Sociologia: quando surgiu?

A sociologia, enquanto disciplina científica, nasceu em um contexto de profundas transformações sociais, econômicas e políticas. Seu surgimento está intrinsecamente ligado às mudanças que marcaram a transição do mundo pré-moderno para o moderno, especialmente durante os séculos XVIII e XIX. Para compreender sua origem, é necessário observar não apenas os eventos históricos que a antecederam, mas também as condições materiais, culturais e intelectuais que tornaram possível a emergência dessa nova forma de pensar a sociedade.

A análise do surgimento da sociologia permite-nos entender como essa ciência se posiciona no campo das ciências sociais e qual é sua relevância para a interpretação dos fenômenos sociais contemporâneos. Como aponta Martins (2015), a sociologia surge como uma resposta às crises de sentido e organização social provocadas pela Revolução Industrial e pelas transformações políticas desencadeadas pela Revolução Francesa. Esses eventos históricos criaram um ambiente propício para questionamentos sobre a natureza da sociedade, suas estruturas e dinâmicas.

Este texto tem como objetivo explorar as raízes do surgimento da sociologia, destacando os principais fatores históricos, filosóficos e sociais que contribuíram para sua consolidação enquanto disciplina acadêmica. Serão abordados os pensadores pioneiros, as correntes teóricas iniciais e as implicações do desenvolvimento dessa ciência para a compreensão do mundo moderno. Além disso, o texto busca oferecer uma visão crítica e atualizada sobre o tema, conectando-o às discussões contemporâneas.

Ao longo deste trabalho, serão apresentadas reflexões baseadas em autores fundamentais da sociologia, como Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, além de outros pensadores que influenciaram o campo das ciências sociais. A metodologia adotada privilegia uma abordagem interdisciplinar, combinando perspectivas históricas, filosóficas e sociológicas para proporcionar uma compreensão mais ampla e contextualizada do tema.


As Transformações Sociais e Políticas do Século XVIII e XIX

O século XVIII foi marcado por transformações profundas que alteraram significativamente a estrutura e a dinâmica das sociedades europeias. Entre essas mudanças, destaca-se a Revolução Industrial, que revolucionou os modos de produção e redefiniu as relações de trabalho. Segundo Giddens (2005), a industrialização trouxe consigo uma série de impactos sociais, como a urbanização acelerada, a divisão do trabalho em larga escala e o surgimento de novas classes sociais, especialmente a burguesia e o proletariado. Essas mudanças geraram um ambiente de incerteza e instabilidade, levando muitos pensadores a refletirem sobre os rumos da sociedade moderna.

Paralelamente à Revolução Industrial, a Revolução Francesa (1789) representou um marco político e ideológico na história ocidental. Ela promoveu a disseminação de ideias iluministas, como liberdade, igualdade e fraternidade, que questionavam as bases do Antigo Regime e das monarquias absolutistas. Para Touraine (2006), a Revolução Francesa não apenas derrubou estruturas políticas tradicionais, mas também desafiou as concepções de ordem social vigentes, abrindo espaço para debates sobre os direitos individuais e coletivos.

Essas transformações ocorreram em um contexto de secularização crescente, ou seja, a progressiva substituição de explicações religiosas por raciocínios baseados na razão e na ciência. Como observa Silva (2018), a secularização enfraqueceu a influência das instituições religiosas sobre a vida pública, levando à necessidade de novas formas de compreensão da sociedade. Foi nesse cenário de crise e reconfiguração social que surgiram as primeiras tentativas de sistematizar o estudo científico da sociedade, dando origem à sociologia.


As Influências Filosóficas e Científicas no Surgimento da Sociologia

O surgimento da sociologia não pode ser compreendido sem considerar as influências filosóficas e científicas que moldaram seu desenvolvimento inicial. Durante o Iluminismo, pensadores como John Locke, Jean-Jacques Rousseau e Montesquieu formularam ideias que serviram de base para o entendimento das relações humanas e da organização social. Locke (1690), por exemplo, defendeu a ideia de que os indivíduos são dotados de direitos naturais, como vida, liberdade e propriedade, e que o papel do Estado é proteger esses direitos. Essa perspectiva influenciou diretamente as reflexões sobre justiça social e igualdade, temas centrais na sociologia.

Outro marco importante foi o desenvolvimento das ciências naturais, especialmente com o avanço da física e da biologia. A obra de Isaac Newton e Charles Darwin demonstrou que fenômenos complexos poderiam ser explicados por meio de leis universais e métodos empíricos. Inspirados por essa abordagem, os fundadores da sociologia buscaram aplicar métodos científicos ao estudo da sociedade. Comte (1830), considerado o pai da sociologia, cunhou o termo “física social” para designar o estudo sistemático das leis que regem a vida social.

