O que é casamento? O casamento, como instituição social, é alvo de análises aprofundadas nas perspectivas sociológicas e emocionais. Este artigo explora essas perspectivas teóricas, à luz das contribuições de autores como Kellerhals, Singly, Giddens e Berger e Kellner. O objetivo é fornecer uma visão abrangente do casamento, considerando como essa instituição se transformou ao longo do tempo e como sua compreensão reflete as mudanças sociais e culturais significativas.
Casamento como uma Instituição em Evolução
Ao longo do século XX, observamos mudanças substanciais nas relações familiares e na concepção do casamento. Duas figuras emergem como protagonistas desse cenário em constante transformação: as mulheres e o amor. As mulheres romperam com as limitações anteriormente impostas, demonstrando, a partir de diversas realidades sociais, sua autonomia e capacidade para além da maternidade. Passamos de uma visão que limitava as mulheres a condicionamentos biológicos para reconhecê-las como indivíduos com autonomia, responsáveis por suas ações. No entanto, esse processo de transformação ainda está em curso e não é isento de desafios e obstáculos.
Quanto ao amor, no século XX, testemunhamos uma transição do amor romântico do século XIX, como descrito por autores como Camilo, para uma ênfase na associação entre conjugalidade e sentimentos amorosos. O casamento por amor tornou-se uma solução para conflitos conjugais, considerado uma garantia contra desentendimentos. No entanto, a partir dos anos 1960, uma nova perspectiva emergiu, destacando que o amor, por si só, não é suficiente se limitado apenas ao início da relação. Agora, é fundamental que o amor e o entendimento mútuo perdurem ao longo de toda a relação. Essa mudança de perspectiva está intrinsecamente relacionada ao aumento das taxas de divórcio nas últimas décadas.
Diferentes Abordagens Teóricas sobre o Casamento
Existem várias abordagens teóricas para compreender o casamento, que variam desde aquelas que enfatizam a análise macro dos sistemas familiares até aquelas que se concentram nas dinâmicas internas e externas à instituição matrimonial. Autores como Parsons, Burgess e Kellerhals ofereceram diferentes interpretações sobre a função e a dinâmica do casamento na sociedade. Além disso, esses teóricos destacaram a influência das normas, valores, estratégias matrimoniais e reprodução social na compreensão do casamento.
Dimensões da Conjugalidade
A conjugalidade é uma construção social complexa que abrange diversas dimensões interligadas, moldando a natureza do casamento. Cinco dimensões se destacam na análise das relações matrimoniais:
- Recursos: A dimensão dos recursos refere-se à influência da partilha de recursos e despesas na vida conjugal. A entrada no casamento cria uma nova situação em termos de condições materiais, com impacto nas finanças do casal. Além disso, a chegada de filhos e as mudanças nas circunstâncias financeiras criam dinâmicas específicas que afetam as decisões e ações dos cônjuges. Essas mudanças no campo dos recursos podem ser relacionadas à ideia de “casamento por interesse”.
- Afetos: Esta dimensão abrange a esfera emocional do casamento, incluindo o amor, os sentimentos e a sexualidade. A influência dos aspectos emocionais na relação conjugal é um tópico recente de interesse na sociologia da família. Autores como Kellerhals foram pioneiros ao destacar a importância da escolha sentimental e amorosa na formação e sustentação do casamento. Esses sentimentos desempenham um papel crucial na tomada de decisões, na manutenção da relação e até na sua ruptura.
- Sentido e Identidade: A conjugalidade contribui para a produção de sentido na vida dos cônjuges. A relação com o cônjuge fornece validação e afirmação, influenciando a maneira como os indivíduos veem o mundo e constroem sua identidade pessoal e social. No entanto, a associação entre identidade e gênero pode criar tensões identitárias, especialmente entre o “eu” e o “nós-casal”.
- Gênero: A dimensão de gênero desempenha um papel crucial nas relações conjugais. As expectativas sociais para homens e mulheres variam em diferentes contextos e podem resultar em diferenças significativas na divisão do trabalho doméstico e das responsabilidades familiares. Essa dimensão de gênero pode resultar em assimetrias de poder e negociações sutis no casamento.
- Contexto: A conjugalidade é uma instituição social historicamente situada. Os valores, normas e orientações relacionadas ao casamento, à família e à sexualidade estão em constante evolução. As transformações sociais, como o aumento das taxas de divórcio e as mudanças nas normas de gênero, influenciam a maneira como as pessoas percebem e vivenciam o casamento. Além disso, essas transformações não são restritas a gerações mais jovens, afetando também casais mais antigos.
Considerações Finais
O casamento é uma instituição dinâmica que abrange uma variedade de dimensões sociológicas e emocionais. As mudanças sociais e culturais ao longo do século XX transformaram as expectativas e as dinâmicas do casamento, desafiando noções tradicionais e destacando a necessidade de uma abordagem multidimensional. A sociologia desempenha um papel fundamental na análise das relações familiares, fornecendo insights valiosos sobre as complexidades do casamento e da conjugalidade.
A compreensão do casamento como uma instituição em constante evolução, moldada por fatores sociais e emocionais, é essencial para analisar as transformações nas relações familiares e nas práticas matrimoniais. Nesse contexto, a influência das dimensões de recursos, afetos, sentido e identidade, gênero e contexto se entrelaça para criar uma visão abrangente do casamento na sociedade contemporânea.
Referências
TORRES, Anália. Casamento: conversa a duas vozes e em três andamentos. Análise Social, p. 569-602, 2002.