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Conceito de capital: Marx, Weber e Bourdieu

conceito de capital

O capital é um conceito central para entender as relações sociais, políticas e econômicas na sociedade moderna. Nas últimas décadas, o debate sobre o capitalismo se intensificou, especialmente no que diz respeito às desigualdades sociais e econômicas que ele gera. Nesse sentido, a sociologia fornece ferramentas teóricas importantes para a compreensão do capital e seu impacto na sociedade. O objetivo deste trabalho é discutir o conceito de capital, suas diversas formas e como importantes pensadores como Pierre Bourdieu, Karl Marx e Max Weber lidam com ele.

Por Rogerio Tineu 

Conceito de capital em Marx
No ensaio intitulado Estratificação Social e Estrutura de Classes, de 1962, Rodolfo Stavenhagen (1977, p. 133-134) afirma que o tema das classes, como elemento da estrutura social, ocupava um lugar de destaque na sociologia clássica no qual as classes sociais são vistas como elementos da estrutura social. Na sociologia latino-americana o conceito de classes sociais identificou-se com o da estratificação social e, em Marx e Engels, e na escola marxista, deram ao conceito de classes seu fundamento científico e o integraram como parte primordial do seu sistema sociológico e econômico. Nas últimas décadas houve uma perda do sentido original do conceito de classe que se confundiu com o de estratificação social.Com o olhar atento sobre a vasta obra de Marx, especialmente em relação ao fenômeno classe social, é possível fazer duas constatações importantes sobre esse fenômeno segundo Stavenhagen (1977, p.147-148): a primeira constatação, “não se encontra uma definição exaustiva sobre as classes e que a análise sistemática do tema no último livro de O Capital não chegou a ser concluída”; a segunda, “através das diversas obras de Marx aparecem diferentes interpretações do fenômeno que nem sempre são concordantes, mas que de maneira alguma se contradizem”. Isso resulta da aplicação do método dialético aos fenômenos sociais conjugado à maturação do conceito na própria mente do autor. O conceito de classe social para Marx se forma a partir de três aspectos: o filosófico, o econômico e o histórico, ou seja, uma abordagem estrutural-funcional e dinâmica. Para Stavenhagen essa abordagem implica em uma série de questões, expostas a seguir:
a) Os estratos (camadas ou classes no sentido de uma estratificação) constituem categorias descritivas e estáticas. Já as classes sociais constituem categorias analíticas, ou seja, fazem parte da estrutura social com a qual mantêm relações específicas. Seu estudo conduz ao conhecimento das forças motrizes da sociedade ao permitir passar da descrição à explicação no estudo das sociedades.
b) A classe social é uma categoria histórica, isto é, as classes sociais estão ligadas à evolução e ao desenvolvimento da sociedade, sendo encontradas no interior das estruturas sociais construídas historicamente. Por isso é que faz pouco sentido os sociólogos da escola da estratificação falarem de classes altas, médias e baixas em todas as sociedades em todos os tempos. Ainda, as classes sociais não são imutáveis no tempo, formam-se, desenvolvem-se e modificam-se à medida que a sociedade também se transforma.
c) Desde que Weber distinguiu as dimensões econômicas, política e social, certos autores só reconhecem no conceito de classe uma base econômica, sendo esta posição geralmente atribuída ao marxismo. Vale lembrar que a concepção que Weber tinha sobre a ordem econômica não corresponde à de Marx. Para alguns autores “as semelhanças culturais, mentais, morais e de conduta dos membros de uma classe social são devidas à base objetiva de suas posições profissionais, econômicas e legais semelhantes de seus membros” (SOROKIN apud STAVENHAGEN 1977,p. 150). Mas, para Marx, “a classe era um princípio único e dominante… e quando um sistema social se estabelece as três dimensões convergem e as hierarquias econômicas, política e cultural se identificam” (MARSHALL apud STAVENHAGEN 1977, p. 150). Para a posição marxista, não é a ocupação, renda ou estilo de vida que constitui o principal critério para a formação de uma classe social, embora todos constituam critérios secundários que vigoram em casos particulares. A política, as ideologias e a cultura conjuntamente às questões de ordem econômica são fatores determinantes para o processo de constituição da classe social. Se por um lado, o que Weber separa a partir dos conceitos de ordem social e ordem econômica, do outro lado Marx integra em uma mesma totalidade complexa, materialmente determinada, a organização da produção social da existência. A noção de economia está assentada sobre a organização da produção material, o que explicaria o uso do conceito mesmo para sociedades nas quais não há predominância do mercado. Para o marxismo, a base econômica da constituição das classes sociais é a relação com os meios de produção.
d) As classes sociais não existem de maneira isolada, mas como parte de um sistema de classes, o que define e distingue as classes sociais são as relações específicas que se estabelecem entre elas. De acordo com Lênin, são essas posições diferenciais que permitem que uma classe social se aproprie do trabalho de outra determinam que os interesses objetivos das classes não sejam distintos, mas, sobretudo, contrários e opostos.

