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Narrativa como tema de Sociologia: dica de aula

Narrativa como tema de Sociologia: dica de aula

Narrativa como tema da aula de sociologia

Por Cristiano das Neves Bodart[1]

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Neste post apresento uma proposta para uma sequência de duas aulas de Sociologia, cujo tema é “narrativa” (ou discurso). O tema é relevante por evidenciar diversos aspectos que envolve as relações sociais, inclusive do cotidiano dos(as) estudantes, o que o torna significativo para os(as) estudantes. Compreender o “lugar” da narrativa na construção dos imaginários, das identidades e das justificações de certas relações de poder e dominação é fundamental para a formação crítica. Considerando que atualmente as disputas narrativas são mais perceptíveis (por conta dos questionamentos das narrativas oficiais e o empoderamento dos até então silenciados), adquirir conhecimentos sobre o tema é essencial para participar de forma consciente do debate público, o qual muitas vezes é marcado por fake news.

Delimitação:

Conteúdo: narrativa (ou discurso)

Público: estudantes do ensino médio

Duração: 2 aulas de 50 minutos

Competências Gerais: 1, 3, 6 e 10

Competências Específicas de C. H.S: 1, 5 e 6

Habilidades: EM13CHS101, EM13CHS104, EM13CHS502; EM13CHS503, EM13CHS504 e EM13CHS603.

Objetivos em diálogo com as competências e habilidades:

  • Analisar processos políticos que envolvem a linguagem;
  • Compreender o que são narrativas;
  • Entender o papel das narrativas nas relações sociais;
  • Perceber as narrativas como práticas marcadas por poder;
  • Identificar formas de injustiças sociais, tais como exclusão, silenciamento e dominação;
  • Participar do debate público de forma consciente;
  • Analisar o protagonismo político e cultural de minorias; e
  • Identificar ações que promovam os Direitos Humanos e o respeito às diferenças e as liberdades individuais.

Metodologia:

Organize as duas aulas em quatro momentos.

O primeiro momento será destinado a contextualizar o tema e apresentar aspectos introdutórios sobre o tema a partir do que os(as) estudantes sabem sobre o tema. Inicie a aula transmitindo o vídeo “O perigo de uma história única” (18min.), uma palestra proferida por Chimamanda Adichie[2]. Após assistir o vídeo, apresente os seguintes questionamentos aos estudantes:

  1. Quais os perigos de uma histórica única?
  2. Quais foram as consequências de uma história única para os africanos?
  3. Vocês conhecem casos onde predominam histórias únicas? Quais?
  4. Vocês têm conhecimento de práticas sociais que combatem a história única?

A partir desses questionamentos será possível identificar o quê os(as) estudantes conhecem do tema. Ou seja, ouvindo-os será possível compreender suas interpretações/significâncias do fenômeno social (a totalidade de significância que constitui suas formas cognoscitivas de perceber o real). Os conhecimentos deles(as) devem ser ponto de partida para o restante das aulas, ao qual se deve manter o diálogo constante.

Recomendo buscar descodificar a totalidade de significância (discutindo por parte, em suas unidades básicas, indo das partes ao todo e voltando às partes) que têm os(as) estudantes em torno do tema. Explore por parte e as analise/discuta a partir de conceitos das Ciências Sociais. Isso ajudará eles(as) a reconstruírem novas totalidades de significância (ou seja, ter novas interpretações).

