, assume a Educação como objeto de estudo na intenção de compreender, entre outras coisas, o desenvolvimento de concepções de Educação e sua instrumentalização nas sociedades modernas (mas também em outras sociedades, embora com menor recorrência).

Autores clássicos, como Harriet Martineau (1802-1876), Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920), apresentaram importantes contribuições na elaboração de concepções de Educação, bem como para a sua compreensão fenomenológica, seus usos e objetivos. Tais autores continuam, em intensidades diferenciadas, influenciando entendimentos em torno da Educação.

A Sociologia da Educação se desenvolveu ao longo do século XX sob os ombros de importantes gigantes da Sociologia, especialmente de Marx, Durkheim e Weber. A menor influência de Martineau se explica inclusive pela forma como a Educação – também as Ciências – foi instrumentalizada nos últimos séculos. A Ciência, resultante do modelo societário patriarcal, proporciona condições diferenciadas de gênero no processo de produção, divulgação e consumo de conhecimentos, definindo o “lugar menor” ocupado por intelectuais mulheres.

Os três referidos teóricos influenciaram as gerações seguintes no modo de pensar a Educação, ainda que os confrontando ou prolongando suas reflexões. Muito do que se produziu na Sociologia da Educação tem amparo teórico ou conceitual nesses autores; o que os tornam “clássicos”. A definição de clássico está relacionada a uma obra, um conjunto de textos ou autor, o que varia de uma área para outra. Um clássico da música não o é na Sociologia da Educação e o inverso é verdadeiro. Um clássico são autores ou obras que são sempre fontes de inspirações, por isso, recorrentemente revisitados. Mas não só isso, o fato de suas contribuições estarem relativamente sempre atuais e válidas é um dos aspectos que os proporcionam esse status.

Teorias sociológicas e Educação contemporânea

O fato de indicarmos que Marx, Weber e Durkheim serem clássicos da Sociologia da Educação – embora Marx e Weber não tivesse escrito uma obra sobre o tema – baseia-se, antes de tudo, nas suas utilidades para pensarmos questões da Educação contemporânea. As concepções de Educação que normalmente encontramos hoje estão fundadas, em alguma medida, nesses três autores; ou em autores/as que desenvolveram suas teorias a partir deles, tal como Pierre Bourdieu (1930-2002).

Observando as principais concepções que rondam os debates educacionais brasileiros encontramos setores ou grupos cujas ideias dialogam direta ou indiretamente com autores clássicos ou contemporâneos da Sociologia da Educação.

Para alguns grupos sociais vinculados aos ideais de direita e de extrema-direita, a Educação é entendida como um recurso potencial para manter a ordem social, retransmitindo e fortalecendo as regras morais que fundamentam a estrutura social. Tal perspectiva se ancora, em alguma medida, na visão durkheimiana de Educação. Na outra ponta, há grupos de esquerda que entendem a Educação como um recurso burguês instrumentalizado para garantir a reprodução social, mantendo-se em condições de dominantes. Esta leitura é amparada principalmente na obra “Aparelhos ideológicos do Estado”, de Louis Althusser (2007[1970]) e nas interpretações dos conceitos marxianos de “ideologia” e “superestrutura”.

As disputas não se limitam a esses dois extremos. Há aqueles que veem na Educação uma forma de ascensão social. Nesse sentido, a Educação habilitaria os indivíduos a ingressar de forma qualificada no mercado (ou mundo) do trabalho. Para esses, a Educação é resultado da modernidade, já que o desenvolvimento do capitalismo demandou a qualificação da mão de obra, assim como a racionalização do processo de transmissão de conhecimento, como destacou Marx Weber.

Há, ainda, aqueles que a compreendem como um caminho (ou recurso) para a conscientização da existência das “amarras sociais”, o que permitiria a adoção de estratégias políticas de superação. Uma das principais referências desses grupos são as obras de Paulo Freire, pedagogo que vem influenciando a Sociologia da Educação. Dialogando com essa perspectiva, vamos encontrar aqueles que defendem a necessidade de tornar suas ideias amplamente aceitas e reconhecidas (hegemônicas), o que demandaria instrumentar a Educação para a formação de intelectuais produtores e divulgadores de ideias que os representem. Tal posicionamento é influenciado pelo pensador Antonio Gramsci (1891-1937).