e) A consciência de classe é o elo que permite a passagem da classe “em si”, agrupamento com interesses objetivos e latentes, à classe “para si”, grupo de poder que tende a organizar-se para o conflito ou luta política com interesses objetivos claros e declarados. Contudo, a consciência de classe não surge espontaneamente a partir de uma situação de classe. São necessárias duas fases consecutivas para que ocorra o desenvolvimento da consciência de classe. Na primeira, uma classe social respeita outra classe devido à sua posição na organização socioeconômica. Na segunda fase, a classe tomou consciência de si mesma, de seus interesses e de sua missão histórica, como um grupo de ação política com efetivo papel nas lutas sociais ao contribuir para as mudanças sociais e para o desenvolvimento da sociedade. f) Luta de classes – expressa pelas contradições do próprio sistema socioeconômico. A contradição entre as forças de produção e as relações de produção é o motor da luta e dos conflitos de classes. Se de um lado encontra-se a classe dominante, proprietária dos meios sociais de produção e representante das relações de produção estabelecidas, do outro está a classe dominada, cujo trabalho é apropriado pela classe dominante. Mias cedo ou mais tarde as novas forças de produção entram em contradição com o sistema de relações vigente, estabelecendo-se assim relações conflituosas de interesses antagônicos entre as classes. g) Para alguns autores como Gurvitch e Sorokin, as classes são fenômenos recentes na história, originando-se a partir da Revolução Industrial. No sistema feudal era o Estado e as ordens que determinavam a estrutura social do mundo ocidental. Já para o marxismo, as classes constituem um fenômeno quase universal, característico de qualquer sociedade baseada na exploração de uma parte da população pela outra, ou seja, o escravismo, feudalismo ou capitalismo. Outra interpretação dos autores é de que a sociedade de classes decorre da divisão funcional do trabalho associado ao industrialismo ao invés de considerarem a sociedade de classes como fato central de um sistema determinado de exploração econômica. Dessa feita, a abolição das classes estaria sujeita ao fim do industrialismo, proposição falaciosa pela visão marxista, já que o industrialismo é um tipo de produção material e não um tipo de estrutura socioeconômica. É, por fim, o resultado do progresso técnico da humanidade e não das relações específicas que se estabelecem entre homens tendo por base determinadas forças de produção.h) Quantas e quais são as classes sociais no sistema capitalista? Nas obras de Marx são encontradas, tanto a visão dicotômica (senhores feudais e servos; burguesia e proletariado), quanto esquemas em que aparecem múltiplas classes nos cenários histórico e social. As diferentes visões não são contraditórias, pois a primeira abordagem permite a elaboração de modelos teóricos e a segunda, análises concretas de situações históricas particulares. Assim, em alguns países subdesenvolvidos, a produção industrial capitalista limitada coexiste com um sistema semifeudal de grandes latifúndios. Os sociólogos dedicaram parte de seus esforços ao problema das chamadas classes médias, ou ainda, a uma suposta classe de diretores e gerentes, ou tecnocratas, como um novo fenômeno novo proveniente do industrialismo. Stavenhagen analisa essa questão da seguinte maneira: para os estudiosos da estratificação há uma hierarquização dos estratos e, por conseguinte, sempre haverá classes médias entre os estratos superior e inferior da sociedade. Mas é evidente, segundo o autor, que esse procedimento não corresponde à concepção estrutural-funcional e dinâmica das classes sociais. Na concepção marxista de classe social, as categorias intermediárias podem ocupar posições determinadas, ou seja, o cruzamento de diversas divisões dicotômicas pode produzir uma terceira categoria, exemplo: entre aqueles que empregam sua própria força de trabalho e os que empregam a força de trabalho de outros, o resultado é uma terceira categoria, aqueles que possuem os meios de produção, mas não empregam mão de obra alheia (artesãos, propriedade agrícola familiar, trabalhadores autônomos).

