Galvão Bueno, a seleção brasileira e a teoria de Pierre Bourdieu

Por Radamés Mesquita Rogério*

 

 

Assistindo ao último jogo da seleção brasileira de futebol pela rede globo, pude vivenciar um sentimento aparentemente muito comum entre os telespectadores desta rede de TV quando o mais famoso narrador esportivo do país é escalado para transmitir os seus jogos, a saber, o sentimento de incômodo com os exageros do narrador Galvão Bueno.
Creio que meu incômodo não seja algo particular e individual devido aos frequentes comentários hostilizantes a esse narrador presente nas redes sociais e nos próprios eventos.
A mim, incomoda o fato de que Galvão Bueno está sempre marcando os seus juízos de valor sobre o mundo do futebol, via de regra, defendendo ou atacando algum dos jogadores da seleção brasileira de futebol e os clubes, dirigentes, treinadores e outros jogadores que se relacionem a estes. No jogo de ontem, por exemplo, Brasil e Suíça, Galvão Bueno inicia uma conversa com os comentaristas, os ex-jogadores Júnior e Casagrande, sobre a preocupação do técnico da seleção em relação a dois atletas com futuro indefinido em seus respectivos clubes.“Felipão já avisou que quer jogadores na seleção que estejam jogando em seus clubes, não importa em que divisão, se na primeira, na segunda, na terceira ou na quarta divisão, mas que estejam jogando”, afirmou o narrador. Feito isso, ele passa a contextualização das situações de dois atletas em questão, o goleiro Júlio César e o volante Luiz Gustavo. O primeiro, jogou na temporada anterior (2012/2013) por um time inglês que foi rebaixado para a segunda divisão, mesmo com grandes atuações individuais do atleta, e o segundo, foi reserva do time mais vitorioso da Europa na temporada passada, o clube alemão Bayer de Monique e esse ano, após a troca de treinador do time, ele provavelmente nem reserva será, perdendo espaço no clube.
Para justifica-los, Galvão assevera: “Júlio César foi cobiçado por grandes clubes da Europa e ficou valorizado pelas atuações na Copa das Confederações, o problema é que o seu salário é muito alto para a posição de goleiro” e, sobre Luiz Gustavo ele afirmou: “Acho que Pep Guardiola (atual treinador do Bayer de Monique) está inventando”.
Tendo a minha raiva habitual ao ouvir esses comentários em que o narrador, em minha singela opinião, sempre “justifica” os jogadores da seleção, pensando mais uma vez com é desconfortável assistir a jogos transmitidos por este, fiquei a me pergunta sobre o sentido das práticas discursivas deste narrador, ou seja, o sociólogo entrou em campo e começou a debater com o amante do futebol, e me veio a mente que Galvão Bueno opera habitualmente um processo de autorização e/ou ratificação de capital simbólico, no sentido de Pierre Bourdieu.
Explico: segundo o sociólogo francês, a realidade social se estrutura sob a forma de espaços simbólicos que ele chamou de campos. Estes são espaços onde se travam lutas concorrenciais, relações de poder que se estruturam a partir da desigual distribuição de “forças” dos agentes, ou seja, o campo é o espaço de luta concorrencial onde os agentes irão firmar suas posições mediante a quantidade de capital (prestígio, poder, legitimidade, dinheiro, dentre outros) que eles possuírem, estabelecendo-se uma hierarquia ou um jogo de posições entre estabelecidos e não estabelecidos. Quanto mais carisma, prestígio, autoridade o agente dispuser maior detentor de capital ele será se posicionando no “lado” dominante,
estando, portanto a oposição dominante/dominado da sociedade balizada pela
quantidade de capital. Para ilustrar, vejamos o que dizem Catani e Pereira:

Dado que os capitais são as dimensões do espaço social, as relações nele ocorridas são também relações de força. A posição do agente no espaço social, determinada pelo volume do capital global possuído e pelo peso relativo dos capitais particulares na composição total do capital, implica em uma maior ou menor dominação/subordinação em relação às demais posições. Em cada campo específico, quanto maior o volume do tipo de capital eficiente em todos os jogos do campo, maior a probabilidade do agente ocupar uma posição dominante. Visto que as relações de força do espaço social são relações de poder, os agentes alocados nas posições dominantes no espaço social são possuidores de uma espécie de capital, o capital simbólico, geralmente reconhecido como prestígio, fama e aceito como legítimo pelos outros e, por conseguinte, na qualidade de proprietários de capital simbólico, possuem o poder de impor as visões do mundo social (2002, p. 110, grifos meus).

