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  • Sociologia e poesia: O operário em Construção

    Sociologia e poesia: O operário em Construção





    Por Cristiano das Neves Bodart

     
    A dica do Blog Café com Sociologia é o uso de uma poesia para trabalhar conceitos marxianos.  Trata-se da poesia de Vinícius de Moraes, “O Operário em Construção”, de 1956.
    Nessa poesia é possível explorar os conceitos de alienação, coisificação, revolução, as duas dimensões do trabalho, classe em si e classe para si.

     O Operário em Construção

    Era ele que erguia casas
    Onde antes só havia chão.
    Como um pássaro sem asas
    Ele subia com as casas
    Que lhe brotavam da mão.
    Mas tudo desconhecia
    De sua grande missão:
    Não sabia, por exemplo
    Que a casa de um homem é um templo
    Um templo sem religião
    Como tampouco sabia
    Que a casa que ele fazia
    Sendo a sua liberdade
    Era a sua escravidão.
    De fato, como podia
    Um operário em construção
    Compreender por que um tijolo
    Valia mais do que um pão?
    Tijolos ele empilhava
    Com pá, cimento e esquadria
    Quanto ao pão, ele o comia…
    Mas fosse comer tijolo!
    E assim o operário ia
    Com suor e com cimento
    Erguendo uma casa aqui
    Adiante um apartamento
    Além uma igreja, à frente
    Um quartel e uma prisão:
    Prisão de que sofreria
    Não fosse, eventualmente
    Um operário em construção.
    Mas ele desconhecia
    Esse fato extraordinário:
    Que o operário faz a coisa
    E a coisa faz o operário.
    De forma que, certo dia
    À mesa, ao cortar o pão
    O operário foi tomado
    De uma súbita emoção
    Ao constatar assombrado
    Que tudo naquela mesa
    – Garrafa, prato, facão –
    Era ele quem os fazia
    Ele, um humilde operário
    Um operário em construção
    Olhou em torno: gamela
    Banco, enxerga, caldeirão
    Vidro, parede, janela
    Casa, cidade, nação!
    Tudo, tudo o que existia
    Era ele quem o fazia
    Ele, um humilde operário
    Um operário que sabia
    Exercer a profissão.
    Ah, homens de pensamento
    Não sabereis nunca o quanto
    Aquele humilde operário
    Soube naquele momento!
    Naquela casa vazia
    Que ele mesmo levantara
    Um mundo novo nascia
    De que sequer suspeitava.
    O operário emocionado
    Olhou sua própria mão
    Sua rude mão de operário
    De operário em construção
    E olhando bem para ela
    Teve um segundo a impressão
    De que não havia no mundo
    Coisa que fosse mais bela.
    Foi dentro da compreensão
    Desse instante solitário
    Que, tal sua construção
    Cresceu também o operário.
    Cresceu em alto e profundo
    Em largo e no coração
    E como tudo que cresce
    Ele não cresceu em vão
    Pois além do que sabia
    – Exercer a profissão –
    O operário adquiriu
    Uma nova dimensão:
    A dimensão da poesia.
    E um fato novo se viu
    Que a todos admirava:
    O que o operário dizia
    Outro operário escutava.
    E foi assim que o operário
    Do edifício em construção
    Que sempre dizia sim
    Começou a dizer não.
    E aprendeu a notar coisas
    A que não dava atenção:
    Notou que sua marmita
    Era o prato do patrão
    Que sua cerveja preta
    Era o uísque do patrão
    Que seu macacão de zuarte
    Era o terno do patrão
    Que o casebre onde morava
    Era a mansão do patrão
    Que seus dois pés andarilhos
    Eram as rodas do patrão
    Que a dureza do seu dia
    Era a noite do patrão
    Que sua imensa fadiga
    Era amiga do patrão.
    E o operário disse: Não!
    E o operário fez-se forte
    Na sua resolução.
    Como era de se esperar
    As bocas da delação
    Começaram a dizer coisas
    Aos ouvidos do patrão.
    Mas o patrão não queria
    Nenhuma preocupação
    – “Convençam-no” do contrário –
    Disse ele sobre o operário
    E ao dizer isso sorria.
    Dia seguinte, o operário
    Ao sair da construção
    Viu-se súbito cercado
    Dos homens da delação
    E sofreu, por destinado
    Sua primeira agressão.
    Teve seu rosto cuspido
    Teve seu braço quebrado
    Mas quando foi perguntado
    O operário disse: Não!
    Em vão sofrera o operário
    Sua primeira agressão
    Muitas outras se seguiram
    Muitas outras seguirão.
    Porém, por imprescindível
    Ao edifício em construção
    Seu trabalho prosseguia
    E todo o seu sofrimento
    Misturava-se ao cimento
    Da construção que crescia.
    Sentindo que a violência
    Não dobraria o operário
    Um dia tentou o patrão
    Dobrá-lo de modo vário.
    De sorte que o foi levando
    Ao alto da construção
    E num momento de tempo
    Mostrou-lhe toda a região
    E apontando-a ao operário
    Fez-lhe esta declaração:
    – Dar-te-ei todo esse poder
    E a sua satisfação
    Porque a mim me foi entregue
    E dou-o a quem bem quiser.
    Dou-te tempo de lazer
    Dou-te tempo de mulher.
    Portanto, tudo o que vês
    Será teu se me adorares
    E, ainda mais, se abandonares
    O que te faz dizer não.
    Disse, e fitou o operário
    Que olhava e que refletia
    Mas o que via o operário
    O patrão nunca veria.
    O operário via as casas
    E dentro das estruturas
    Via coisas, objetos
    Produtos, manufaturas.
    Via tudo o que fazia
    O lucro do seu patrão
    E em cada coisa que via
    Misteriosamente havia
    A marca de sua mão.
    E o operário disse: Não!
    – Loucura! – gritou o patrão
    Não vês o que te dou eu?
    – Mentira! – disse o operário
    Não podes dar-me o que é meu.
    E um grande silêncio fez-se
    Dentro do seu coração
    Um silêncio de martírios
    Um silêncio de prisão.
    Um silêncio povoado
    De pedidos de perdão
    Um silêncio apavorado
    Com o medo em solidão.
    Um silêncio de torturas
    E gritos de maldição
    Um silêncio de fraturas
    A se arrastarem no chão.
    E o operário ouviu a voz
    De todos os seus irmãos
    Os seus irmãos que morreram
    Por outros que viverão.
    Uma esperança sincera
    Cresceu no seu coração
    E dentro da tarde mansa
    Agigantou-se a razão
    De um homem pobre e esquecido
    Razão porém que fizera
    Em operário construído

