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O cientista social é um intelectual?

Um cientista social é um intelectual?

Intelectual cientista

Um cientista social é um intelectual?

Cristiano das Neves Bodart

Um cientista social é um intelectual? Para uma aproximação a essa resposta, torna-se necessário uma segunda indagação: o que é um intelectual?

Tal questão não é mera retórica de autoajuda. Trata-se de uma reflexão – em sentido original. A palavra “reflexo” tem origem no latim. Formado pela junção de “RE” e “FLEXUS”. Em latim, “RE” significa “outra vez, novamente”, enquanto que FLEXUS, “dobrado, fletido, retornado”. A palavra “reflexo” diz respeito ao:

  1. desvio da direção de um tipo de energia (luminosa, sonora, etc.), ou;
  2. ao processo mental em que voltamos nosso pensamento ao assunto, ou ainda;
  3. ao fenômeno de desvio da luz (razão) ao assunto que queremos esclarecer (trazer a luz), no caso aqui a postura de um cientista social diante do mundo. Intelectual cientista

Primeiramente, é importante deixar claro que ser um cientista social não equivale a ser um intelectual, como alguns pensam e se intitulam. Se partirmos da definição de Gramsci, veremos que o intelectual independe de sua formação acadêmica, antes estaria ligado ao lugar ocupado no mundo social. Ser intelectual está relacionado a uma ação sobre o mundo social, à uma certa postura capaz de fazer a ligação entre a superestrutura e a infraestrutura.

Gramsci em sua obra “Materialismo histórico a à filosofia de Benedetto Croce”, de 1981, aponta que qualquer indivíduo pode ser um intelectual/filósofo:

É preciso destruir o julgamento de que a filosofia é algo sumamente difícil por ser a atividade intelectual própria de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. É preciso, portanto, demonstrar que todos os homens são filóso’fos’, e definir os limites e as características desta ‘filosofia espontânea’ própria de todos, isto é, a filosofia que nela está contida (GRAMSCI, 1981: 15).

Porém, para Gramsci o intelectual estaria ligado a uma classe, responsável por criar e disseminar a ideologia desta. Tal intelectual seria o que ele denominou de “intelectual orgânico”. Nome que faz, em alguma medida, analogia à manutenção do sistema da sociedade orgânica, no sentido durkheimiano.

Por outro lado, Sartre aponta a existência do intelectual engajado. Para ele o “intelectual verdadeiro” seria o revolucionário, enquanto que os reacionários seriam “intelectuais falsos”. Bobbio tece às definições de Sartre uma crítica ligada ao conteúdo ideológico-partidário existente.

Falsos são os que desempenham uma função que para Sartre é negativa, e é negativa unicamente porque não desempenham a função que segundo ele deveriam desempenhar. Assim, será o verdadeiro intelectual o revolucionário; falso o reacionário; verdadeiro será aquele que se engaja, falso, aquele que não se engaja e permanece fechado em sua torre de marfim (BOBBIO, 1997, p. 14).

Para Bobbio, o critério para definir o intelectual não é sua orientação ideológica, mas sua prática – seu engajamento. Mannheim, afirmava que a tarefa do intelectual é teórica e imediatamente política, pois cabia a ele elaborar síntese das ideologias existentes que dariam passagem às novas orientações políticas.

Foucault apontou, principalmente por meio de sua prática, que é necessário afastar-se dos poderes constituídos para poder realizar a crítica. De qualquer forma, o intelectual seria um indivíduo crítico, aquele que põe em crise as “verdades” estabelecidas. Mais ainda, aqueles que buscam pautar as discussões públicas, ainda que os temas já estejam ao alcance dos indivíduos.

[…] se designar os focos, denunciá-los, falar deles publicamente é uma luta, não é porque ninguém ainda tivera consciência disto, mas porque falar a esse respeito – forçar a rede de informação institucional, nomear, dizer quem fez o que fez designar o alvo – é uma primeira inversão de poder, é um primeiro passo para outras lutas contra o poder. Se discursos como, por exemplo, os dos detentos ou dos médicos de prisões são lutas, é porque eles confiscam, ao menos por um momento, o poder de falar da prisão, poder atualmente monopolizado pela administração e seus compadres reformadores (FOUCAULT, 2008, p. 75-76).

Retomamos a questão inicial: um cientista social é um intelectual? A resposta vem à medida que pensarmos, qual a sua posição social no mundo e seu papel?

Não queremos apresentar uma resposta – a qual certamente não temos de forma acabada –, mas apontar que ser intelectual nada tem haver com um diploma de cientista social ou coisa do gênero. A questão está no lugar e como você se coloca no mundo.

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora UNESP, 1997.

GRAMSCI, Antonio. Materialismo histórico e a filosofia de Benedetto Croce. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1981.

FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008

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Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. Um cientista social é um intelectual? Blog Café com Sociologia. abr. 2021. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/o-cientista-social-e-um-intelectua/

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