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Solidariedade mecânica e Solidariedade orgânica

Solidariedade mecânica e Solidariedade orgânica

Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica

Por Cristiano Bodart

Obra

O Conceito de solidariedade mecânica e orgânica podem são frutos da obra “De la Division du Travail Social”, Durkheim buscou esclarecer que a existência de uma sociedade, bem como a própria coesão social (veja aqui o que é coesão social), está baseada no grau de consenso produzido entre os indivíduos. Esse consenso produzido esse sociólogo chamou de solidariedade. Para Durkheim existem dois tipos de solidariedade: a  mecânica e a orgânica. Abaixo é apresentado os dois tipos de solidariedades, assim como uma tabela comparativa.

Solidariedade mecânica

Para ele a solidariedade mecânica é característica das sociedades ditas “primitivas” ou “arcaicas”, ou seja, em agrupamentos humanos de tipo tribal formado por clãs. Nestas sociedades, os indivíduos que a integram compartilham das mesmas noções e valores sociais tanto no que se refere às crenças religiosas como em relação aos interesses materiais necessários a subsistência do grupo. São justamente essa correspondência de valores que irão assegurar a coesão social.

TIPOS DE SOLIDARIEDADE, SEGUNDO E. DURKHEIM
MECÂNICAORGÂNICA
Sociedade simplesSociedades complexas
As funções sociais dos indivíduos são semelhantesAs funções sociais dos indivíduos são especializadas e interdependentes
Não há significativa divisão social do trabalhoA divisão social do trabalho é bastante complexa
Predomínio de mecanismo de coerção imediata, violenta e punitivaPredomínio de mecanismos de coerção formais, exercidos de forma mediada
Predomínio do direito repressivoPredomínio do direito restitutivo
Sociedades economicamente simplesSociedades economicamente complexas.

 

Solidariedade orgânica

Solidariedade orgânica De modo distinto, existe a solidariedade orgânica que é a do tipo que predomina nas sociedades ditas “modernas” ou “complexas” do ponto de vista da maior diferenciação individual e social (o conceito deve ser aplicado às sociedades capitalistas). Além de não compartilharem dos mesmos valores e crenças sociais, os interesses individuais são bastante distintos e a consciência de cada indivíduo é mais acentuada. A divisão econômica do trabalho social é mais desenvolvida e complexa e se expressa nas diferentes profissões e variedade das atividades industriais. Durkheim emprega alguns conceitos das ciências naturais, em particular da biologia (muito em uso na época em que ele começou seus estudos sociológicos) com objetivo de fazer uma comparação entre a diferenciação crescente sobre a qual se assenta a solidariedade orgânica.  Durkheim concebe as sociedades complexas como grandes organismos vivos, onde os órgãos são diferentes entre si (que neste caso corresponde à divisão do trabalho), mas todos dependem um do outro para o bom funcionamento do ser vivo. A crescente divisão social do trabalho faz aumentar também o grau de interdependência entre os indivíduos.  Para garantir a coesão social, portanto, onde predomina a solidariedade orgânica, a coesão social não está assentada em crenças e valores sociais, religiosos, na tradição ou nos costumes compartilhados, mas nos códigos e regras de conduta que estabelecem direitos e deveres e se expressam em normas jurídicas: isto é, o Direito.

 

A estabilidade e o funcionamento de uma sociedade sempre foram temas centrais nas reflexões sociológicas. Quando Émile Durkheim escreveu A Divisão do Trabalho Social, em 1893, ele lançou luz sobre uma questão essencial: o que mantém uma sociedade unida, apesar das diferenças entre seus membros?

A resposta, para ele, está em algo chamado solidariedade social, uma espécie de “cola invisível” que garante a harmonia e a integração entre os indivíduos. Essa solidariedade não é um sentimento espontâneo de empatia, como no uso cotidiano da palavra, mas sim uma estrutura objetiva que organiza as relações sociais.

Durkheim identificou dois modos distintos de solidariedade, que variam conforme o grau de complexidade das sociedades: uma que nasce da semelhança, e outra que se estrutura a partir da diferenciação. Vamos entender melhor.

Nos primórdios: a união pela semelhança

Nas comunidades mais antigas, marcadas por forte homogeneidade cultural, religiosa e moral, as pessoas compartilham um modo de vida praticamente idêntico. Essa uniformidade é a base da ordem social. Como todos pensam e vivem de forma semelhante, qualquer desvio é rapidamente percebido e punido com rigor.

Durkheim denominou essa forma de ligação social como solidariedade mecânica. Ela é predominante em sociedades tribais ou camponesas, nas quais a coletividade se sobrepõe ao indivíduo. O laço social está diretamente ancorado na tradição, nos costumes e em um código moral coletivo fortemente interiorizado.

Quando alguém rompe com esse código, não apenas infringe uma norma, mas ameaça o tecido moral de todo o grupo. Por isso, a sanção tende a ser exemplar e punitiva — é uma forma de preservar a integridade do conjunto.

