Aos que buscam explorar a temática formação moral da criança, o livro do professor Dr. Christian Lindberg Lopes do Nascimento (UFS), intitulado “JOHN LOCKE E A FORMAÇÃO MORAL DA CRIANÇA” é uma leitura obrigatória. Nesta obra o autor demonstra o pensamento John Locke sobre o tema, nos auxiliando na reflexão e compreensão de seus contributos para a Educação e para a Filosofia da Educação. A obra pode ser adquirida nas livrarias online, inclusive AQUI, AQUI e AQUI
O livro “John Locke e a formação moral da criança” é fruto de pesquisa que realizada durante o doutorado em Educação na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O eixo que norteou a investigação foi a discussão em torno da formação moral da criança, a partir dos escritos educacionais de John Locke. O ponto de partida foi a relação aparentemente controversa entre a Ciência e a Religião que perpassa o conjunto da obra do filósofo inglês. A argumentação desenvolvida precisou, inicialmente, considerar o que Locke define por Ciência[1] e Religião.
A Ciência é compreendida de três formas:
1) A physiké ou filosofia natural é aquela que compreende o conhecimento das coisas, como elas são em si mesmas, nas suas relações e suas maneiras de operação;
2) A segunda ciência é a praktiké, que estuda o que o próprio homem deve fazer, como agente racional e voluntário, para a obtenção de algo, principalmente a felicidade, ou seja, é a habilidade de aplicar bem as nossas próprias potências e ações com o fim de alcançar coisas boas e úteis; por fim,
3) A semeiotiké ou doutrina dos sinais é aquela que compreende o caminho e os meios pelos quais nos comunicamos.
Por Religião o filósofo inglês designa tudo aquilo que supõe tornar o homem capaz de conhecer a existência de Deus. Assim, a religião distingue a fé da razão, já que a fé é o assentimento a qualquer proposição estabelecida pela confiança do proponente, pois deriva de Deus e é desvendada pela revelação.
Minha inquietação surgiu quando se constatou que o filósofo expressa – no Alguns pensamentos sobre a educação -, que a valorização dos conteúdos científicos precisa ser acompanhada do ensinamento daquilo que não é científico. Locke faz esta afirmação após definir o que é filosofia natural[2] e indicar que a criança deve aprender a Bíblia antes do estudo das ciências. Para Locke, a explicação da natureza requer algo mais que a própria matéria, sendo esta a justificativa para o estudo preliminar das Sagradas Escrituras.
Assim, a formação moral da criança é caracterizada pela junção do conhecimento ofertado a ela pela Ciência, com aquilo que é ensinado por meio dos valores éticos descritos na Sagrada Escritura. Assim, Locke pretende demonstrar que a relação entre Ciência e Religião é capaz de constituir um indivíduo moralmente virtuoso, e habilitado para controlar as paixões através do correto uso da razão.
Ao caracterizar a virtude, ele argumenta que é necessário imprimir na criança uma verdadeira noção de Deus, ou seja, que é importante amá-Lo e compreender que Ele é o Ser supremo e Criador de todas as coisas. Por isso, a criança deve ser habituada, desde cedo e de forma regular, a realizar atos de devoção a Deus. A relevância da virtude reside no fato de que a criança, ao ter uma noção exata de Deus, O estima e O tem como guia para as ações morais. Por outro lado, o Locke que advoga em favor de tais ideias é o mesmo que valoriza o ensino das ciências como componente dos conteúdos educativos, é o mesmo que revela uma preocupação minuciosa com a saúde física das crianças e o preparo para agir racionalmente.
Por outro lado, a sociedade arquitetada por Locke tem na figura do gentleman a incorporação do verdadeiro agente moral, ou seja, aquele que, ao tornar-se adulto, estará apto a conduzir os assuntos de interesse coletivo da forma mais virtuosa possível preservando o contrato social estabelecido. Esse mesmo indivíduo, por conta de sua conduta moral, tornar-se-á exemplo para aqueles que não obtiveram educação semelhante.
É bom destacar que Locke atribui à educação o papel de ser o principal meio responsável pela diferenciação existente entre os homens, já que eles são o que são graças à educação que recebem. Talvez isto explique o fato de que, ao aliar o ensino da Ciência e da Religião aos seus propósitos educativos, Locke não só pretendeu impedir que as crianças se tornassem ateias, como também edificar uma sociedade composta por indivíduos que praticassem a moral cristã.
