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Ernst Cassirer: resenha de “A conquista do mundo histórico”

Ernst Cassirer foi um filósofo alemão mais conhecido do Neokantismo. Compondo o quinto capítulo de A filosofia do Iluminismo (1994), o texto “A conquista do mundo histórico”, escrito pelo filósofo alemão neokantiano Ernst Cassirer (1874-1945), visa compreender as relações existentes entre a filosofia iluminista e a história, a partir da afirmação do Século das Luzes, isto é, o século XVIII, como ocasião de conquista do mundo histórico, posto que o Iluminismo teria criado tanto a filosofia da história quanto o pensamento histórico. Nessa direção, Ernst Cassirer destaca o surgimento setecentista de uma historiografia chamada “filosófica”, que, em prol de um equilíbrio entre história e filosofia, foi fundamental para a consolidação do próprio conhecimento histórico.

Por Lucas Barroso*

Para iniciar seu empreendimento, Cassirer (1994, p. 267) lança mão de seu primeiro argumento: o autor, enquanto defensor do Iluminismo em oposição ao Romantismo, recusa o mito romântico de a-historicidade que estaria presente no século XVIII, posto que esse seria, segundo ele, “uma ideia desprovida de qualquer fundamento histórico”. Nesse sentido, em crítica às ideias pejorativas do Romantismo, o filósofo alemão rejeita a máxima romântica de que o Iluminismo seria hostil à historicidade. Assim, Cassirer (1994) se propõe a apresentar como o passado e a história também eram objetos de estudo de alguns dos principais filósofos do período iluminista, afirmando-o seu pioneirismo no esboço do devir histórico. Além disso, também pressupõe que o próprio Romantismo só pôde existir por conta do Iluminismo.

Considerando uma unidade intrínseca entre problemas naturais e históricos, Cassirer (1994) afirma que, para ambos, a filosofia iluminista utilizava o mesmo método universal racional, em recusa ao sobrenatural. Em virtude disso, o autor defende que até uma nova forma de teologia também surgiu no período: dos chamados “inovadores”, que, em detrimento do dogmatismo e da ortodoxia, reivindicavam a urgência de uma crítica sistemática e histórica das fontes religiosas. Desse modo, a investigação ocupou o lugar da mera Verdade revelada.

No entanto, segundo Cassirer (1994), ao passo que as ciências naturais eram reconhecidas e consolidadas, o conhecimento histórico carecia de fundamentação, sendo necessário, a partir da convocação das forças intelectuais do século, “conquistar” o mundo da história e reuní-lo em uma ciência propriamente dita. De acordo ainda com Cassirer (1994), o pioneiro inovador desse empreendimento foi Voltaire (1694-1778) que, em seu ensaio histórico sobre os costumes, influencia outros filósofos em torno de uma “historiografia filosófica” em busca de novos problemas filosóficos e novas tarefas a partir do detalhamento histórico. Nessa via, uma das teses de Cassirer (1994) sobre o Iluminismo é que, apesar de não ter criado muitas ideias inovadoras, teria preparado novas formas de proceder e pensar em relação tanto ao passado quanto ao futuro.

No século XVIII, de acordo com o Ernst Cassirer, a história passa a ser o modelo metodológico das ciências humanas, que, em virtude da própria introdução do método histórico em torno de críticas históricas às fontes, são libertas da tutela teológica determinada pela doutrina eclesiástica. A origem disso remontaria, segundo Ernst Cassirer, ao século passado com o advento das bases do método científico do cartesianismo. Ainda que a dimensão histórica ficasse completamente fora do ideal cartesiano racionalista, em virtude da rejeição a todo o conhecimento que não fosse demonstrável, a dúvida metódica de René Descartes (1596-1650), que ainda recusava e rechaçava a história, acabou sendo problematizada e adotada como método por alguns filósofos que se propunham a pensar a história (CASSIRER, 1994).

Um deles, por exemplo, foi Pierre Bayle (1647-1706) que, mesmo com seu rigor crítico, abre caminho para a independência total da história à teologia. Foi esse filósofo francês quem realizou a “revolução copernicana em história” (CASSIRER, 1994, p. 279) ao aplicar a dúvida à realidade histórica e retomar as fontes subjetivas e a crítica minuciosa às fontes históricas, o que permitiu o estabelecimento de fundações metodológicas autônomas e libertas da Fé. Foi a partir também de seu Dicionário Histórico e Crítico que a filosofia do Iluminismo aprendeu a formular os seus problemas sem hierarquizações limitantes.

Nessa direção, Cassirer (1994) aponta ainda que o primeiro esboço sistemático de uma filosofia da história – ramo proposto à posteriori pelo pensamento voltairiano – foi elaborado por Giambattista Vico (1668-1744), à época de hegemonia do cartesianismo clássico, tendo uma influência concentrada em Nápoles, sua cidade de origem, e sendo resgatado por pensadores românticos do século XIX. Já no âmbito da filosofia do Iluminismo, segundo ainda o filósofo alemão, quem primeiro o fez foi o Barão de Montesquieu (1689-1755), conhecido por sua teoria política de separação dos poderes e por ser iniciador do método dos “tipos ideais”.

A conclusão de Cassirer (1994), portanto, é que a urgência da história se apresentou inicialmente à filosofia iluminista por meio da teologia “inovadora”, caracterizada por estudos críticos em torno de fontes, passado e dogmatismo religiosos, e depois foi possibilitada em torno de bases cartesianas de Pierre Bayle, por exemplo, e filosóficas de Vico e Montesquieu. Por meio desse exercício de pesquisa em torno do passado, foi possível autonomizar e secularizar essa atuação em torno de um “senso de investigação histórica”, gerando, por conseguinte, um movimento que Cassirer (1994) chamou de “a conquista do mundo histórico”, responsável pela germinação gradual de um senso histórico no âmago do Século das Luzes, considerado por muitos românticos como “a-histórico”.

 

*Bacharelando em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciando em História pela Universidade Candido Mendes (UCAM). É pesquisador de Iniciação Científica, com bolsa do PIBIC-CNPQ (nov./2022-atual), vinculado à Divisão de Memória Institucional (DMI – SiBI/UFRJ), atuando na linha de pesquisa “A UFRJ e Ditadura Civil-Militar (1964-1985)”, sob orientação da Profª Drª Andréa Cristina de Barros Queiroz. Também é componente do Grupo de Estudos e Pesquisas em Insubordinação Criativa (GEPIC) enquanto estudante-pesquisador, contribuindo na linha de pesquisa em Conexões, Inovações e Transformações na Educação, sob orientação da Profª Drª Daniella Assemany da Guia.

 

Referências

CASSIRER, Ernst. A conquista do mundo histórico. In: _______. A filosofia do Iluminismo. 2. ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994. cap. 5. p. 267-313.

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

2 Comments

  1. E hoje no Brasil atraso enoooorme nas escolas.
    Ensino e educação em frangalhos.
    A dita “””arte””” é indústria cultural, cultura de massas — de baixo nível.
    O PT nivela tudo por baixo.
    A educação, a cultura e a arte.
    O PT é cringe. O PT é brega.
    O PT é vergonhoso, ultrapassado e fora de moda. O PT é barango, o PT é kitsch.
    O mula é um aPedeuTa.

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