Nas obras de Marx, essas categorias intermediárias, às vezes, recebem o nome de pequena-burguesia e, em determinadas situações, podem transformar-se em classes sociais. Já a chamada classe tecnoburocrática também denominada de classe média decorrente do industrialismo é composta pelos diretores, gerentes e burocratas da sociedade capitalista, pretende-se, contudo, que tenha vindo substituir os capitalistas como classe dominante da sociedade e que constitui, por isso mesmo, a prova da negação do marxismo no século XX.Cabe assinalar, segundo Marx apud Lukács (1977, p. 16) que “o capital não é uma coisa, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada pelas coisas”. O indivíduo ao compreender que ele não deve ser medido por coisas ou mesmo ser coisificado e o lança para um estágio anterior ao da consciência de classe. Ele precisa agora estabelecer relações com seus iguais, aqueles como ele que são oprimidos por sua condição de classe, ou ainda, por sua condição étnica, fundamentalmente por sua cor de pele, constituem-se em uma totalidade. A consciência de classe é descrita por Lukács (1977, p. 18-21) como sendo uma reação adequadamente racional que deve ser transferida a uma determinada situação típica no processo de produção. A consciência de classe é uma totalidade, não é, portanto, nem a soma nem a média do que os indivíduos que formam a classe pensam ou sentem. A consciência de classe ao se refletir em seu par dialético a ação e por sua vez a ação refletir-se na consciência de classe, considera-se, portanto, a ação decisiva da classe como totalidade e está determinada por essa consciência e não pelo pensamento do indivíduo. Essa ação não pode ser conhecida a não ser a partir dessa consciência. Lukács indaga “em que medida a totalidade da economia de uma sociedade pode ser percebida do interior de uma sociedade determinada a partir de uma posição determinada do processo de produção”. Ele responde que assim como se pode estar acima das limitações que fazem os indivíduos sofrerem os preconceitos inerentes à sua condição de vida, ao mesmo tempo eles não podem ir além do limite imposto pela estrutura econômica da sociedade de sua época e pela posição que nela ocupam. A classe dominante é que organiza, a partir de seus próprios interesses e sua consciência de classe, o conjunto da sociedade. Essa imposição organizativa acirra os conflitos de classe e a luta de classes se estabelece a partir da violência originada da classe dominante. Um exemplo é a acumulação primitiva do capital (espoliação da mão de obra e das colônias ao longo dos séculos XVI ao XVIII).

Em segundo lugar, é justamente no enfrentamento conflituoso e violento entre as classes para a determinação de sua existência que emerge a consciência de classe. Na constituição de uma classe social legítima uma parte dos indivíduos deve estar completamente organizada e a outra parte quase organizada de acordo com Sorokin (1977, p. 85) em sua visão mais formalista. Ao se completar essa organização é que surge a consciência de classe entre os membros do grupo, consciência esta formada e composta pelos significados, valores e normas. Porém uma mera ideologia de classe fomentada por qualquer teórico não assegura a existência objetiva de uma classe.A dialética da consciência de classe, segundo Lukács (1977, p. 38-39), “repousa na oposição insuperável entre o indivíduo capitalista, o indivíduo segundo o esquema do capitalismo individual, e a evolução submetida às leis naturais necessárias, isto é, que escapam, por princípio, à consciência”. É justamente essa contradição dialética interna na consciência da classe burguesa acrescida da organização positiva e necessária da produção como forma a manter o domínio da sociedade que determina seu par dialético, o proletariado. Essa situação da burguesia é que determina a função, o papel que deve desempenhar a consciência de classe na luta pela dominação da sociedade. Como essa dominação não é exercida somente pela classe burguesa, mas também no interesse dela própria, é que se dá a condição contra o que não se pode vencer no sentido de manter a condição do regime burguês. É necessário que as outras classes se iludam ao permanecerem com uma consciência de classe confusa. Ou seja, o gerente ou o burocrata que por uma pseuda condição ético-estética considera-se capitalista, e se vê somente como dono dos meios sociais de produção sem mesmo sê-lo, absorveu para si a consciência de classe do outro.
Conceito de capital em Weber