Diante do exposto, formulei a seguinte hipótese: A aparente controvérsia entre Ciência e Religião perpassa o conjunto da obra do filósofo, variando entre a defesa do cientificismo e a valorização da Religião no que se refere aos assuntos morais. Desse modo, o recorte educacional a ser feito, considerando as correntes que influenciaram as reflexões lockianas, torna-se um porto seguro para elucidar esta questão.
Dito isto, o livro é dividido em quatro capítulos. No primeiro há a exposição do que identifico como os antecedentes filosófico-educativos de John Locke. Assim, demonstra-se a influência de Calvino, de Montaigne e de Bacon na obra educativa dele. No segundo capítulo adentra-se na análise das principais obras de Locke. Para tanto, divide-se em três momentos este exame. Na terceira parte averígua-se como se dá a relação entre o ensino da ciência e da religião nos escritos educativos de John Locke. É bom considerar que, nos três primeiros capítulos deste trabalho, o elemento norteador da argumentação é a discussão que gira em torno da moral, dando ênfase ao impacto que a ciência e a religião têm. Em certa medida, procura-se buscar elementos que possam subsidiar a discussão em curso, mais precisamente a aparente controvérsia existente entre o ensino da ciência e da religião na formação moral da criança. No último capítulo, busca-se demonstrar a hipótese levantada para este trabalho. Para tanto, inicia-se posicionando a reflexão educativa de Locke em torno de dois conceitos fundamentais para a educação: fala-se dos termos formação e infância. Em seguida, considerando as ideias apresentadas nos capítulos anteriores, busca-se fundamentar a hipótese, concluindo que a formação moral da criança, partindo da aparente controvérsia existente entre o ensino da ciência e da religião visa constituir uma sociedade moralmente cristã.
[1] De acordo com Yolton (1996) a compreensão de ciência entre os séculos XV e XVII é distinta da que temos hoje. A ciência tinha um significado bem geral, compreendendo temas como a teologia, a ética, o direito e a política, como também a aritmética, a geografia, a cronologia, a história, a geometria. No Cyclopaedia: or an Universal Dictionary of arts and sciences, de autoria de Ephraim Chambers, o verbete ciência é compreendido como um claro e seguro conhecimento de qualquer coisa, fundado em princípios evidentes por si mesmos ou demonstrações, onde existe a ciência humana e a divina.
[2] O termo filosofia natural é recorrente nas obras de Locke. No Alguns pensamentos sobre a educação, ele designa tudo aquilo que estuda os princípios, as propriedades e as operações das coisas, tais como elas são em si mesmas. Entretanto, nesta obra, ele divide a filosofia natural em duas partes: uma que compreende o espírito e a qualidade das coisas e a outra os próprios corpos, do ponto de vista físico. Em Elementos da filosofia natural, ele adota a mesma expressão para descrever os fenômenos naturais, apresentando suas características estritamente físicas.
SUMÁRIO
13 Apresentação
17 Prefácio
CAPÍTULO 1
21 Os antecedentes da educação lockiana
21 1.1 A reforma religiosa e seus impactos educacionais
39 1.2 Ceticismo e educação em Montaigne
52 1.3 O realismo baconiano e sua repercussão na educação
CAPÍTULO 2
71 Ciência e religião na obra filosófica de John Locke
72 2.1 Ciência e religião nos escritos de 1658-1688
88 2.2 Ciência e religião nos escritos de 1689-1694
103 2.3 Ciência e religião nos escritos de 1695 até as obras póstumas
CAPÍTULO 3
115 Ciência e religião nos escritos educacionais de John Locke
118 3.1 Locke e a educação: escritos menores
127 3.2 Locke e a educação: escritos maiores
146 3.3 Ciência e religião nos escritos educacionais de Locke: leituras possíveis
CAPÍTULO 4
159 A formação moral da criança com vistas a uma sociedade cristã
160 4.1 A noção de formação: entre a paideia grega e a bildung alemã
177 4.2 Locke e a transição para o conceito moderno de infância
193 4.3 A formação moral da criança e a construção de uma sociedade cristã
205 Considerações finais
213 Referências