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Texto para reflexão

Estes textos oferecem uma visão diferenciada e interessante sobre vários acontecimentos cuja análise pode ser feita por meio da sociologia.

A reflexão é um importante instrumento intelectual para fazer com que o indivíduo consiga perceber a relação entre as estruturas sociais e as biografias individuais.

Na Sociologia sempre esteve presente a discussão entre indivíduo e sociedade (agencia vs. estrutura), chegando ao ponto de estudiosos mais radicais, principalmente nas primeiras décadas do século XX, ignorar os estudos que tinham seu foco no
indivíduo. Simmel, por exemplo, foi um sociólogo renegado por anos por esse motivo.  Bauman e May nos ajudam a entender em quais condições o indivíduo é objeto da Sociologia. Para esses autores “atores individuais tornam-se objeto das observações de estudos sociológicos à medida que são considerados participantes de uma rede de interdependência .

Desse modo os textos para reflexão ensejam uma análise de como nós nos relacionamos com nossa estrutura e proporcionam um contraponto discurso do discurso dominante.

  • “Voto nulo” e “voto em branco”: no que acarretam?

    “Voto nulo” e “voto em branco”: no que acarretam?

    “Voto nulo” e “voto em branco” vale a pena? Devido as inverdades que circulam na internet sobre os votos brancos e votos nulos, cabe nós, cidadãos conscientes, desmistificar tais questões. A fim de tornar mais didático faremos por meio de perguntas e respostas:

     

    Voto nulo e voto em branco são diferentes? Para essa pergunta a resposta é não. Ambos os votos são descartados na contagem de voto. Não são computadas para nenhum partido ou candidato. Se são a mesma coisa, por que existe os dois? É importante entender que o voto nulo ocorre quando o eleitor tecla um número inexistente, sendo assim o voto desconsiderado. E por que a tecla “Branco”? Caso o eleitor queira desconsiderar (anular) seu voto ele não precisa ficar digitando números errados, o que pode leva-lo a votar em algum candidato sem querer. Assim, a tecla Branco dar a ele condições de anular seu foto sem muitas complicação. Desta forma, voto nulo e voto em branco são no final a mesma coisa.

    O Tribunal Superior Regional assim descreve o voto nulo:

    “Votos nulos são como se não existissem: não são válidos para fim algum. Nem mesmo para determinar o quociente eleitoral da circunscrição ou, nas votações no Congresso, para se verificar a presença na Casa ou comissão do quorum requerido para validar as decisões” (TSE).

    Votar nulo pode acarretar novas eleições? A resposta para essa pergunta também é negativa. O TSE deixa claro que os votos nulos, sejam eles por manifestação apolítica dos eleitores (protesto) ou por erro de digitação, não causam a anulação da eleição.

    Existe alguma consequência em votar nulo ou branco? Para os candidatos não. Para a sociedade e para a democracia sim. Tais votos não anulam a eleição, portanto, não afetam o pleito dos candidatos. As consequências para a sociedade se dão pelo fato de que você deixará outros, as vezes menos capazes de escolher conscientemente seus representantes. Em um país onde a compra de voto, o voto cabresto e o voto induzido pelo marketing são comuns, se as pessoas mais conscientes resolverem anular seu voto, o resultado pode ser o pior possível. Caso acredite que todos os candidatos são ruins, o ideal e votar no “menos ruim”, a fim de impedir que o “mais ruim” vence as eleições. O prejuízo para a democracia se dá ao foto de quanto menos eleitores participarem da votação (com seus votos devidamente computados), menos legítimo será o governante.

    Por Cristiano Bodart, doutorando em Sociologia

    Originalmente publicado no Jornal Espírito Santo Notícia, em 20 de Setembro de 2012.

  • Interação social a distância

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    Carlos Heitor Cony escreveu na folha online um texto que nos é útil para trabalhar a temática interação social e as novas ferramentas de comunicação.
    Segue o texto para reflexão em torno do tema interação social:
    Estudiosos do comportamento humano na vida moderna constatam que um dos males de nossa época é a incomunicabilidade. Já foi tempo em que