Para Bourdieu, existem campos específicos e estes gozam de relativa autonomia entre eles. O campo acadêmico, a universidade, é um campo específico, assim como o é o campo político, o campo mundo da moda, da arte, o mundo futebolístico. Agora reflita: o que faz de um indivíduo uma pessoa importante, poderosa e prestigiada no futebol é o mesmo para fazer dela tudo isso no mundo acadêmico? Não. Mas por quê? Porque cada campo possui o seu jogo e as regras, valores e sentidos que lhe dizem respeito, assim ser prestigiado em um campo não significa sê-lo em outro, isso porque os capitais exigidos em um campo não necessariamente coincidem com o de outro campo. Os capitais podem ser de ordem social, cultural, econômico e simbólico.
O capital simbólico equivale ao prestígio, é a moeda de troca dos outros tipos de capital, o agente acumula capital econômico, por exemplo, dinheiro, bens, mas precisa converter em capital simbólico para ser bem quisto no campo dos ricaços, por exemplo, ou para tornar-se um político (vereador, deputado, prefeito etc.). O dinheiro é importante, mas não garante sucesso em vários campos, é preciso converter este capital em outros para obter-se capital simbólico e ser uma posição mais privilegiada no campo desejado, como se converte moeda estrangeira para poder negociar no país que se visita.
Voltemos agora ao Galvão Bueno: a TV é uma fonte importante de capital simbólico, pois a mídia de forma geral tem o poder de legitimar ou deslegitimar o prestígio dos agentes. Como um agente ainda importante no campo, embora contestado e hostilizado, Galvão Bueno ocupa uma posição privilegiada como sujeito que pode ratificar ou não o capital simbólico de agentes do campo futebolístico. Ao assistir os jogos de futebol ou mesmo as corridas de Fórmula 1 transmitidas por ele, presenciamos uma prática discursiva que a todo instante opera esta ação. Quando o goleiro da seleção brasileira não consegue sair de um clube da segunda divisão do futebol inglês, o narrador age e mantém vivo o prestígio do atleta ao justificar que o seu salário é alto para a posição de goleiro ou quando o volante titular da seleção brasileira é barrado pelo novo treinador de seu clube, Galvão sentencia que o treinador está cometendo um erro grave, está “inventando”.
Assim, perceba: Galvão Bueno não é só um narrador “irritante”. Desta forma, da próxima vez em que assistir a um jogo narrado por ele, não fique tão desconfortável, lembre-se que ele é “apenas um agente legitimador do campo futebolístico”.
Para saber mais:
BOURDIEU, Pierre. Poder simbólico. 4º ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
______. Razões práticas. Sobre a teoria da ação. 7º Ed., Campinas: Papirus, 1996. CATANI, Afrânio; PEREIRA, Gilson R. De M. Espaço social e espaço simbólico: introdução a uma topologia social. Perspectiva. Florianópolis, v. 20, n. especial, p. 107-120, jul/dez 2002.
GONÇALVES, Nadia G. e GONÇALVES, Sandro A. Pierre Bourdieu: educação para além da reprodução. 2º ed., Petrópolis: Vozes, 2011.
* Graduado em Ciências Sociais UEC, mestre em Sociologia/UFC. Doutorando em Sociologia/UFC.  Professor/tutor da Universidade Federal do Ceará/Universidade Aberta do Brasil, da Faculdade Teológica Unida-Fortaleza e professor assistente I da Universidade Estadual do Piauí. Radamés é editor da Revista Café com Sociologia

Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

15 Comments

  1. Muito bem trabalhado professor. Há, apenas, uma variável que precisa ser considerada. O gênero. Homens e mulheres sentem diferentemente o sr. Galvão Bueno. Seria interessante verificar. Bom trabalho.
    Maria Alice a Medeiros

  2. Provavelmente menos de 1% da sociedade entenderia seu texto, é uma pena e justamente por isso nossos políticos preferem que ela fique assim ignorante e alienada e misturando alhos com bugalhos.

  3. Galvão Bueno é um formador de opinião e quando afirma que FELIPÃO disse algo, ele na verdade quer cravar um dogma, como se a opinião do treinador fosse lei. Outro aspecto que vale a pena ser discutido é logo após sair o gol, a câmera para de filmar o campo e é direcionada a um torcedor específico no meio da multidão que esta vibrando muito e curiosamente olhando para a câmera, enquanto a todo momento é reforçado o "orgulho de ser brasileiro", frase que é utilizada pelas empresas nos comerciais do intervalo e também PELO GOVERNO FEDERAL na suas propagandas. E é claro que o Galvão não critica a seleção, isso desestruturaria toda a sequencia de publicidades em torno do tema "Ser Brasileiro".

  4. Sim ele tenta formular esse tipo de opinião para despertar o visão do telespectador pois isso é uma das tecnicas para poder formular um seleção melhor e tambem uma coisa muito importante por ele ser brasileiro quandon o brasil faz gol ele grita o nome gollllllll e quando é gol de outras seleções ele simplesmente fala com um tom baixo pois ele é um proficional do esporte ele não deve levar em consideração se ele é brasilero ou não ele apenas tem que ser proficional !!!

  5. Galvão Bueno é conhecido por todos os Brasileiros,pois é um grande ídolo da narração futebolística.A questão discutida é se ele é mesmo torcedor da seleção Brasileira ou não, mais a realidade que viso do Galvão é de um profissional bem qualificado e gosta do que faz!

