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A produção do fofoqueiro e a criação do justiceiro: imbricações de uma mídia maquiavélica

Por Cristiano das Neves Bodart

 

Nota-se claramente (sobretudo nos últimos dias) uma imbricação entre fofoca e o desejo de fazer justiça; algumas vezes com as próprias mãos. Trata-se de um efeito produzido por diversos fatores. Mas dentre eles, destaca-se a influência da grande mídia brasileira, especificadamente alguns programas televisivos.
 
 
 
Notoriamente o brasileiro sofre uma constante tentativa de ser “programado” para cuidar da vida alheia. Na verdade, isso não é um fim, mas um meio encontrado pela grande mídia televisiva de conseguir audiência e engrossar sua receita; isso sim, seu objetivo final.
 
Reparem os programas de TV por um instante. Observe a sua estratégia de “fidelizar” o público. O que notamos é um aproveitamento da curiosidade inerente ao homem para “prende-lo” aos programas transmitidos. Nesse quesito a novela e programas como o BBB são expert. A ideia, em síntese, é aguçar a curiosidade do telespectador e despertar o interesse pela vida alheia. Ao acompanhar a vida alheia passamos a emitir juízos de valor sobre os comportamentos observados, definindo o que é certo e o que é errado, com quem o personagem deve ou não namorar, quem deve ser preso ou absolvido, quem deve sofre ou ser feliz e, ainda, quem deve viver ou morrer.
 
“Aprendemos”, além de ser fofoqueiros, a ser juízes. Juízes forjados no sofá e por meio de “representações distorcidas da vida real”. O pior que nosso comportamento espelhado por tais programas passam a ser reproduzidos em nosso cotidiano, que é bem real. Do “preparo” de um fofoqueiro e julgador da vida alheia para desejar amarrar alguém em um poste e aplicar a ele a “justiça” é um pulo.
 
Certamente não é o objetivo-fim dos programas de TV criar fofoqueiros ou justiceiros, mas na busca pela maximização de suas receitas vale de tudo. O que importa são os fins, os meios são apenas meios e nada mais.
 
 
 
 
 
 
 
 

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

6 Comments

  1. Gostei muito da coluna, porque vejo como os movimentos sociais são afetados por esse probleminha, pequeno grande problema da "fofoca", mas, vejo que faz parte de uma cultura midiatizada, muito interessante o ponto de vista, gostei, valeu.

  2. Gostei muito da coluna, porque vejo como os movimentos sociais são afetados por esse probleminha, pequeno grande problema da "fofoca", mas, vejo que faz parte de uma cultura midiatizada, muito interessante o ponto de vista, gostei, valeu.

  3. Excelente texto. fato. reflexo da realidade. Noto pessoas deixando de frequentar outros espaços, de sair de casa para não "perderem" tais programas. São viciadas nos mesmos. Infelizmente, a grande maioria, não sabe diferenciar entre fixão e vida real. Penso que os programas inspiram-se no povo e vice-versa. Valeu pelo texto.

  4. Gostei bastante do texto, é a mais pura realidade das pessoas de hoje em dia trocarem seus momentos de lazer, por uma novela ou programa de TV, desconstruindo a imagem de familia e a forma de viver.

  5. Adorei sua crítica e reflexiva sobre as mídias, e concordo sobre nosso estado de alienação e intoxicação por programas televisivos via tecnologia. Para a cura, usamos placebos, do tipo TV fechada, canal pago, TV a cabo são nomes diferente para dizer a mesma coisa, aqui você está bem informado, quase fique bem informado em 1 minuto!
    Como não pensaram que as telinhas espalhadas por vagões de trens passam informações de uma única emissora, assim massificando e sendo teleguiados apenas a visão que deles como marionetes "O que importa são os fins, os meios são apenas meios e nada mais".
    Parabéns pelo texto Cristiano !

  6. Brasileiro? Interessante reflexão, contudo ao colocar como característica brasileira incorre em equívoco.
    Em A Sociedade de Corte, Norbert Elias apresenta o quadro de uma vida social regida pela luta pelo prestígio. A Corte seria exatamente o meio social em que o poder tinha como base não a riqueza econômica ou a força militar, mas o “bom nome”, as “boas relações” – algo semelhante à universidade. Por isso, a vida na Corte era um constante jogo onde se procurava aniquilar o prestígio dos concorrentes. Um dos meios eficazes para tal era a fofoca. Interessa notar que a fofoca, diferentemente do Rumor, seria a encarnação do poder e não o que a ele se subtrai.
    Assim a fofoca permeia a vida social e o interesse pela vida alheia vem de muito tempo atras, na Grécia antiga já existia relatos. Colocar ou melhor buscar impultar responsabilidade a tudo na mídia, parece um ranço e lembrando que ao invés de culparmos a mídia por tudo seria muito mais interessante aguçar o senso crítico para que naturalmente se faça a seleção pessoal e individual do que eé ou não importante. Por exemplo a bela iniciativa do blog em muitos casos.
    Estimular a reflexão é diferente de apontar o dedo.

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