Na modernidade: a união pela diferença

Com o surgimento do capitalismo, a industrialização e o crescimento das cidades, as sociedades passaram a se organizar de forma cada vez mais complexa. As tarefas deixaram de ser homogêneas e os papéis sociais se tornaram progressivamente especializados.

Nesse novo cenário, as pessoas já não vivem da mesma forma, não partilham necessariamente das mesmas crenças ou valores e, muitas vezes, sequer se conhecem. Ainda assim, precisam umas das outras para viver — e é aí que entra a solidariedade orgânica.

Essa forma de solidariedade nasce da complementaridade entre funções. Um professor depende do agricultor, que depende do entregador, que depende do mecânico. A interdependência funcional torna-se o novo alicerce da coesão social. Assim como os órgãos de um corpo realizam funções distintas, mas vitais para o funcionamento do todo, os membros de uma sociedade moderna colaboram a partir de suas diferenças.

O direito, nesses contextos, também assume um novo papel. Em vez de ser puramente punitivo, ele se torna restitutivo — busca restaurar o equilíbrio nas relações, por meio de contratos, leis e regulamentações que organizam a convivência entre indivíduos diversos, mas mutuamente necessários.

Do costume ao contrato: a transformação da moral coletiva

Durkheim compreendeu que, ao longo do tempo, a transição da solidariedade baseada em tradições para aquela baseada na divisão do trabalho não significava o desaparecimento da coesão social, mas sim sua reestruturação. O que antes era garantido pela força dos costumes, passa a ser sustentado por normas jurídicas, códigos civis e instituições reguladoras.

Não se trata de um declínio da moral, como alguns pensavam na época, mas de sua reconfiguração. A moral moderna está menos presente na forma de dogmas ou rituais e mais nas práticas institucionais que regulam o convívio plural.

Por que isso importa hoje?

Entender essa distinção entre solidariedade mecânica e orgânica não é apenas um exercício teórico. Ela nos ajuda a analisar questões contemporâneas como o aumento da desigualdade, o colapso de vínculos comunitários, o papel das leis na regulação das diferenças e os desafios da convivência multicultural.

Além disso, ao refletirmos sobre as bases que nos mantêm juntos — seja por semelhança ou por interdependência — conseguimos pensar em políticas públicas, projetos educativos e práticas sociais que favoreçam a construção de uma sociedade mais justa e coesa.

 

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Cristiano Bodart

Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Pesquisador do tema "ensino de Sociologia". Autor de livros e artigos científicos.

99 Comments

  1. obrigado professor! era isso mesmo que estava procurando, andei lendo uns livros e confesso que não entendia nada, esse quadro sinóptico traduziu bem as diferenças entre os dois tipos de solidariedades.
    Grato mesmo!

  2. Se pensarmos no nível macro, acredito que as sociedades tendem a se complexarem cada vez mais, isso devido a própria capacidade do ser humano. Por tanto, uma sociedade com solidariedade mecânica tende, mas não necessariamente, ir rumo a uma sociedade de solidariedade orgânica. Já o contrário, penso que apenas em escala micro, isso quando um grupo (como já ocorre) cansado do modelo de sociedade atual, abandona a cidade e criam comunidades de solidariedade mecânica, como muitos jovens fizeram na década de 70.

  3. Uma comunidade que, os seus elementos, praticam agricultura urbana pós laboral e se ajudam entre si quando a altura da plantação ou colheita, podemos considerar solidariedade mecânica?

  4. Um site como este é a ferramente ideal para professores que estão iniciando suas carreiras na docência, bem como para alunos que buscam uma explanação breve e esclarecedora do assunto. O professor, certamente, está de parabéns!

  5. Trabalho com pessoas "RH" e entrei neste blog por compartilhamento no "Face"…muito interessante, acredito que nossa sociedade para caminha para uma solidariedade mais orgânica,muito marcada ainda por crenças,valores e conceitos da solidariedade mecânica…pelo menos já se enxerga uma evolução do ser humano em encarar as adversidades de forma diferente.

  6. Há um erro nessa "tabela". A consciência Coletiva é maior nas sociedades simples, ou seja onde se manifesta a solidariedade mecânica.

  7. Muito bom…Agora, vc consegue me esclarecer a respeito de um sociologo que estuda as cidades, no que se basearia esse estudo e o que seria um tipo de cidade ideal.

  8. Os mecanismos de coerção violentos e punitivos da solidariedade mecânica é aplicado em todas as sociedades que se adequam ao modelo de sociedade simples? No caso de um meio rural, com indivíduos que compartilham valores e exercem de certa forma a mesma função, como se aplicaria tal coerção? E li uma pergunta feita e respondida acima que acabou me confundindo um pouco. Entendo que para se considerar solidariedade mecânica é necessário estar organizado nesse modelo, mas a solidariedade em si não é definida por atos, seja ela qual for?

