Por Bruno dos Santos Joaquim[1]
Desde o início da década passada, o Brasil vive um momento histórico de expansão desenfreada do acesso à educação superior por meio de Instituições de Educação Superior privadas. Um dos temas mais polêmicos tem sido o da reforma universitária, muitas vezes entendida como um processo retilíneo e baseado em um único projeto de lei. Na verdade, este tema “deve ser estudado como um processo de continuidades e rupturas na área da educação” (SILVA JR; SGUISSARDI, 2005, p.05). É sabido que a reforma universitária já está sendo executada por meio de medidas legais com a Lei n°10.861, de 2004 que cria o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES); da Lei n°2.051 de 2004, que dispõe sobre os incentivos à inovação científica e tecnológica no ambiente produtivo; da Lei n°11.079 de 2004, que institui normas para contratação de parcerias público/privadas; do Decreto n° 6.096, de 2007 que institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (ReUni); e da Lei n°11.096 de 2005 que institui o Programa Universidade para Todos (ProUni).
O ProUni, programa que fará 10 anos em 2014, oferece isenções fiscais às Instituições de Ensino Superior privadas que, em contrapartida, oferecem bolsas de gratuidade nos cursos superiores de graduação e seqüenciais de formação específica a alunos carentes. É entendido por alguns autores, como Mancebo (2004), Catani; Hey; Gilioli (2006) e Almeida (2006) como um programa que se utiliza de um discurso demagógico de democratização e justiça social, mas que nada mais é senão uma medida neoliberal que altera o sentido de educação como direito público e privatiza a educação superior no Brasil.
Diante deste quadro, pesquisadores da área de educação têm empregado esforços na investigação de cada uma destas medidas privatistas. É preciso que a academia investigue mais profundamente esse programa do Governo Federal por ele estar no centro do debate da relação público/privado na educação superior, sendo ora qualificado como política de privatização e favorecimento do setor privado – em continuidade a um processo que se inicia com a reforma universitária de 1968[2] -, ora qualificado, pelo próprio governo, como instrumento de justiça social e democratização do acesso a educação superior.
A partir da década de 1990, as propostas de reforma para as universidades públicas têm provocado uma crescente privatização das mesmas, além de promover uma expansão desenfreada da rede privada de ensino superior. Essa enorme expansão deve-se, dentre outras razões, à escassez de recursos governamentais investidos no sistema público de educação, transferindo-se para o setor privado a responsabilidade de ampliação das matrículas no nível superior (ALMEIDA, 2006).
Segundo grande parcela de pesquisadores do campo de Políticas Públicas de Educação Superior, o ProUni é uma medida que visa a recuperação das finanças das IES privadas em crise e desresponsabilizar o Estado, sob o falso discurso de democratização do acesso a educação superior.
O conceito de diferenciação do público/privado deste autor, em que o “interesse público determina-se imediatamente em relação e em contraste com o interesse privado” (BOBBIO, 1987, p. 14), é chave analítica para esta pesquisa. Bobbio estabelece as possibilidades de “publicização do privado” e “privatização do público”, isto é, a sobreposição de um interesse ao outro por meio de um jogo de poder:
Os dois processos, de publicização do privado e de privatização do público, não são de fato incompatíveis, e realmente compenetram-se um no outro. O primeiro reflete o processo de subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade representada pelo Estado que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o segundo representa o revanche dos interesses privados através da formação de grandes grupos que se servem dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. (BOBBIO, 1987, p.27).
Cabe questionar, comparando os dois momentos, o que foi o processo de privatização da educação superior, promovido pela Ditadura Militar entre os anos 60 e70 e o que é o processo atual. Trata-se de um novo modelo de privatização ou do aprofundamento do modelo indicado na reforma de 1968? Estaríamos novamente diante da velha prática privatista e em conformidade com a agenda neoliberal? A educação superior pode ser inserida neste contexto e tratada como mercadoria?
Referências:
ALMEIDA, Sergio Campos de O AVANÇO DA PRIVATIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: O ProUni como uma nova estratégia para a transferência de recursos públicos para o setor privado. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Niterói – RJ, 2006.
BOBBIO, Norberto. A grande dicotomia: público/privado In.: Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. BRASIL. Senado Federal. Leis, Decretos e Portarias. Disponível em: . CATANI, A.M. GILIOLI, R.S.P. O Prouni na encruzilhada: entre a cidadania e a privatização. Linhas Críticas, v. 11, n. 20, jan-jun. 2005.
___________.; HEY, A. P.; GILIOLI, R. S .P. PROUNI: democratização do acesso às instituições de ensino superior? Educar, Curitiba, n. 28, p.125-140, 2006. MANCEBO, Deise. “Universidade para todos”: a privatização em questão. In: Pro-Posição, Campinas, v.15, n.45, p.75-91, 2004. PINTO, J.M.R. O acesso à educação superior no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88, p. 727-756, out. 2004.
SILVA JR, João dos Reis; SGUISSARDI, Valdemar. “A nova lei da educação superior: fortalecimento do setor público e regulação do privado/mercantil ou continuidade da privatização e mercantilização do público”. In: Revista Brasileira de Educação. São Paulo, Campinas: Editora Autores Associados, n. 29, mai/ago., 2005.
[1] Graduado em Ciências Sociais pela UNESP/Araraquara e Professor de Sociologia da Rede Pública do Estado de São Paulo.
[2] Em 1968, o Congresso Nacional aprovou a Reforma Universitária, pela Lei n° 5.540, de 28/11/68, fixando normas de organização e funcionamento do ensino superior, e o presidente da República, invocando o Ato Institucional n° 5, de 13/12/68, editou o Decreto-lei nº. 464, de 11/2/1969, estabelecendo “normas complementares à Lei nº. 5.540”.