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Democracia: direitos individuais x direitos sociais

 Democracia e Direito

 

Por Roniel Sampaio Silva
A democracia está intimamente relacionada com o direito. Não existe democracia sem a garantia básica de direitos individuais, sociais e políticos. Não há como se discutir democracia sem discutir a relação entre direitos, sobretudo, a relação entre confronto de direito sociais e individuais. Vale mais o direito individual de ir e vir ou o direito social dos movimentos sociais de manifestação política? Assim farei uma breve discussão sociológica sobre isso.

 

Em primeiro lugar é preciso fazer uma breve conceituação dos tipos de direitos na perspectiva de Thomas Humprey Marshall: 1- direito individual é o que você tem como indivíduo -a vida, a propriedade e a inviabilidade da casa e a se defender perante à justiça. 2- direitos sociais, são os que você tem como ser social: educação, saúde, transporte, moradia e etc. 3- direitos políticos, naturalmente, dizem respeito ao exercício político -votar, ser votado e reivindicar.

 

Há de se convir que não existe direito ilimitado ou absoluto. Todo direito é relativo ou contextualizado na medida em que o que é direito de um passa a ser dever de outro. Mesmo os direitos individuais mais básicos como a vida, são relativizados. Por exemplo, quando determinada pessoa ameaça a vida de outros ele pode ter sua vida subtraída para garantir que outras vidas sejam poupadas.

 

Assim os direitos são confrontados. O direito à vida da pessoa que está disposta a tirar a vida de outras não se sobrepõe ao direito dos ameaçados em viver. Eis um exemplo de confronto do direito individual à vida de um eventual psicopata com o também direito à vida das demais pessoas.

 

Quanto há confronto de direitos fica patente que a justiça precisa avaliar o confronto de direitos para garantir a democracia. Nesse balanço o direito individual parece está num patamar superior ao dos direitos coletivos na perspectiva de resistência aos movimentos sociais. Para fins de melhor entendimento vou ilustrar isso com duas situações.

 

A primeira diz respeito à sinalização da justiça de que o teste do bafômetro não pode ser compulsório sob alegação de que ninguém pode constituir prova contra si mesmo. Ou seja, vale mais o seu direito individual do que o direito coletivo das demais pessoas.

 

A segunda diz respeito ao direito de manifestação política que é combatido quase sempre violentamente pelas autoridades sob a alegação de que tais multidões atrapalham o trânsito. Nesse caso também fica evidente que mais vale o direito individual de ir e vir de um motorista em particular, vale mais do que qualquer direito político de reivindicar por direitos sociais tais como educação, saúde, segurança pública. Ou ainda para exigir a punição de corruptos. De onde pode ter vindo essa disparidade descomunal entre a relação de direitos individuais e sociais?Isso pode ter se dado pela junção de dois fatores importantes.

 

O Primeiro, num país como o nosso, nem todos têm acesso a justiça, seja porque não têm educação adequada,ou porque não têm capital para constituir advogado.O que revela que sequer temos direito individual de maneira satisfatória, exceto um grupo seleto e privilegiado da sociedade. Segundo, e por extensão, é que há uma forte tendência em pender a análise do direito uma perspectiva que privilegia o direito individual.

 

Na Inglaterra houve uma preocupação tão demasiada com a garantia dos direitos individuais para inibir a ação de um Estado violento que a grande preocupação se deu em torno dos direitos individuais, o qual constituiu a base do Estado Liberal.  Em seguida, direitos sociais e por fim, direitos políticos.

 

No Brasil essa configuração, segundo José Murilo de Carvalho se deu de maneira diferenciada atropelada uma vez que os direitos coletivos foram uma das últimas preocupações do estado. Nesse sentido, o direito coletivo ficou sempre aquém das políticas públicas e o direito individual ficou num patamar sacralizado.

 

Nosso país não está preparado para grandes movimentos populares. Na verdade nunca esteve. Existe uma fobia social à movimentos sociais que é incitada pela grande mídia, a qual cria um antagonismo entre polícia e manifestantes, muitas vezes na inversão ridícula de que apenas os policiais são trabalhadores.É nessa hora que a mídia utiliza duas estratégias básicas para tentar diluir os movimentos que podem via a ameaçar seus interesses.Primeiro tentam questionar a legalidade do movimento colocando o direito individual de ir e vir como superior aos direitos sociais e políticos. “Isso é contra a lei!” Daí as autoridades convocam a política, para que a democracia brasileira prime pelo seu patamar maior: o direito individual absoluto. Nesse sentido, muitos juízes parecem compactuar com essa interpretação quando indiciam manifestante com base nessa interpretação.

 

A segunda estratégia diz respeito a questionar a legitimidade. “Não é isso que o povo quer!” Daí tentam de todos os artifícios descredibilizar a adesão popular do movimento, alegando que se tratam de conspiração política eleitoral e usam os mais vis adjetivos para desqualificar manifestantes.

 

A inversão midiática enfatiza o alvoroço temporário da manifestação como ameaça ao direito individual. Ocorre que as autoridades aliadas à grandes empresas e através do Estado criam mecanismos que atrapalham seu direito de ir e vir permanentemente, silenciosamente, a longo prazo. Ou seja, se os movimentos sociais atrapalham seu direito individual provisoriamente em favor de um direito coletivo permanente, a violência estatal burocrática legal atrapalham seu direito individual permanentemente.

 

O argumentação legal costuma se basear na ordem. Ordem para quem? E até quando? O transtorno é passageiro, mas o beneficio é a longo prazo. O direito de se deslocar-se de carro na avenida é individual e restrito e é atrapalhado
provisoriamente. Porém o direito de ter um transporte coletivo de qualidade é coletivo e melhorado permanentemente. Não melhora-se apenas o deslocar-se espacialmente, melhora-se o deslocar-se utilizando-se da democracia.

 

 

Ocorre que nas discussões de hoje a balança acaba pesando para a individualização de uma sociedade que clama por demandas coletivas. Se o patamar das demandas individuais foram sempre engrandecidos, as demandas populares serão sempre suplantadas para garantir os direitos individuais, não de todos, não de uma minoria, legitimando uma pirâmide cruel de desigualdades, econômicas, sociais e políticas. Tá na hora do STF resolver esse impasse jurídico, não acha? Antes que nossos direitos políticos virem terrorismo.
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