Além disso, a filosofia positivista de Comte teve um impacto significativo no desenvolvimento da sociologia. Ele propôs que o conhecimento humano passa por três estágios: teológico, metafísico e positivo. No estágio positivo, as explicações baseadas em dogmas religiosos ou especulações filosóficas são substituídas por observações empíricas e generalizações científicas. Esse enfoque metodológico influenciou gerações de sociólogos, como Durkheim, que enfatizava a necessidade de tratar os fatos sociais como “coisas” que podem ser estudadas objetivamente.


Os Fundadores da Sociologia: Durkheim, Marx e Weber

Os primeiros sociólogos dedicaram-se a formular teorias que pudessem explicar os fenômenos sociais de maneira sistemática e científica. Entre eles, destacam-se Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber, cujas contribuições continuam sendo referências fundamentais no campo da sociologia.

Durkheim (1895) é conhecido por sua ênfase nos fatos sociais, que ele define como maneiras de agir, pensar e sentir externas aos indivíduos e dotadas de coerção sobre eles. Em sua obra As Regras do Método Sociológico , ele argumenta que os fatos sociais devem ser tratados como objetos de estudo independentes das subjetividades individuais. Sua pesquisa sobre o suicídio demonstrou como fatores sociais, como integração e regulação, influenciam comportamentos individuais.

Karl Marx (1867), por outro lado, focou-se nas relações de produção e na luta de classes como motores da história. Em O Capital , ele analisa como o capitalismo gera desigualdades estruturais e exploração econômica. Para Marx, a sociologia deve ser uma ferramenta para transformar a sociedade, combatendo as injustiças geradas pelo sistema capitalista.

Max Weber (1920) introduziu a ideia de compreensão (Verstehen ) como método para interpretar as ações humanas. Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo , ele explora como valores culturais e religiosos influenciaram o desenvolvimento do capitalismo moderno. Weber também destacou a importância do conceito de dominação legítima para entender as formas de organização política.


O Impacto do Positivismo e do Materialismo Histórico

O positivismo e o materialismo histórico foram duas correntes teóricas fundamentais no desenvolvimento inicial da sociologia. Enquanto o positivismo enfatizava a objetividade e a aplicação de métodos científicos, o materialismo histórico focava nas relações materiais de produção como determinantes das estruturas sociais.

Comte (1830) defendia que a sociologia deveria seguir os mesmos princípios das ciências naturais, buscando identificar leis universais que governam a sociedade. Essa abordagem influenciou o funcionalismo estrutural, corrente que vê a sociedade como um sistema integrado de partes interdependentes.

Já Marx (1867) criticava o positivismo por ignorar as dimensões materiais e conflituosas da sociedade. Ele argumentava que as condições econômicas e as relações de classe são os fatores determinantes da organização social. Essa perspectiva deu origem ao materialismo histórico, que continua sendo uma das principais abordagens na análise das desigualdades sociais.


Conclusão: A Relevância Contemporânea da Sociologia

O surgimento da sociologia está profundamente enraizado nas transformações sociais, políticas e econômicas dos séculos XVIII e XIX. Suas bases teóricas e metodológicas foram moldadas por influências filosóficas, científicas e históricas que buscavam compreender e explicar as complexidades da sociedade moderna. Hoje, a sociologia continua sendo uma ferramenta essencial para analisar os desafios contemporâneos, como globalização, desigualdade e mudanças tecnológicas.


Referências Bibliográficas

  • COMTE, A. Curso de Filosofia Positiva . São Paulo: Abril Cultural, 1830.
  • DURKHEIM, E. As Regras do Método Sociológico . São Paulo: Martins Fontes, 1895.
  • GIDDENS, A. Sociologia . Porto Alegre: Artmed, 2005.
  • LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o Governo . São Paulo: Martins Fontes, 1690.
  • MARX, K. O Capital . São Paulo: Nova Cultural, 1867.
  • MARTINS, P. H. Sociologia da Vida Cotidiana . São Paulo: Cortez, 2015.
  • SILVA, T. T. Teoria Social e Educação . Belo Horizonte: Autêntica, 2018.
  • TOURAINE, A. O Que é a Democracia? Petrópolis: Vozes, 2006.
  • WEBER, M. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo . São Paulo: Companhia das Letras, 1920.

Roniel Sampaio Silva

Doutorando em Educação, Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais e Pedagogia. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Teresina Zona Sul.

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