Educação em casa
E quando a escola é a casa e os pais os professores? HomeSchooling em questão
Por Cristiano das Neves Bodart
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Um movimento amplamente difundido nos Estados Unidos, conhecido como HomeSchooling (Ensino Domiciliar, em inglês), vem ganhando espaços de debates nos últimos anos no Brasil. Alguns pais vêm buscando junto a justiça para obter o direito de educar seus filhos em casa. Tal luta judicial parece ser mais orientados por posicionamentos ideológicos e culturais e menos jurídicos. A questão, que julgo estar ainda em aberto, são seus impactos ligados ao desenvolvimento socioeducativo da criança e do adolescente.
O HomeSchooling, ou Educação Domiciliar, é definida pela Associação Nacional de Ensino Domiciliar como possuidora de duas características específicas que a diferencia da “Educação Escolar” e da “Educação a Distância”:
- Os principais direcionadores e responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem são os pais do educando (aluno);
2. A educação não ocorre em uma instituição, mas no seio da própria família (no lar, na vizinhança, em passeios, etc.).
Dentro dessas características, podem haver inúmeras variações relacionadas a: material didático, rotina, sequenciação de conteúdo, atividades, avaliação, etc.
No âmbito jurídico, a Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino” (art. 55). Porém, tratados superiores, ratificados pelo Brasil, apontam o direito dos pais em escolher o tipo e a modalidade de educação a ser ofertado à seus filhos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos” (artigo 26.3). Nessa mesma direção, a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), determina que “Os pais e, quando for o caso, os tutores, têm direito a que seus filhos e pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.” (Artigo 12.4). Dito isto, nota-se que o direito à liberdade de escolha dos pais é garantido por leis supranacionais que estão, inclusive, acima do ECA e da LDB, porém abaixo da Constituição Federal de 1988, que não aponta a obrigatoriedade dos pais matriculares seus filhos. Embora ambas os tratados apontam para tal liberdade e direito, no Brasil, os embates judiciários em torno da Educação Domiciliar são mais culturais e ideológicos do que jurídicos. O HomeSchooling tem sido acusado de ser uma causa da Direita Brasileira, enquanto a ECA, por outro lado, um instrumento legal de caráter marxista. Em 2010, saiu no Diário Oficial da União que maiores de 18 anos e com Ensino Fundamental completo podem fazer o ENEM e, se alcançarem uma pontuação de 400 pontos em cada área e 500 na redação, têm o direito de obter certificação de Ensino Médio. Tal resolução é mais um indício de que tendemos a legalização do HomeSchooling no Brasil.
A questão que julgo necessário ser discutida não está sob a sombra da legislação, mas do desenvolvimento socioeducativo da criança e do adolescente. Por um lado, os defensores do HomeSchooling apontando a baixa qualidade do ensino brasileiro, o que é comprovado pelos dados oficiais do Governo, assim como a existência de ideologias contrárias a posição dos pais. Por outro, os que defendem a importância do ambiente escolar.
Se entendêssemos o ensino escolar apenas como transmissor de conhecimento já teríamos algumas questões a serem pensadas: 1. Estariam os pais habilitados/capacitados para ensinar as diversas áreas científicas que compõe a realidade moderna? 2. Como seria a avaliação dos pais-educadores para definir se estariam aptos ou não a ensinar seus filhos? Esperaria um ciclo para avaliá-los? Seria uma liberdade de escolha a ser proporcionada à apenas alguns poucos pais intelectualizados ou se estenderia a todos? 3. Como os filhos fariam para participar de debates e confrontos de informações tão importantes para o desenvolvimento do conhecimento crítico? 4. Como lhe dar a condição de ter filhos em idades escolares diferentes, haja visto que o modelo antigo de “escolas pluridocentes” foram suprimidas devido seus baixos resultados?
Se entendermos a escola como um ambiente para além da transmissão de conteúdo, sendo um ambiente de socialização, como os pais supririam a ausência desse ambiente? Privar a criança e o adolescente da convivência com outras não teriam consequências no desenvolvimento social? A privação de embates, conflitos, amizades e solidariedades que ocorrem no ambiente escolar seria suprido de qual forma? Tais experiências plurais são descartáveis para a formação humana? Seria apenas uma ação fruto de um descontentamento com o sistema educacional ou com o perfil dos indivíduos da sociedade plural? Por traz do HomeSchooling não estaria uma atitude de discriminação aos demais alunos, julgando-se hierarquicamente superior? Outras questões são importantes nesta discussão: Será que os filhos devem ser uma reprodução fiel de seus pais? A prerrogativa de educar em casa não poderia ser utilizada como argumento para não matricular os filhos na escola para conter custos financeiros ou introduzi-los no mundo do trabalho mais cedo? Muitas interrogações ainda existem. Talvez menos no campo jurídico e mais no campo cultural-ideológico.
Muito importante seu ponto de ista. também concordo mas ainda me preocupo bastante com a educacao de meus futuros filhos.
Cristiano, interessante suas reflexões sobre o tema de home schooling. Acredito que ao momento que trocamos o nome “home schooling” para Unschooling diversas de suas questões podem ser respondidas.
Atualmente o que muitos pais buscam, é uma metodologia de ensino mais adequada às demandas atuais. Buscam uma saída do método tradicional de ensino que para muitos funciona bem, mas que claramente não está acompanhando o ritmo da evolução social e tecnológica das últimas décadas. Classificados como Homeschoolers, muitos alunos se reúnem em grupos onde socializam, discutem e aprendem uns com os outros, mas em um processo individualizado, que quando substituído pelo tradicional método coletivo de ensino, estimula o estudante a aprofundar-se em temas que lhe despertam maior interesse, e ao mesmo tempo respeita as dificuldades que podem haver com outras áreas do conhecimento, permitindo maior tempo para a absorção ou exploração de determinado tema ou problema.
Nesse universo, nem sempre o ensino acadêmico é função exclusiva dos pais, que podem delegar essa difícil tarefa para profissionais com experiência e preparados para a importante missão de transferir conhecimentos acadêmicos específicos.
A figura do professor é apresentada na forma de um orientador. Com menos imposição de um ritmo, necessário para conduzir um grupo, o foco do orientador é em despertar no aluno a curiosidade de aprender, respeitando o ritmo de cada um dos orientados. A sala de aula existe, mas por vezes é substituída por um museu ou pela praia ou um celeiro, e as vezes por um aeroporto ou uma construção, dependendo do tema que está sendo abordado e das curiosidades individuais de cada um dos alunos.
Sem duvidas a participação da família tem grande importância nesse processo, e as demandas são maiores para os pais, mas com a dose correta de disciplina o processo pode ser prazeroso e os resultados surpreendentemente positivos.