A antropologia cultural é uma vertente da antropologia, uma disciplina científica que busca estudar o ser humano e compreender como este pode levar vidas tão diferentes. A antropologia cultural é aquela vertente da antropologia que elegeu o fenômeno da cultura como aquele que melhor sintetiza o que é o ser humano, em geral considerado alguém que se diferencia dos animais justamente por conta da sua capacidade de produzir cultura.
Por Rodrigo Rougemont da Motta[1]
Contextualizando o surgimento da antropologia
Para falarmos de antropologia cultural é fundamental retornarmos ao surgimento da antropologia enquanto ciência. Autores como Edward Tylor, James Frazer, Lewis Morgan e Herbert Spencer foram considerados os primeiros antropólogos, interessados em compreender o homem e suas relações culturais. Todos esses autores nascidos no século XIX possuíam algo em comum: consideravam que as culturas europeias se encontravam no topo da escala evolutiva, e que todas as outras culturas que não europeias, estariam em situação de atraso nesta corrida. Apesar de serem autores que privilegiavam o estudo da cultura para entender o ser humano, estes acreditavam que havia uma única forma cultural legítima no planeta, e que todas as outras seriam culturas atrasadas, que estariam fadadas ao desaparecimento caso não fossem capazes de se adaptar ao modelo europeu. A cultura europeia era tida como o modelo ideal de civilização, e todas as outras eram consideradas culturas inferiores, e portanto não civilizadas.
Todos estes autores apesar de estudiosos da cultura, ficaram conhecidos como teóricos da chamada antropologia evolucionista. Isso porque apesar de reconhecerem a importância do estudo da cultura, não respeitavam a diversidade cultural das sociedades humanas, entendendo que a diversidade era apenas fruto da incapacidade de determinadas sociedades de alcançarem a única cultura considerada realmente legítima: a europeia. Neste caso, a diversidade era entendida como fruto de um fracasso, já que para estes autores todas as sociedades humanas deveriam atingir o mesmo modelo cultural.
Origem e consolidação da antropologia cultural
Embora o antropólogo britânico Edward Tylor tenha sido considerado por alguns o “pai fundador” da antropologia cultural, por ter sido o primeiro a dar uma definição formal ao conceito de cultura, ele ainda partilhava do ideal evolucionista que privilegiava apenas uma única cultura como legítima. É apenas a partir do antropólogo teuto-americano Franz Boas que de fato se inicia o que hoje entendemos por antropologia cultural. Ao contrário da visão etnocêntrica dos autores evolucionistas que colocavam a cultura europeia no centro do mundo e julgavam todas as culturas a partir desta, Boas vai substituir o conceito de “cultura” no singular, por “culturas” no plural. Para Boas era impossível falar em apenas uma única cultura, já que a humanidade seria formada por uma diversidade imensa de culturas. Boas é um dos principais expoentes do conceito de “relativismo cultural”, que vai defender que cada cultura possui sua luz própria, ou seja, suas especificidades e singularidades que são relativas ao contexto de cada uma. Ao contrário do etnocentrismo que elege uma única cultura como central, o relativismo cultural vai defender que para se compreender a cultura do outro é preciso olhar com os olhos do outro, e não com as lentes da sua própria cultura. O relativismo defende que as culturas são necessariamente diferentes, e que devem ser respeitadas na sua diversidade. Para o relativismo cultural é impossível hierarquizar culturas e definir que uma é superior à outra.
Tópicos do relativismo cultural
Outra questão fundamental do relativismo cultural é se colocar contra o determinismo biológico e o determinismo geográfico. Enquanto o determinismo biológico afirma que a personalidade de um povo é totalmente moldada por características genéticas e raciais, o determinismo geográfico defende que a geografia e o clima de um lugar definem completamente a personalidade daquele povo. Ideais racistas chegaram a defender que o negro era biologicamente alguém que nasceu dotado para a servidão, enquanto outros defendiam que o clima quente tornava um povo preguiçoso. Se pensarmos que o Brasil sempre foi um país quente e que a maioria dos primeiros antropólogos eram europeus, e que a Europa é um continente em sua maioria de clima frio, podemos claramente perceber como o determinismo biológico e o geográfico possuíam uma veia preconceituosa, de caráter racista e xenofóbico. Desta maneira, o relativismo cultural de Boas vai confrontar diretamente estes dois conceitos, demonstrando como as diferenças culturais não são algo determinado pela biologia ou pela geografia, mas sim pelo contexto e pelas relações singulares que estes grupos mantinham entre si. Enquanto estas formas de determinismo encontram uma explicação universal (a biologia ou o clima) para definir personalidade, o relativismo cultural demonstra como cada cultura possui aspectos particulares por conta da história particular de cada grupo social. Sendo assim, a antropologia cultural surge basicamente a partir dos estudos de Franz Boas nos Estados Unidos, defendendo que cada cultura deve ser pensada em sua singularidade e especificidade, e não a partir de um caráter abstrato de universalidade, que tenta se passar por científico, mas que no fundo apenas revela seu etnocentrismo e sua incapacidade de compreender o outro.
[1]Rodrigo Motta é mestre em Antropologia e Sociologia. Graduado em Ciências sociais. É professor do Instituto Federal do Piauí campus São Raimundo Nonato.
Referências
LAPLANTINE, F. Aprender Antropologia. 1a ed. São Paulo: Brasiliense, 1987, 205p.
CASTRO, C. Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, 08p.
Como citar este texto:
MOTTA, Rodrigo Rougemont. O que é Antropologia Cultural. Blog Café com Sociologia, dez. 2022. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/o-que-e-antropologia-cultural
Obrigado pela matéria, professor!
Saímos do Eurocentrismo para a americanização cultural. Traçaram uma linha de Ocidente, ao qual pertencem Europa + América do Norte + Austrália + Nova Zelândia.
Somos considerados latinos e “exóticos”… o preconceito continua, agora sobre um novo manto.
ABS
Obrigado pelo comentário.
Concordo com você.
que texto leve e prazeroso de ser lido, simplesmente incrível, professor, obrigado!