Antes de entrar na questão central deste item é importante conhecer um pouco as preocupações sociológicas de Weber e seus tipos ideais, no sentido de compreender com mais clareza as ideias de Weber sobre classe social e grupo de status. A ação humana é social na medida em que, em função da significação subjetiva que o indivíduo que age lhe atribui, toma em consideração o comportamento dos outros e é por ele afetada no seu curso. A função da sociologia para Weber é investigar a ação social e ressaltar os elementos mais gerais de cada fase do processo histórico da sociedade.

No método da compreensão social todo indivíduo, ao agir, age guiado por motivações que, por sua vez, são baseadas em valores. O cientista deve descobrir os possíveis significados ou sentidos da ação humana presente na realidade social que interessa estudar. O indivíduo age sempre em função de sua motivação e da consciência de agir em relação a outros indivíduos sendo impossível descartar-se das pré-noções, como queria Durkheim. Existe uma parcialidade na análise sociológica. Não há, portanto, neutralidade científica. Para Weber a sociedade é uma totalidade constituída de uma multiplicidade de interações sociais.O tipo ideal é um instrumento de análise proposto por Weber para a compreensão das ações sociais na construção de um tipo ideal. O sociólogo seleciona aspectos da ação humana que considera culturalmente relevantes para o estudo e o faz segundo seus próprios valores, configurando uma construção teórica abstrata do tipo ideal ou do tipo puro. Weber divide o tipo ideal ou puro em duas categorias básicas; a primeira constitui-se na tipologia da ação social e a segunda na tipologia da dominação legítima.Tipologia da ação social: os tipos a seguir se apresentam com intensidade diferenciada em diferentes sociedades. Nas sociedades antigas a tradição e afetividade eram dominantes, prevalecendo a família e a religião. Já as sociedades modernas são marcadas pela racionalidade em relação aos valores e aos fins. a) Ação tradicional: determinada por um costume arraigado como a troca de presentes no Natal, no dia das mães ou dos namorados; b) Ação afetiva: especialmente emotiva e determinada por afetos e estados sentimentais atuais como os encontrado nas torcidas de futebol; c) Ação emocional com relação a valores: determinada pela crença consciente em valores de cunho ético, estético, religioso ou qualquer outra forma, exemplo é o trabalho voluntário; d) Ação racional com relações afins: determinada por expectativas, condições ou meios para alcançar fins próprios, racionalmente perseguidos, exemplo é a empresa capitalista.Tanto a ação afetiva quanto a tradicional produzem relação entre pessoas e são coletivas e comunitárias ao promoverem a noção de comunhão e o conceito de comunidade. Na concepção de Durkheim, a comunidade é anterior à sociedade, ou melhor, a comunidade se transforma em sociedade. Já para Weber comunidade e sociedade coexistem. A comunidade existe no interior da sociedade, como por exemplo, a família que existe dentro da sociedade.

