Ícone do site Café com Sociologia

Família tradicional ocidental é apenas um dos muitos tipos de família

A ideia de família tradicional é uma ideia socialmente construída

 
Família tradicional ocidental e a criação de seus filhos: quando a ideia de família se amplia

Por Cristiano das Neves Bodart
cristianobodart@hotmail.com

É muito comum a discussão se o modelo tradicional e ocidental de família é a mais adequada para a criação de filhos. Quando entra em cena os casais homoafetivos, pais separados, avós, etc, essa discussão torna-se ainda mais acalorada e divide opiniões. Não tenho a pretensão de impor uma opinião valorativa a respeito, antes, apresentar algumas reflexões iniciais, e em construção, em torno do tema.

A fim de iniciar as reflexões pretendidas acredito que seja importante pensarmos o que seria uma família nos moldes ocidentais tradicionais. Os mais apressados diria que é um casal, composto por pai e mãe e seu(s) filho(s). Essa definição não está errada, mas creio ser insuficiente para o objetivo aqui proposto. O conceito de família ocidental que temos está ligada a origem romana da palavra de raiz osca “fam”, que no latim é “famel”, que significa ao “pé da letra” escrava. Tal origem remete a ideia de que família está associada aos domésticos, na época incluía-se aí os escravos, os quais vivem em um lar. Temos, então, dois outros conceitos envolvidos: doméstico e lar.

A palavra doméstico estar associada à ideia de domesticar (da mesma raiz), de impor controle, sanções e a “poda” da liberdade individual em detrimento as regras estabelecidas pelo chefe da família, outrora senhor. Os domésticos de hoje não são os escravos de ontem, porém a domesticação é praticada via “educação familiar”.

A palavra “lar” também tem origem romana. “Lares eram os deuses da família […]. Os Lares de uma família eram as almas dos antepassados, que velavam por seus descendentes” (BULFINCH, 2001). Nota-se que existe na expressão um sentido claro reacionário, onde os antepassados estão sempre presente. Em contrapartida, os romanos acreditavam que os Lares estavam presentes no local onde se acendia o fogo para cozinhar e aquecer a família, daí o temo “lareira”. A lareira era o local de união dos membros do lar, onde se conversava, se aquecia, se contava histórias, transmitia-se ensinamentos, etc.

Exposto rapidamente e de forma simplória tais termos que cercam o conceito de família resta-nos levantar algumas questões como ponto de partida para uma reflexão: i) uma criança deve ser criada (outra palavra que está ligada ao servo ou ao escravo) em uma família ou em um lar? O que deve ser analisado é a capacidade de domesticar ou de agregar em torno de uma lareira? Ou seja, o que importa mais seria a existência de um modelo ocidental onde existe a figura do pai e da mãe ou o que importa é a existência de momentos de “agrupamento”, de conversas, de contar histórias, transmitia-se ensinamentos, etc. ii) Toda família tradicional é um lar? Iii) existe lares, onde há “calor” sem que exista a figura do pai ou da mãe ou dos dois?

Peço licença para expor uma breve opinião pessoal. Tenho visto casa que não são lares. Famílias compostas por senhor e servos. Por outro lado, avós que aquecem a “alma” de seus netos, ainda que inexistentes a figura do pai e/ou da mãe. O que deve estar em jogo é o modelo de família ou a sua qualidade e capacidade em dar a criança um LAR? Casais homoafetivos, pais separados, avós, tios… o que importa é de fato, em minha opinião, se tal grupo ou indivíduos possuem “lareira” a ofertar, ou seja, um local de união de seus membros, onde se conversa, se conta histórias, transmitia-se ensinamentos, onde olha-se nos olhos, rir-se juntos, sofre-se juntos, em fim, busca-se aquecer o “coração” um do outro. Crianças precisam disso…

 

ReferênciaBULFINCH, Thomas. O Livro de ouro da Mitologia: história de Deuses e Heróis. Trad. David Jardim Junior. 13ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.

Publicado originalmente em 29 de set de 2014 às 05:19

Sair da versão mobile