  9. Muchas gracias profesor: Viéndolo asi parace tan facil!!!!
    Durante las clases, los profesores no se preocupan tanto en hacer la clara diferencia que existe en las dos.
    Abrazo
    Gloria

  10. "Tomando por base os conceitos de solidariedade mecânica e orgânia (e suas características) exerce sua intelectualidade explicando que tipo de solidariedade seria ideal para nossa sociedade. Se necessário, unindo aspectos de ambas."
    Essa foi a pergunta do meu professor, eu nao entendi e gostaria de uma ajuda. Obrigado!

  11. Patrícia, mais ou menos. Posse ser afirmado isso, desde que a sua ideia de tribo está associada a sociedades "primitivas". e que tenha em mente que o que define não é ser urbano ou rural, mas o tipo de organização. As sociedade rurais capitalistas mantém solidariedade orgânica (divisão e especialização de tarefa)

  12. Olá! Muito bom o seu texto, parabéns! Tenho uma dúvida: na sociedade do filme "O auto da compadecida" pode-se dizer que há solidariedade mecânica?

  13. Talvez porque "as crenças e valores sociais, religiosos, na tradição ou nos costumes compartilhados garantem a coesão social" e há pouquíssimas profissões. Pode ser?

  14. Durkheim deixou um estudo cientificamente falando, fora da sua época; que muito se diz com a nossa realidade, pois tudo o que ele nos deixou podemos pesquisar e veremos que ele teve uma mente brilhante, vivendo em época que não condiz a nossa realidade, pode ver além da sua imaginação. Vejo nele " OLHOS DE ÁGUIA "; não somente ele, mas outros …!
    Testo explicativo, direto e coerente. PARABÉNS!

  15. Posso dizer q a sociedade mecânica segue um padrão de valores, como regras ditas pelas sociedade e o que a mesma determina? E que a sociedade orgânica é a própria adaptação, o modo de pessoal que enxergamos a sociedade?

  16. De uma forma simples e direta consegui entender o que é a solidariedade mecânica e orgânica! Obrigada, me ajudou MUITO!

  17. Durkheim deixou um estudo cientificamente falando, fora da sua época,que muito se diz com a nossa realidade, pois tudo o que ele nos deixou podemos pesquisar e veremos que ele teve uma mente brilhante, vivendo em época que não condiz a nossa realidade, pode ver além da sua imaginação.

  18. Eu sou marxista, mas não fecho os olhos para outros autores que não sejam dessa linha de pensamento e faz pouco tempo que recomecei a ler Durkheim afim de conhecer melhor a obra e estou nesse momento justamente na Divisão Social do Trabalho. Não sei se estou errado, mas de qualquer forma é um dúvida que carrego comigo desde a faculdade, sou formado em história, tive sociologia e estudei tanto esse autor como o Weber só que no caso do francês alguns pontos ficaram nublados e gostaria de esclarecer aqui.
    Essa divisão social do trabalho promotora da solidariedade, no meu ver máscara as contradições que existem dentro da sociedade porque no caso da solidariedade mesmo que ela seja desenvolvida nas estruturas políticas, culturais, jurídicas e econômicas os integrantes dessa sociedade deveriam ser seguir a ordem estabelecida, pois ela traria a ordem e o progresso. Me parece que ele rejeita as causas das contradições da sociedade no plano econômico como se esse não fosse um fator determinante já que as relações entre indivíduos funcionam no plano material. Essa é a minha dúvida em relação a esse intelectual.

  19. Sou professor de História, mas a cada dia que passa estou mais convencido da importância do diálogo interdisciplinar, claro, sempre levando em consideração as possibilidades e os interditos próprios decada disciplina. Fico feliz quando encontramos espaços como estes que engrndece e expande o nosso vocabulário conceitual. Parabéns.

  20. Me ajudou muito, só aprendo quando o assunto e esclarecido de imediato como no caso desta tabela, muita teoria me confunde demais! Parabéns e obrigado!

  21. Obrigado professor, me ajudou a compreender a obra da Divisão do Trabalho Social. Durkheim escreve de um modo que não ajuda nós estudantes de ciências sociais, um conceito tão positivo não precisa ser explicado de forma tão extensa, acredito eu.

  22. Analise as afirmações a seguir em “V” para as verdadeiras e “F” para as de conteúdo falso sobre dois conceitos construídos na teoria de Émile Durkheim: solidariedade orgânica e solidariedade mecânica.

    ( ) Sociedades simples, a consciência individual é similar à consciência coletiva, ou melhor dizendo, a consciência coletiva recobre a consciência individual e os indivíduos agem, não por movimento próprio, mas em função do ser coletivo. Esta é a solidariedade mecânica.

    ( ) Nas sociedades capitalistas em que as pessoas participam da sociedade por esferas próprias de atuação e que, em grande parte, suas individualidades são preservadas, a solidariedade social é chamada de solidariedade orgânica.

    ( ) Tanto na solidariedade orgânica quanto na solidariedade mecânica, os sentidos do trabalho se ligam à essência humana. Para Durkheim, trabalho é essência humana e cria riqueza nas sociedades capitalistas, onde a contradição está presente nas classes sociais.

    Assinale a alternativa com a sequência correta da questão:

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