Tipologia da dominação legítima: aqui a questão central é o poder e o porquê um determinado indivíduo ou conjunto de indivíduos detém a capacidade de dirigir a sociedade, ou ainda, por que é dado ao Estado o direito de estabelecer e aplicar as leis e controlar os meios de controle social. O Estado ou alguém detém a capacidade de dominar a sociedade porque são reconhecidos como legítimos pelos indivíduos. Essa abordagem é tipificada por Weber da seguinte maneira: a) Dominação tradicional: baseada no patrimonialismo e refere-se à autoridade pessoal do governante, investida por força do costume; b) Dominação carismática: baseada no carisma, ou seja, na capacidade excepcional de liderança de alguém; c) Dominação racional-legal: baseada na burocracia, no direito que se liga aos aspectos racionais e técnicos de administração.Weber (1977, p. 61-62) em Classe, Status, Partido, texto publicado postumamente, discorre a respeito do poder determinado economicamente e a ordem social. Antes mesmo de explicar esse dois pontos é importante explicar o significado da palavra “status”, de acordo com o tradutor da obra: “Em alemão ‘stände’. Há quem prefira traduzir por ‘estamentos’, estados, e mesmo ‘estratos de status’”. O mesmo cuidado o tradutor teve com o termo “partido”: “Frequentemente com esse termo Weber se refere, de forma ampla, a grupos corporativos orientados politicamente ou a estratos de poder, o que inclui, além de partidos políticos, também facções, grupos de pressão etc.”. O termo “estratificação social” será utilizado por alguns autores não significando, de forma alguma, classe social. Voltando à questão do poder Weber afirma que o poder condicionado economicamente difere do poder como tal, pois o surgimento do poder econômico pode ser decorrente de um poder que tenha outro fundamento. Ele afirma também que o homem não luta pelo poder apenas para se enriquecer. O poder econômico nem sempre é reconhecido com base na honra social. Nem é o poder, de forma geral, a única base da honra social. Reforça Weber, que a honra social ou prestígio pode até ser o fundamento do poder político e econômico. Tanto o poder (político ou econômico) como a honra podem ser garantidos pela ordem legal, contudo não se constituem em sua fonte principal.Já a ordem social, que difere da ordem econômica, é a forma pela qual a honra social se distribui numa comunidade entre seus diversos grupos. A ordem social e a ordem econômica estão ambas relacionadas à ordem legal. A ordem econômica é apenas a forma pela qual os bens e serviços são distribuídos

e utilizados. A ordem social é condicionada a ordem econômica que por sua vez reage a ela.Conclui Weber: “(…) classes, grupos de status e partidos são fenômenos de distribuição de poder dentro duma comunidade” (1977: 62).Para Stavenhagen (1977, p. 134): “Aceita-se universalmente que todas as sociedades humanas estejam estratificadas de uma ou de outra maneira. Isso significa que os indivíduos ou grupos estão dispostos hierarquicamente numa escala”. Para testar sua premissa, Stavenhagen (Idem, p.135-142) elabora quatro problemas referentes ao estudo da estratificação:a) O primeiro problema é se essas hierarquizações existem realmente na sociedade ou se são apenas construções abstratas de investigação para serem usadas como instrumento de classificação na pesquisa social. Stavenhagen busca respostas em Davis & Moore (1977) que afirmam que as estratificações são universais e representam a distribuição desigual de direitos e obrigações numa sociedade, a base para diferentes estruturas sociais, constituídas pelo prestígio diferencial das diversas posições na sociedade e das pessoas que as ocupam, sendo que a determinação dessa base de prestígio depende do critério adotado.b) O segundo problema é o de determinar quais são os fatores empregados para estabelecer as hierarquias sociais. Davis & Moore (1977) constatam que existem dois fatores de uma hierarquia – a sua importância ou função para a sociedade e o treinamento ou talento necessário para ocupá-la.c) O terceiro problema relaciona-se a se são os indivíduos os hierarquizados segundo certos atributos individuais ou se a estratificação implica a hierarquização de grupos sociais bem definidos e delimitados. Davis & Moore (1977) respondem da seguinte maneira: no caso de ser o indivíduo, o status do indivíduo é o resultado de uma série de atributos individuais baseados nos fatores de hierarquização, ou seja, a posição de um indivíduo num sistema de estratificação é considerada como seu status social. Para o caso de ser um grupo social bem definido (também chamado de estrato, camada ou classe) é geralmente categoria estatística organizada em um conjunto de pessoas que têm em comum um número determinado de características mensuráveis, ou seja, um status comum. Portanto, o conceito de classe social implica em agrupamentos discretos, hierarquizados num sistema de estratificação.

