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Orgulho de ser hétero ou ser branco? Reflexão sobre do orgulho de ser.

Você tem orgulho de ser o que é? Ao longo da minha vida já fui questionado se eu sentia orgulho de ser hétero e branco. Algumas vezes a pergunta foi verdadeiramente curiosa e em outros em tom de provocação. As perguntas em tom de provocação partiam de pessoas que queria contrapor o orgulho de ser negro e ser LGBTQI+. Eles me faziam a provocação, se eles podem sentir orgulho, eu também posso. Será? Este texto vai refletir sobre os sentidos do orgulho de ser, especialmente no recorte racial e de orientação sexual.

Falsa simetria

Inicialmente vamos tentar entender de onde vem a necessidade das pessoas brancas e heterossexuais sobre esse contraponto ao orgulho de ser. Segundo Bandeira & Seffner (2013) “Os modos de construção das masculinidades no Brasil guardam íntima conexão com o futebol”. Nesse sentido, a cultura futebolística do brasileiro faz muitos de nós pensarmos que temos que torcer e ser intensamente um polo oposto do antagonismo futebolesco como forma de afirmação da própria identidade. Se alguém necessariamente é Palmeiras, eu tenho todo direito de ser corintiano roxo e me contrapor a um adversário que muitas vezes é visto como inimigo. A ideia do “nós contra eles” em muitos casos nos impede de fazer certas reflexões. Eu escolhi ser Palmeiras e em muitos momentos posso até renunciar disso, posso simplesmente ignorar as diferenças do futebol. Agora, em relação à raça ou orientação sexual, eu não posso suspendê-las ou escondê-las tão facilmente, muito menos se eu for uma pessoa negra e homossexual. A visão futebolesca do orgulho de ser cria uma falsa simetria entre os recortes de gênero, classe e raça como sendo escolhas autônomas e cuja suspensão pode ocorrer a qualquer momento.

Orgulhe-se, levante a cabeça

Muitas de nossas ações e existências tem incentivos e sansões. As hierarquias de poder criam existências, ideias e quem não se enquadra nesses padrões, sejam estéticos, éticos ou compartimentais, passam a ter resistências e desaprovações tão somente pela simples existência. Assim, grupos que pertencem à expectativa social dominante, como brancos e heterossexuais, são classificados socialmente como no padrão, enquanto os demais são impostos uma resistência social tamanha que se assemelha a nadar contra a maré. Neste sentido, apenas por ser negro você enfrenta resistências de conseguir um emprego, apenas por ser homossexual você é visto como um “defeito social” a ser combatido e não têm uma jornada social muito mais conturbada do que os demais.

A “maré social” leva as pessoas brancas e heterossexuais a caminhos mais fluídos em relação aos pretos e LGBTQI+. Na “corrida social” a vantagem é invisível para os grupos que são favorecidos pela maré. Enquanto aos pertencentes aos grupos sofrem na pele as intercorrências de terem nascidos fora da expectativa social. Para estes a maré é impacavelmente forte.

A palavra orgulho vem do latim, orculus, que significa olhos. Acredita-se que esta evoluiu no português em razão da ação de erguer os olhos quando alguém lhes subjuga, ou você sente que é encarrado como inferior. Neste sentido, penso que todo mundo tem orgulho de ser o que é, mas apenas alguns grupos realmente têm razões para sentir tal orgulho. Isso porque enquanto uns são levados pela maré e sentem um orgulho de serem carregados até os postos de destaques, outros precisam fazer um esforço colossal tão somente para firmar resistência sobre a própria existência.

Se você pertence a grupos que luta de forma reiterada pela própria existência, você tem minha admiração.

Considerações finais

Você sentiria orgulho de vencer uma corrida na qual você fosse o único competidor? Obviamente não não porque o orgulho diz respeito a uma esforço e resistência que fosse teve para conseguir tal feito. Faz todo sentido pessoas que sofrem resistências cotidianas sentirem orgulho de serem o que são porque a existência implica uma luta para afirmar a existência. Felizmente ou infelizmene isso não se aplica a todos os grupos e também e nem a certos tempos e lugares.

Ser um brasileiro entre os brasileiros no Brasil é uma ação pouco comum porque afinal tal existência é algo comum. É como ser humano entre os humanos. Agora, ser brasileiro em um contexto em que nossas riquezas são usadas para enriquecer estrangeiros em detrimento da fome e miséria dos nossos compatriotas faz jus ao orgulho.

Referências

BANDEIRA, Gustavo Andrada; SEFFNER, Fernando. Futebol, gênero, masculinidade e homofobia: um jogo dentro do jogoEspaço Plural, v. 14, n. 29, p. 246-270, 2013.

Roniel Sampaio Silva

Mestre em Educação e Graduado em Ciências Sociais. Professor do Programa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – Campus Campo Maior. Dedica-se a pesquisas sobre condições de trabalho docente e desenvolve projetos relacionados ao desenvolvimento de tecnologias.

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