É possível encontrar na sociedade, embora com menor presença, grupos que acreditam que a Educação seja resultante de um conjunto de arbitrário cultural que define o que deve ou não ser valorizado como “culto” ou “profissional”, definições que privilegiam algumas classes sociais em detrimento de outros, garantindo que a Educação seja um patrimônio (ou capital) cultural escasso, o que garante, segundo eles, seu valor. Em outros termos, a Educação formal seria um valor social e arbitrariamente definido e sua vulgarização (ou democratização) são garantiria inclusão social ou econômica a todos os indivíduos, já que seu valor está associado a escassez (BODART, 2021). Essa perspectiva tem forte influência das obras “A Reprodução” (2014[1979]) e “Os herdeiros”, (1992[1964]) ambas escritas por Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, importantes sociólogos franceses.

Sociologia e Educação contemporânea brasileira

A busca por compreensão dos interesses envolvendo essas ininterruptas disputas têm sido uma ação de diversos/as pesquisadores/as da Educação, da Sociologia da Educação, da Filosofia da Educação, entre outros. No Brasil contemporâneo, tal interesse está diretamente ligado as disputas curriculares que vêm se tornando cada vez mais polarizadas e abertas.

Nas últimas décadas o campo progressista – integrado principalmente por agentes sociais que veem a Educação como recurso de superação de opressões de classe, gênero, política, religiosa e raça – alcançou avanços importantes na esfera educacional brasileira, mais notadamente nos currículos escolares (maior distanciamento da pedagogia tradicional, inclusão de novos temas e abordagens, reintrodução obrigatória de importantes disciplinas, como Sociologia e Filosofia, etc.), na produção de obras didáticas (com superações importantes de silenciamentos e de estereótipos) e na formação de professores/as.

Contudo, tais conquistas foram insuficientes para garantir a manutenção de mudanças progressistas. Com a ascensão da extrema-direita, notadamente a partir do golpe parlamentar-midiático de 2016, o seu projeto político de combate ao que chamam de “marxismo cultural” passou a ter condições político-institucionais de ser posto em prática, sendo o currículo, a formação docente, os livros didáticos, as universidades e as escolas e os/as professores/as alvos desse programa. A obra Por que eles têm medo de Paulo Freire na escola? (BODART; MARCHIORI, 2022) retrata bem as motivações da extrema-direita em atacar as propostas progressistas para a Educação. Os debates em torno da educação ganharam maior publicização na sociedade, o que se explica, em alguma medida, por expressões agressivas de agentes públicos, mais especificamente por parte do presidente Jair Bolsonaro e seus ministros. Soma-se a isso, o fechamento de espaços de diálogo/debate, o cerceamento da participação de movimentos e grupos progressistas nas definições curriculares e a indiferença do governo em relação às críticas.

Importa destacar que tal projeto, capitaneado por agentes políticos e religiosos, se ancora em ideais neoliberais, conservadores e negacionistas que operaram nas dinâmicas maco e micropolítica, sentidas pelos/as professores/as desde as salas de aula. O exemplo de atuação mais emblemática desses grupos é o movimento “Escola Sem Partido”, o qual parte do pressuposto que a educação deve ser politicamente neutra.

É nesse contexto que a Sociologia da Educação ganha ainda mais relevo, já que as dinâmicas sociais em torno da Educação passam por uma efervescência marcada pelo pluralismo de concepções embasadas ou não nos contributos científicos. Certamente, recorrer aos clássicos (mas não só) é uma ação importante para compreendermos o momento atual.

Referências bibliográficas

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2021.

BODART, Cristiano das Neves; MARCHIORI, Cassiane Ramos. Por que eles têm medo de Paulo Freire na escola? Maceió: Editora Café com Sociologia, 2022.

BODART, Cristiano das Neves. O que é arbitrário cultural? In: BODART, Cristiano das Neves (Org.). Conceitos e categorias fundamentais do ensino de Sociologia, vol.1. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Florianópolis: Editora da UFSC, 2014.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. Sociologia da Educação: contributos para pensar as disputas pela Educação no Brasil. Blog Café com Sociologia. ago. 2022.

 

Nota:

[1] Doutor em Sociologia (USP). Docente do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). E-mail: cristianobodart@gmail.com

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Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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