d) O quarto problema – qual a relação existente entre a estratificação e a estrutura da sociedade principalmente em relação às mudanças sociais. A resposta é dada por Weber (1977, p. 61-63) ao relacionar o poder determinado economicamente e a ordem social que organiza a estrutura social. Weber, portanto, faz distinção entre as três dimensões da sociedade: a) ordem econômica, representada pelas classes; b) a ordem social, representada pelo status; c) a ordem política, representada pelo partido. Cada uma dessas dimensões possui uma estratificação própria: na dimensão econômica, a estratificação é dada pelos rendimentos, bens e serviços de que o indivíduo dispõe; na social, é de prestígio e honra que o indivíduo desfruta, e na política é o poder que o indivíduo ostenta.Paralelamente ao conceito de classe, Weber desenvolve o conceito de grupos de status que são formados em uma comunidade a partir do prestígio e da distinção social que se formam pela honorabilidade, estima social e outros valores de nobreza social. Esse conceito contrasta com o de classe, designado a partir de um viés econômico. Portanto, os grupos de status podem acionar outras fontes de poder pelo fato de possuírem um determinado estilo de vida e uma cultura própria garantida por relações familiares, de educação, de amizade e casamento.O desenvolvimento de grupos de status a partir da segregação étnica não constitui para Weber (1977, p. 75-76) um fenômeno normal. Ele entende ser justamente o contrário, pois a segregação étnica deve ser percebida como diferença racial objetiva não se constituindo, de forma alguma, “básica para todo sentimento subjetivo de uma comunidade étnica, o fundamento inicial de raça da estrutura de status depende, absoluta e justificadamente, do caso concreto individual”. Não raro, um determinado grupo de status é utilizado como referência para a produção de um tipo antropológico puro.Os grupos de status podem ser formados a partir de um processo seletivo ao escolher os indivíduos mais aptos e qualificados. Porém, a seleção não é o único modo de formação de grupos de status. Também se formam a partir da participação política ou da situação de classe. Assim sendo, a situação de classe, de longe, é o fator predominante, pois a possibilidade de um estilo de vida que se espera dos membros de um grupo de status é normalmente condicionada pela condição econômica. Weber (1977, p. 63) não define as classes sociais como comunidades, entretanto considera que elas sejam bases possíveis para a “ação comunal”.A classe

é definida, sob o ponto de vista econômico, de acordo com as três características descritas a seguir: a) como um grupo de pessoas que possuem em comum um componente causal específico de suas oportunidades de vida; b) na medida em que esse componente causal é representado exclusivamente por interesses econômicos ligados à posse de bens e oportunidades de rendimentos; c) é representado sob as condições específicas do mercado de produtos ou de mercado de trabalho. Portanto, a classe social para Weber, baseia-se na ordem econômica, não sendo mais do que um aspecto da estrutura social.Mesmo definindo classe por meio de um critério exclusivamente econômico, Weber não enfatiza a produção, mas o mercado no qual e pelo qual os indivíduos compartilham as mesmas oportunidades e recursos, que não são, exclusivamente, o capital econômico e o trabalho, pois incluem outros recursos como as habilidades específicas que advêm da experiência e do treinamento profissional.Stavenhagen (1977, p. 142-143) faz críticas à teoria weberiana por definir classe somente sob o ponto de vista econômico. Em primeiro lugar, o autor afirma que a classe baseada na ordem econômica não seria mais do que um aspecto da estrutura social, aspecto esse que segundo Marshall (apud Stavenhagen 1977: 142) “está perdendo sua importância na sociedade moderna, diante da importância do status como elemento primordial da estratificação social”. O conceito de classe tem por sinônimo estrato em qualquer tipo de estratificação e não somente na estratificação econômica. Em segundo lugar, é necessário destacar ser difícil ver como “os esquemas de estratificação que mostram status ou classes superiores, médias e baixas, com todas as suas variações, podem ser integrados à estrutura social, caso não sejam considerados outros fatores”. Em terceiro lugar, a estratificação não vai além do nível da experiência por se tratar de simples descrições estáticas e que conduzem aos estereótipos e não à compreensão das estruturas.Contudo, para Stavenhagen (1977, p. 165-166) existem estratificações que não se baseiam nas relações de classe, pelo menos à primeira vista. Exemplo são as categorias profissionais de prestígio ou certas hierarquias baseadas no pertencer racial ou étnico. A discriminação dos negros nos Estados Unidos, mesmo ignorando-se suas implicações econômicas, tem sua origem na escravidão combinada com o desenvolvimento do capitalismo industrial, logo após a abolição da escravidão desse país no ano de 1863. Portanto, a estratificação racial dos Estados