No segundo momento faça uma exposição oral abordando as seguintes questões que envolve o tema (dependendo do como os(as) estudantes conhecem o tema, a abordagem expositiva docente vai precisar se adequada):

  1. O conceito de narrativa (e/ou discurso);
  2. A arte como instrumento narrativo/discursivo;
  3. As relações entre narrativa, memória e identidade coletiva;
  4. As disputas políticas envolvidas nas narrativas;
  5. As consequências da história única;
  6. Os usos de fake news para a produção de narrativas;
  7. A violência simbólica e a dominação presente em narrativas oficiais; e
  8. Destacar grupos que questionam a história única;

Uma possibilidade é abordar a partir de uma leitura marxista, podendo ser mobilizado o conceito de ideologia e seu papel na manutenção de uma certa estrutura social. Outra possibilidade é apresentar o tema a partir do conceito de discurso foucaultiano. Nesse sentido, o texto “O que é discurso” (2021), de Francisco Jomário Pereira, é uma ótima opção para fundamentar a exposição ou mesmo apresentar aos(às) estudantes como material de leitura. Lembre-se de explicar aos(as) estudantes que as Ciências Sociais possuem perspectivas variadas de um mesmo tema, o que é fundamental para o avanço científico das Ciências Sociais.

No terceiro momento utilize canções que trazem narrativas que possam ser discutidas e tomadas como exemplos de questionamento ou reforço de histórias únicas. Como afirmei no livro Usos de canções no ensino de Sociologia, “há canções que, sendo associadas ao contexto sociopolítico em que são produzidas, podem tornar-se pontos de apoio para discutir as disputas de narrativas (que também são disputas de poder) presentes na sociedade”.

Há muitas canções possíveis de ser utilizadas para demonstrar aos(as) estudantes as disputas discursivas/narrativas. Recomendo utilizar a canção “O funk Não foi Cabral”, da MC Carol.

Não foi Cabral

Intérprete: MC Carol

Composição: MC Carol

 

Professora me desculpe

Mas agora vou falar

Esse ano na escola

As coisas vão mudarNada contra ti

Não me leve a mal

Quem descobriu o Brasil

Não foi Cabral

Pedro Álvares Cabral

Chegou 22 de abril

Depois colonizou

Chamando de Pau-Brasil

Ninguém trouxe família

Muito menos filho

Porque já sabia

Que ia matar vários índios

Como destaquei em livro sobre usos de canções no ensino de Sociologia (BODART, 2021), “a riqueza da canção Não foi Cabral para uma aula de Sociologia não está na letra, mas na motivação de sua produção: fazer a narrativa dos grupos dominantes”. A canção é resultante da disputa de narrativas, sendo a compositora uma representante dos grupos menos favorecidos que questiona a visão eurocêntrica da história. Pergunte os(as) estudantes se conhecem outras canções que buscam disputar por narrativas. Oriente-os a pesquisar canções e traze-las em seus celulares na aula seguinte.

No quarto momento, já na segunda aula, oriente os estudantes para que apresentem (tocar pelo celular) as canções selecionadas que abordam as questões trazidas na aula anterior. Peça que expliquem como eles(as) percebem as disputas de narrativas/discursos presentes nessas canções.

Avaliação:

Se os(as) estudantes conseguirem encontrar canções apropriadas e explicar como as disputas por narrativas/discursos estão presentes nelas é um indicativo importante que eles(as) alcançaram os objetivos propostos para as duas aulas. Assim, a atividade pode ser utilizada para aferir a aprendizagem e para atribuir notas aos(as) estudantes. Lembre-se, as competências e habilidades não são desenvolvidas em duas aulas ou em apenas uma disciplina; importa conscientemente colaborar para que sejam desenvolvidas.

Recursos utilizados:

Projetor, caixa de som e celulares.

Referências bibliográficas

BODART, Cristiano das Neves. Usos de canções do ensino de Sociologia. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021.

PEREIRA, Jomário. O que é discurso? In: BODART, Cristiano das Neves (Org.). Conceitos e categorias fundamentais do ensino de Sociologia, vol.1. Maceió: Editora Café com Sociologia, 2021.

Como citar este texto:

BODART, Cristiano das Neves. Trabalhando o tema “narrativa” na aula de Sociologia. Blog Café com Sociologia. set. 2021.

Notas:

[1] Doutor em Sociologia (USP). Docente do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

[2] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qDovHZVdyVQ&t=1s

 

Usos de canções no ensino de Sociologia
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Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

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