Por um jornalismo civilizatório

 

 

Por um jornalismo civilizatório

 

Por Cristiano das Neves Bodart

 

Desculpe os amigos jornalistas, mas torna-se necessário reinventar o jornalismo no Brasil. Não me refiro a sua reinvenção quanto a uso de novas tecnologias ou técnicas modernas, mas em sua dimensão ética.
O jornalismo que deveria elevar o patamar civilizatório, tem, ao contrário, conduzido a sociedade à barbárie. O estímulo à violência e a centralidade nas notícias ruins parecem ser os ingredientes principais do jornalismo – principalmente o da grande mídia – que aí está.
É comum ouvirmos a seguinte frase: “se espremer os jornais, sairá sangue”. Essa frase evidencia a condição a que chegou jornalismo, sendo sua ênfase percebida até pelos mais desapercebidos.
Argumentarão alguns que o jornalismo vende o que o cliente quer comprar, o que é uma falácia, uma vez que esse argumento ignora a capacidade manipulativa da grande mídia. Outros dirão que o jornalismo é reflexo da grande criminalidade brasileira. Nesse caso o argumento evidenciaria que para o jornalismo as boas ações e as coisas belas são minorias, o que também é um equívoco. Os bons ainda são maioria; de outra forma a sociedade não teria uma consciência coletiva que permitisse a solidariedade e, consequentemente, a existência da sociedade brasileira.
Um jornalismo que retrata apenas violência é tão violento quanto a notícia. O que retrata só morte é tão destruidor quanto o que veicula. O discurso, já evidenciava Foucault, tem a capacidade de influenciar diversos aspectos da realidade social, transformando-as.
A barbárie que saltam aos olhos a cada segundo só corrobora para um estado ainda inferior de civilidade. Para ficar em apenas um exemplo, vemos a crescente prática de “justiceiros” após esse jornalismo endossar tal ação, como se esta fosse justificável e compreensível.
O jornalismo que aí está se posicionou claramente de lado, construído sob nossa história nacional de discriminação de todos os tipos e interesses obscuros. Não importa apenas reinventar-se em suas técnicas ou usos de tecnologias, trata-se de reinventar-se quanto a se colocar no mundo sob uma postura ética e menos mercadológica e mercenária.
Em síntese, é urgente uma reinvenção do jornalismo que ora tem esse nome. De outra forma, o “estado de natureza” descrito por Hobbes terá seu triunfo sobre o processo civilizador descrito por Elias.

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

3 Comments

  1. Cristiano, uma das primeiras medidas do Mijuca ao assumir a presidência do Uruguai , foi a retirada desses programas do ar das 6 às 22 hrs, por esse motivo. Não é censura, e sim bom senso.

  2. Penso que o Processo Civilizador é mais uma crítica ao processo ocidental de civilização minimizando as pulsações e os desejos dos indivíduos (civilidade) do que um estado de superação do jus naturale em Hobbes. No entanto, o texto é bom porque pontua a banalização e o sensacionalismo da mídia que ao fazer o "uso da violência", desassocia a criminalidade com as situações políticas, econômicas, culturais e educacionais do país.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Sair da versão mobile