Unidos, assim como no Brasil, baseia-se em uma situação de classe, ao menos em sua origem. A esse respeito, o autor chama a atenção e toma o cuidado ao lembrar que a tese da discriminação racial nos Estados Unidos é produto da exploração econômica considerada, por muitos sociólogos estadunidenses, um anátema. Eles preferem ver a discriminação racial somente pela ótica do irracionalismo humano.
Conceito de capital em Bourdieu

Bourdieu define classe social como sendo:(…) conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujeitos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posições semelhantes. (BOURDIEU, 1998, p.136)O estudo efetivo da classe social depende, segundo Bourdieu, de um necessário rompimento com Marx. O primeiro rompimento é com a substância ou aquilo que há de permanente nas coisas mutáveis. Classe não é um grupo real e sim um conjunto de relações, e para Bourdieu é necessário romper com a substância e privilegiar as relações. A segunda ruptura é com o economicismo passando a considerar o espaço multidimensional. Por fim, romper com o objetivismo e privilegiar as lutas simbólicas nos mais diferentes campos.Silva (1995, p. 30) afirma ser útil considerar as duas maneiras que Bourdieu (1987) utiliza o conceito de classe; ele faz uma distinção entre classes teóricas ou prováveis e classes concretas ou reais. As classes teóricas ou prováveis – essas classes são definidas a partir de uma avaliação das disponibilidades que indivíduos ou grupos têm das formas básicas de poder (capital econômico e capital cultural). Na concepção de Bourdieu são várias as formas de poder e o indivíduo é visto como ocupante de um determinado ponto num espaço social multidimensional e as classes são os grupos que ocupam posições próximas neste mesmo espaço. Essa concepção, de acordo com Silva (1995, p. 31) sugere uma imagem gráfica (Figura 1 – Representação gráfica das classes teóricas de Bourdieu) das classes como estruturas prováveis de estilo de vida designado pelo capital provável sendo este o resultado das inter-relações do capital econômico, do capital cultura e do capital social, pelos quais cada indivíduo pode estar imerso e exposto. Embora a Figura 1 apresentada em Silva (1995, p. 31) não seja utilizada por Bourdieu e até, de certo ponto, viole

suas propostas, ela é um recurso didático-visual que facilita compreender a ação conjunta dos capitais.A expressão capital cultural é uma expressão cunhada por Pierre Bourdieu com o objetivo de analisar as diversas situações de classe. Silva (1995, p. 24) destaca que em certa medida o capital cultural serve para caracterizar subculturas de classe ou setores de classe. Grande parte da obra de Bourdieu é dedicada à descrição minuciosa da cultura em seu sentido mais amplo, como: os gostos, os estilos de vida, os valores, habitus etc. decorrentes das condições de vida específicas das diferentes classes, moldando as suas características e contribuindo para distinguir, por exemplo, a burguesia tradicional da nova pequena burguesia e esta da classe trabalhadora.A representação gráfica das classes teóricas de Bourdieu é construída a partir de um espaço tridimensional e em cada um dos seus eixos são designados três poderes distintos na forma do capital econômico, capital social e capital cultural. FIGURA 1 – Representação gráfica das classes teóricas de BourdieuFonte: Silva (1995, p. 31)Sobre as classes concretas ou reais Bourdieu apud Silva (1995, p. 31) afirma que os indivíduos, em geral, que ocupam posições próximas nesse espaço tridimensional têm maior probabilidade de formar grupos concretos, conforme segue:

