Que tal utilizarmos acontecimentos recentes para entendermos um pouco das ideias desses dois grandes interpretes do Brasil?
“Eu sou brasileiro, com muito orgulho, e muito amor ô ô ô…”
O brasileiro em diversos eventos mostra ser o brasileiro descrito por Sérgio Buarque de Holanda e por Roberto DaMatta. E esse fato nos ajudam a entender um pouco mais suas ideias.
Como apresentou Sérgio Buarque de Holanda, o brasileiro é um povo (em sua média, talvez, na moda) cordial (termo que vem de cor, cordis – coração, em latim). Sendo cordial age pelo coração, pelo sentimento em detrimento do não uso da razão, da racionalidade*. Como não se vê representado na produção racional das leis, o brasileiro tende a valorizar mais o sentimento, o qual o impulsiona à ação. Segundo Holanda (2012, p. 55), “o desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo representa um aspecto da vida brasileira que raros estrangeiros chegam a penetrar com facilidade”.
Nos casos ocorridos recentemente envolvendo o juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (onde o magistrado o conduz coercitivamente à depor, nem mesmo ainda sendo réu, e vaza um grampo telefônico entre o ex-presidente e a atual presidente) e o apoio significativo de parte da população evidencia o caráter cordial do brasileiro que motivado por emoções ignora a possibilidade de estar havendo um “desmonte” da legislação brasileira e do Estado de Direito. A racionalidade é deixada de lado em detrimento da emoção, da cordialidade. No lugar do cérebro estamos mais habituados a usar o coração… e a grande mídia sabe disso.
Como dizia Holanda, o Estado não é, para o brasileiro, uma extensão da família, sendo esses distantes ou opostos. Nesse contexto, defender o Estado de Direito é o que menos importa nos momentos onde a emoção predomina e a racionalidade se esvai. Seguir as normas jurídicas e defende-las não é preocupação do brasileiro quando sua cordialidade está aflorada, como nesse momento de crise política, a qual se converte em crise econômica que afeta o cotidiano. Antes de tudo temos uma crise política e não me refiro apenas ao Congresso Nacional, mas também à política institucional como um todo, incluindo aqui a Constituição Federal de 1988.Holanda (2012) destaca ainda que a pessoalidade está, para o brasileiro, acima das normas e leis e da impessoalidade. Um exemplo disso foi a atitude da presidente Dilma em utilizar um cargo público para auxiliar um amigo de partido, ainda que não seja ilegal, uma vez que historicamente e juridicamente se permitiu a existência de “cargos de confiança”.
DaMatta (1997) avança na interpretação do Brasil ao dizer que por essas bandas, pelas características destacadas por Holanda, o brasileiro tende a usar-se do famoso “jeitinho brasileiro”; marcado pela não observação dos procedimentos legalmente instituídos em detrimento de benefícios e interesses pessoais ou de grupo. No caso da crise atual vemos parte significativa dos brasileiros ignorar os procedimentos legais em detrimento de alcançar objetivos que julgam ser mais importante do que a observação dos procedimentos jurídicos. Como exemplo tomamos os dois casos mencionados: a condução coercitiva de Lula e o Grampo telefônico divulgado na mídia.
Em ambos os casos os que desejam a queda da presidente Dilma e a prisão do ex-presidente Lula não se preocupam se a Justiça está agindo com justiça, antes o que importa são os fins, os objetivos, e não os meios. Nesses casos a emoção sobrepõe a racionalidade. Para se conseguir o que se quer, recorre-se ao velho jeitinho brasileiro que renega a lei e as normas. Como o ex-presidente, por falta de provas materiais (até aquele momento), são se tornou réu, ojeitinhodo juiz Moro parece ser bem vindo para esses que, sob a perspectiva interpretativa de Holanda (2012) e DaMatta (1997) são brasileiros legítimos.
No meu caso, sob esses aspectos, as expressões “eu sou brasileiro” e “com muito orgulho” não colocaria em uma mesma música.
*Há uma outro viés de interpretação das ideias de Holanda em torno da cordialidade (ser gente boa, de bom grado), mais essa é uma outra história a qual eu não adoço por completo, sobretudo olhando a sociedade brasileira contemporânea.
Referências
HOLANDA, Sérgio Buarque. O Homem Cordial. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ª edição. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
Como citar esse texto:
BODART, Cristiano dasNeves. O Brasileiro sendo Brasileiro… aquele destacado por Sérgio Buarque de Holanda e Roberto DaMatta. Blog Café com Sociologia. 2016. Disponível e:. Acesso: Dia mês e ano.