     

    O operário em construção.




  • Poema Sobre o Tempo

    Poema Sobre o Tempo

    O tempo é impiedoso… Escorre despistando a lógica e enganando a razão. O fim tá lá no começo, e o meio, no princípio do fim. Às vezes, ele nos provoca ambiguidades: é o tempo que passa ou somos nós que passamos pelo tempo? Seja o que for, vai passando como um rio, mudando o caminho, desviando o foco, virando a página… Mas, as “reviranças” do tempo sempre fazem com que a teoria quântica ganhe realidade naquilo que tem de mais absurdo: voltar no tempo! Nem que seja na imaginação. Desfazer os feitos…  Dizer os não-ditos…  Maldito tempo! Tempo que despenca no relógio de areia da vida, assim como as expressões da face que, com a gravidade, se fixam como impressões em HD. Pinta no rosto, o gosto de sorrisos, choros, raiva, tensão, perplexidade… Se não deixar nenhuma expressão impressa, não é vida que há ali, é alguma máquina revestida de homem, de humano. No entanto, há um fio de vida em cada máquina disfarçada. Máquina que traz dentro de si, uma alma criptografada… E o tempo? Esse não tem jeito! Segue com sua ilógica linha, construindo segundos eternos e expirando toda uma vida em um breve suspiro…
    Karla Cristina da Silva
    Psicóloga
    Unknown
  • O contrabandista de ideias – Crônica Roniel Sampaio

    O contrabandista de ideias – Crônica Roniel Sampaio

    Será se você também é um contrabandista de ideias? Contrabandista é aquele sujeito que pratica o contrabando, que leva ou traz algo de um jeito que incomoda as autoridades. Como professor, em muitos momentos eu me sinto um contrabandista na educação.
    Origens do termo contrabandista

    O termo “contrabandista” tem origem no século XVI, na Espanha. Na época, a palavra “contrabando” era utilizada para descrever a ação de transportar mercadorias ilegalmente através das fronteiras do país. Com o tempo, o termo evoluiu para “contrabandista”, que passou a designar aqueles que se dedicavam a essa atividade ilícita.

    No Brasil, o contrabando foi bastante comum durante o período colonial, quando as mercadorias eram transportadas ilegalmente pelos rios e fronteiras com a Espanha e Portugal. Com o passar dos anos, o contrabando se tornou uma atividade ainda mais sofisticada e perigosa, envolvendo a circulação de drogas, armas e outros produtos ilegais pelo mundo todo.

    Contrabandista de ideias 
    No ritual da docência, as vezes contrabandeio ideias da França, Alemanha, Itália e EUA. Umas ideias meio mirabolantes, que vem clandestinamente ameaçar as autoridade do status quo. Nas  tralhas do contrabando: democracia, solidariedade, cultura, socialização, soberania popular e revolução.
    Não muito incomum, sou contrabandista dentro de meu próprio país, até contrabandeio ideias nacionais de umas fontes meio que ilegais, dos fornecedores mais suspeitos: Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre Raymundo Faoro, Roberto da Matta e Celso Furtado.
    Como um bom contrabandista,  não apenas trago como levo. Levo angústias e alegrias e trafico esperanças de que um dia essa sociedade melhore.
    Observando a palavra, me pergunto se8bf7382aca42a70c0c788ee893bc752a essa não seria a junção de contra+bando. Se assim fosse, isso não seria divulgado! Mas sendo ou não, me sinto como se estivesse indo contra o “bando” que domina nosso país, como se estivesse por vezes nadando contra correnteza. Ao que pareço luto silenciosamente contra um bando inteiro, ou seriam quadrilhas?
    Contrabandista esquisitos somos de levar tantas esperanças e trazer tantas angústias. Esse é meu ofício, contrabandista da esperança.
    E você, é um contrabandista de ideias também?
    Por Roniel Sampaio Silva