..agentes que ocupam posições vizinhas nesse espaço … estão sujeitos aos mesmos fatores condicionantes; consequentemente eles têm toda a chance de desenvolver as mesmas disposições e interesses e de produzir as mesmas práticas e representações. Aqueles que ocupam posições semelhantes têm toda a chance de desenvolver o mesmo habitus … (BOURDIEU 1987, p. 5).Entretanto, não há nesta abordagem ao conceito de classe em Bourdieu uma relação determinística causal entre a classe provável e as classes reais. Se fosse, valeria a máxima de que todos aqueles que descendem de um indivíduo rico (filhos, netos, bisnetos etc.) serão inevitavelmente ricos e cultos. A recíproca também seria verdadeira se a expressão partisse de um indivíduo pobre. Equivale afirmar que o movimento da probabilidade para a realidade não é dado, pois depende de outros princípios e fatores aglutinadores e formadores de valores e identidades grupais. As classes reais ou concretas têm características semelhantes visíveis: gosto artístico-cultural e estilo de vida similar; compartilham local de moradia e práticas culturais; agem em função de seus próprios interesses etc. Possuem gosto legitimado pelo prestígio, também são legitimadores do gosto de nobreza relacionado à arte, cultural e moda por darem valor simbólico às coisas. O capital cultural, portanto, se destaca em Bourdieu tanto na concepção das classes prováveis quanto na formação das classes reais. A partir do exposto, Silva (1995, p. 31) com o intuito claro de relacionar as teorias de Marx e Weber as de Bourdieu faz o seguinte questionamento: “Como essa concepção de classe e esse destaque dado à cultura se inserem nas teorias clássicas de Marx e Weber?” A autora afirma que Bourdieu frequentemente é associado à corrente neomarxista, por adotar um estilo radical e fazer uso de termos e conceitos familiares à abordagem marxista, como por exemplo: o capital como princípio constitutivo das classes, as classes como prioridades de análise e a ênfase em mecanismos utilizados pela classe dominante para garantir a sua reprodução na forma de luta de classes como lutas simbólicas ou lutas de classe simbólicas. Para Marx, as condições sociais típicas de uma classe estão associadas a dimensões psicológicas e culturais, como a consciência de classe e a utilização das ideias da classe dominante como instrumentos de dominação.Neste sentido, de acordo com Gramsci, a classe dominante é que detém o poder hegemônico quando sua ideologia penetra nas massas. Quem detém o poder simbólico, o gosto nobre, o privilégio e a cultural legítima possui a hegemonia. Entretanto, como já visto anteriormente, a análise de Marx se reduz ao nível das relações econômicas, especificamente, a esfera de produção e as relações capital e trabalho já que é a infraestrutura econômica ou a base material da sociedade que determina a superestrutura em suas dimensões artísticas, culturais, sociais, religiosas, legais e ideológicas.Em relação à teoria weberiana foi visto que as classes são determinadas estritamente pela ordem econômica, não sendo a ênfase na esfera da produção, e sim o mercado no qual os indivíduos compartilham as mesmas chances de vida, os mesmos recursos que não são exclusivamente o capital trabalho, pois são incluídos outros recursos como as habilidades específicas que advêm do treinamento e da experiência profissional. Weber também desenvolve o conceito de classe social paralelamente ao conceito de “grupos de status” ou grupos concretos formados a partir do prestígio, da honra e da estima. Por essas características os grupos de status se constituem comunidades e não classes sociais. Silva (1995, p. 31) afirma que tanto pelo conceito de classe, em que são destacadas as chances de vida e não a relação capital trabalho, quanto pelo conceito de grupo de status como forma de estratificação social que aciona recursos simbólicos e culturais, a teoria de Bourdieu tem sido considerada mais weberiana do que marxista. O próprio Bourdieu relaciona a passagem das classes teóricas às classes reais com a formação dos grupos de status em Weber e também parece haver certa similitude entre as classes como chances de vida e as classes prováveis de Bourdieu. Da mesma forma, as classes e os grupos de status de Weber se assemelham aos grupos concretos de Bourdieu.Bourdieu, pelo viés weberiano, se torna mais weberiano que o próprio Weber ao incluir a dimensão cultural e simbólica na definição das chances de vida ou classe provável e não apenas na formação de grupos reais. Portanto, Silva (1995, p. 33) conclui que em Bourdieu: O capital que estabelece essas classes teóricas não é apenas econômico, mas também social, cultural e simbólico. Ao se identificar tanto com Marx quanto com Weber, ou mais com Weber do que com Marx, a teoria de Bourdieu não se mostra inconsistente ou reacionária, mas, ao contrário, segue a tendência convergente que caracteriza abordagens mais recentes à teoria de classe.
O gosto legítimo, o gosto de nobreza ou a cultura legítima em Bourdieu se assemelham à dominação legítima de Weber por não haver a incidência ou necessidade do uso da violência como forma de dominação. O poder é reconhecido pela condição de classe social privilegiada (de nobreza ou aristocrática) tem em legitimar o gosto cultural, já o controle social ocorre também devido à tradição, ao carisma e à burocracia

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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