/

Fordismo, o que é?

Fordismo, o que é? Alguém que “nessa altura do campeonato”, início de século XXI, escreve sobre taylorismo, fordismo e quejandos ou tem nostalgia do passado ou não tem atualizado seusconhecimentos. Melhor, é um antiquado, um matusalênico que pensa que o sistemaainda é de base mecânica quando a eficiência era contabilizada através do cronômetro,de movimentos previamente estabelecidos sobre um processo que corria por meio deroldanas e outros mecânicos meios. No entanto, não é esta impressão que propomosno presente artigo. Aqui o que objetivamos é resgatar conceitos que o modismo dacontemporaneidade flexível não permite que sejam percebidos, escondendo indicadores da permanência de um fazer fordista travestido, muitas vezes, de moderno,atual. A tese proposta é que o pós-fordismo contém o fordismo. Ou seja, o fordismonão é substituído pelo pós-fordismo, visto que este último contém, de acordo com aunidade dos contrários, lei da dialética, elementos fordistas, substâncias que serãorepresentadas por meio de um continuum. Assim, a aparente situação antitética nãoocorre uma vez que o pós-fordismo compreende seu oposto, o fordismo.

Por Fernando G. Tenório*

 

Parece ser que a lei dialética da unidade dos contrários começa com Heráclitode Éfeso (século VI-V a.C.)1 ao enunciar, por meio de um de seus fragmentos,2que “o contrário é convergente e dos divergentes nasce a mais bela harmonia,e tudo segundo a discórdia” (Souza, 1973:86). Do V século a.C. chegamos aoXIX d.C. com Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)3 ao dizer que “nãoexiste frase de Heráclito que eu não tenha integrado em minha Lógica” (Souza,1973:98). “Heráclito também diz que os opostos são características do mesmo,[…], ser e não ser ligam-se ao mesmo” uma vez que o “infinito, que é em si epara si, é a unidade dos opostos e, na verdade, dos universalmente opostos, dapura oposição, ser e não ser” (Souza, 1973:99). Conclui Hegel: “Heráclito expressou de modo determinado este pôr-se numa unidade das diferenças” (Souza, 1973:99). “Saber que na unidade se encontra a contradição e na contradição a unidade, eis o saber absoluto; e a ciência consiste em conhecer por si mesmaesta unidade no seu desenvolvimento global” (Hegel apud d’Hondt, 1984:88).4Portanto, partindo destes supostos heraclitiano e hegeliano, entendemos que opós-fordismo, apesar de sua aparência antitética, contém o fordismo, isto é, queo conceito de pós-fordismo compreende seu oposto, o fordismo.

Ao que parece, o surgimento do paradigma técnico pós-fordista, referência das recentes técnicas de gestão organizacional, propõe criar mecanismosno espaço das interações sociais. Técnicas integradas de produção que não sóatendam às diferentes demandas do ambiente operacional das empresas, mastambém sugerem promover condições democratizadoras nas relações sociaisno interior das organizações. Com a finalidade de analisar esta proposiçãoconceitual desenvolveremos este texto por meio de dois tópicos: no primeirocaracterizaremos o fordismo como um modelo microeconômico que surge noinício do século XX e se estende também como modelo macroeconômico atéos anos 1970, e cuja substância social é determinada pela técnica; no segundocaracterizaremos o aparecimento do pós-fordismo como paradigma do finaldo século XX, na medida em que ele se tornou “um compromisso social, aceito— por bem ou por mal — pelos dirigentes e trabalhadores” (Leborgne e Lipietz, 1991:102), e cuja substância social seria determinada não mais exclusivamente pela técnica, mas pela interação dos envolvidos no processo.

As expressões fordismo e pós-fordismo, da mesma forma que modernidade e pós-modernidade, sociedade industrial e pós-industrial, estado debem-estar social e neoliberalismo, têm gerado debates a respeito da validade ou não desses conceitos. Apesar disso, vamos utilizar esses pares comoconceitos que são representados como antitéticos: fordismo versus pós-fordismo. Procurando manter coerência com a lei da unidade dos contrários, o processo de produção contemporâneo ocorreria sob o continuum: fordismo (0)————— (1) pós-fordismo.5 Nesse espaço, várias possibilidades ou combinações tecnológicas poderiam ocorrer, porém nunca absolutamente fordistasnem pós-fordistas. Exemplar para esta possibilidade é a expressão “fábrica desoftware” empregada naquelas empresas produtoras de programas computadorizados. A fim de dicotomizar os significados de fordismo e pós-fordismo,trabalharemos com cinco argumentos:

a) utilizaremos o conceito de fordismo como semelhante à rigidez organizacional e de pós-fordismo como semelhante à flexibilização organizacional,ambos como paradigmas técnico-gerenciais cuja periodização vai dos anos1910 ao final dos anos 1960 — fordismo —, e dos anos 1970 aos dias dehoje — pós-fordismo. Essa periodização pode corresponder ao manuseiode máquinas-ferramentas (automação rígida) versus operacionalização demáquinas eletrônicas (automação flexível);

b)utilizaremos o conceito de fordismo para caracterizar o “gerenciamento tecnoburocrático de uma mão de obra especializada sob técnicas repetitivas deprodução de serviços ou de produtos padronizados” (Tenório e Palmeira,2008:61); e pós-fordismo ou modelo flexível de gestão organizacional paracaracterizar a diferenciação integrada da organização da produção e dotrabalho sob a trajetória de inovações tecnológicas em direção à democratização das relações sociais nas organizações;

c) utilizaremos o conceito de fordismo, sob o ponto de vista da história do pensamento organizacional, para aquelas teorias ou enfoques organizacionaisque, desde a publicação, em 1911, de Principles of scientific management deF. W. Taylor,6 divulgam suas propostas na perspectiva de as organizaçõesatuarem como sistemas mecânicos; e pós-fordismo quando as organizaçõespassam a ser estudadas como sistemas orgânicos, simultaneamente ao advento do modelo gerencial japonês (toyotismo anos 1970) e, principalmente, com a intensificação do uso da tecnologia de base microeletrônica.

Apesar de o conceito de fordismo ser aplicado sob duas possibilidades:
na primeira, mais genérica, o fordismo como uma manifestação de uma de terminada etapa do capitalismo; na segunda, mais específica, o fordismo seria a operacionalização de um modelo de gestão da produção. Neste ensaio descreveremos o fordismo como um paradigma de organização da produção e do trabalho e não como uma referência de organização socioeconômica de sociedades.

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

Deixe um comentário

Your email address will not be published.

Sair da versão mobile