  6. Acho Galvão Bueno um bom narrador do futebol brasileiro,no qual tem seus exageros, mas é o que faz emitir o sentimento no telespectador,seus comentários ás vezes abordam assuntos interessantes, onde ele sempre tem um comentarista ao seu lado,acho que ele é um cara que tem orgulho de ser brasileiro.

  7. Sim ele tenta formular esse tipo de opinião para despertar o visão do telespectador pois isso é uma das técnicas para poder formular um seleção melhor e também uma coisa muito importante por ele ser brasileiro quando o brasil faz gol ele grita o nome golll e quando é gol de outras seleções ele simplesmente fala com um tom baixo pois ele é um profissional do esporte ele não deve levar em consideração se ele é brasileiro ou não ele apenas tem que ser profissional !

  8. Sim ele tenta formular esse tipo de opinião para despertar o visão do telespectador pois isso é uma das técnicas para poder formular um seleção melhor e também uma coisa muito importante por ele ser brasileiro quando o brasil faz gol ele grita o nome golll e quando é gol de outras seleções ele simplesmente fala com um tom baixo pois ele é um profissional do esporte ele não deve levar em consideração se ele é brasileiro ou não ele apenas tem que ser profissional !

  9. Provavelmente menos de 1% da sociedade entenderia seu texto, é uma pena e justamente por isso nossos políticos preferem que ela fique assim ignorante,Galvão Bueno é conhecido por todos os Brasileiros,pois é um grande ídolo da narração do futebol . e também uma coisa muito importante por ele ser brasileiro quando o brasil faz gol ele grita o nome gol forte , alto e por um longo tempo e quando é gol de outras seleções ele simplesmente fala com um tom baixo, ele é um profissional do esporte ele não deve levar em consideração se ele é brasileiro ou não ele apenas tem que ser profissional !

  10. Galvão Bueno é um formador de opinião e quando afirma que FELIPÃO disse algo, ele na verdade quer cravar um dogma, como se a opinião do treinador fosse lei. Outro aspecto que vale a pena ser discutido é logo após sair o gol, a câmera para de filmar o campo e é direcionada a um torcedor específico no meio da multidão que esta vibrando muito e curiosamente olhando para a câmera, enquanto a todo momento é reforçado o "orgulho de ser brasileiro", frase que é utilizada pelas empresas nos comerciais do intervalo e também PELO GOVERNO FEDERAL na suas propagandas. E é claro que o Galvão não critica a seleção, isso desestruturaria toda a sequencia de publicidades em torno do tema "Ser Brasileiro".

  11. Falamos de um dos maiores narradores que vimos em nosso pais, por ele ser isso que ele é hoje, ele consegue pensar que pode falar sua opinião, não descordo dele de certa forma, pois hoje em dia todos nos somos livres para falar e fazer tudo que esta dentro da lei do nosso pais ou estado, mas de certa forma, precisava ter mais cuidado com que ele diz, não falar tudo o que pensa. mas algumas coisas que ele fala e devido a sua rede de televisão ser umas da mais conhecidas do nosso país, assim ele fala isso para despertar os telespectadores e ganhar maior audiência.

  12. Falamos de um dos maiores narradores que vimos em nosso pais, por ele ser isso que ele é hoje, ele consegue pensar que pode falar sua opinião, não descordo dele de certa forma, pois hoje em dia todos nos somos livres para falar e fazer tudo que esta dentro da lei do nosso pais ou estado, mas de certa forma, precisava ter mais cuidado com que ele diz, não falar tudo o que pensa. mas algumas coisas que ele fala e devido a sua rede de televisão ser umas da mais conhecidas do nosso país, assim ele fala isso para despertar os telespectadores e ganhar maior audiência.

  13. Sim ele tenta formular esse tipo de opinião para despertar o visão do telespectador pois isso é uma das técnicas para poder formular um seleção melhor e também uma coisa muito importante por ele ser brasileiro quando o Brasil faz gol ele grita o nome gol e quando é gol de outras seleções ele simplesmente fala com um tom baixo pois ele é um profissional do esporte ele não deve levar em consideração se ele é brasileiro ou não ele apenas tem que ser profissional !!!

  14. Muito bom o artigo, bem trabalhado e um ponto de vista interessante sobre o assunto. Aprendi algumas coisas que não sabia sobre o assunto. Agora um dúvida, que não ficou muito claro pra mim: o Galvão Bueno usa do poder simbólico no campo futebolístico para legitimar suas opiniões, ratificando sua posição de dominante; e na sociedade em geral há essa concorrência usando o prestígio, poder, fama e outros atribuições para angariar melhores posições na comunidade; o fato de você saber que está utilizando esse mecanismo, de estar usando do poder simbólico, para subir os degraus sociais e consequentemente superar os outros, muitas vezes emitindo opiniões sem fundamento, legitimadas apenas por esse poder, faz de você uma pessoa ruim? Ou apenas está fazendo parte do jogo que todos jogam?
    O Galvão, por exemplo, pode ser considerado "mau" ao fazer uso de sua influência para emitir essas assertivas?

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