    , mesmo nas grandes cidades, nos bairros residenciais, ao cair da tarde era costume os vizinhos se darem boa noite, levarem as cadeiras de vime para as calçadas e ficar falando da vida, da própria e da dos outros.
    A densidade demográfica, os apartamentos, a violência urbana, o rádio e mais tarde a TV ilharam cada indivíduo no casulo doméstico. Moro há 20 anos num prédio da Lagoa, tirante os raros e inevitáveis cumprimentos de praxe no elevador ou na garagem, não falo com eles nem eles comigo. Não sou exceção. Nesse lamentável departamento, sou regra.
    Daí que não entendo a pressão que volta e meia me fazem para navegar na Internet. Um dos argumentos que me dão é que posso falar com pessoas na Indonésia, saber como vão as colheitas de arroz na China e como estão os melões na Espanha.
    Uma de minhas filhas vangloria-se de ser internauta. Tem amigos na Pensilvânia e arranjou um admirador em Dublim, terra do Joyce, do Bernard Shaw e do Oscar Wilde. Para convencê-la de seus méritos, o correspondente mandou uma foto em cor que foi impressa em alta resolução. É um jovem simpático, de bigode, cara honesta. Pode ser que tenha mandado a foto de um outro.
    Lembro a correspondência sentimental das revistas de antanho. Havia sempre a promessa: “Troco fotos na primeira carta”. Nunca ouvir dizer que uma dessas trocas tenha tido resultado aproveitável.
    Para vencer a incomunicabilidade, acredito que o internauta deva primeiro aprender a se comunicar com o vizinho de porta, de prédio, de rua. Passamos uns pelos outros com o desdém de nosso silêncio, de nossa cara amarrada. Os suicidas se realizam porque, na hora do desespero, falta o vizinho que lhe deseje sinceramente uma boa noite.

    Extraído de
    https://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/cony_20000504.htm

  • VOTAR – Revista “O Cruzeiro” 1947- mais atual impossível.‏‏

    VOTAR – Revista “O Cruzeiro” 1947- mais atual impossível.‏‏

     

    urna
    VOTAR
    Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do complexo maquinismo político que se chama govêrno democrático, ou govêrno do povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido imediato.
    No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal: govêrno do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVÊRNO.
    Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate   … continuar lendo…
    um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo.
    Escolhem-se pelo voto aquêles que vão

    modificar as leis velhas e fazer leis novas – e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.

    Escolhemos igualmente pelo voto aquêles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aquêles que irão estipular a quantidade dêsses impostos. Vejam como é grave a escolha dêsses “cobradores”. Uma vez lá em cima podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gôta de sangue do corpo, nos arrancar o último vintém do bôlso.
    E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só aquêles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se escolhem aquêles que vão “fabricar” o dinheiro. Esta é uma das missões mais delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.
    Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Êles desandam a emitir sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.
    Não preciso explicar muito êste capítulo, já que nós ainda nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros falsos no poder.
    Escolhem-se nas eleições aquêles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático. E, circunstância mais grave e digna de todo o interêsse: dá-se aos representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de tôdas as fôrças armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.
    E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um voto para o Sr. Fulaninho que lhes fêz um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável, parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio – lembrem-se de que não vão proporcionar a êsses sujeitos um simples emprêgo bem remunerado.

    Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los reis; vão lhes dar soldados para êles comandarem – e soldados são homens cuja principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo. Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fôssem.

    Entregamos a êsses homens tanques, metralhadoras, canhões, granadas, aviões, submarinos, navios de guerra – e a flor da nossa mocidade, a êles prêsa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e criador.
    Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se estivessem escolhendo uma noiva.
    Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra, devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o govêrno, quando é ruim, êle é que nos dá a surra, êle é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da bôca dos nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma, nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.
    E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar êste ou aquêle candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto.
    Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem mêdo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem mêdo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à fôrça, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno”.
    Raquel de Queiroz
  • Multidisciplinaridade

    Multidisciplinaridade

    PIÚMA

    O olhar sobre os fenômenos, especialmente sociais, não pode caracterizar-se como unidimensional, mas possuir como característica uma multiplicidade de ângulos de análise do objeto em estudo.

    A foto acima nos fornece uma imagem – estática no tempo e no espaço, característico da fotografia – (Piúma, 22 de Fevereiro de 2010) nos induzindo a interpretar o espaço “projetado” ou “representado” na foto como harmônico, belo e tranqüilo. Tal sentimento é fortemente influenciado pelo foco escolhido pelo fotógrafo (nesse caso eu) escondendo o que eu não quis evidenciar: ao meu lado (3 metros de distância), cinco pessoas sujas, famintas e entregues ao vício – um deles menor de 18 anos.

    Utilizo aqui o exemplo da foto como ilustração do que muitas vezes ocorre nas Ciências Humanas: um olhar unidimensional.

    Ter um único ponto de observação, utilizar-se de uma única ciência, de um único instrumento de investigação ou uma única teoria é, no mínimo, miopia intelectual. A Sociologia deve buscando fornecer aos educandos uma visão de mundo transdisciplinar, objetivando propiciar um momento onde as diversas visões de mundo sejam expostas, discutidas, questionadas, revalidadas, reformuladas …

  • Só de Sacanagem: Poema para discutir corrupção e ética

     “Só de Sacanagem“, da atriz capixaba Elisa Lucinda  é uma dica para discutir a temática. Esse poema já foi declamado pela cantora Ana Carolina.

    A leitura deficiente de alguns dos educandos muitas vezes prejudica a sua interpretação da poesia, bem como não cria elementos para cativa-lo a gostar de poesia e de qualquer outro tipo de leitura. Pensando nisso, fiz o áudio desse belo e rico poema.

    Ana Carolina recita esse poema em 2014

     

    Segue a letra:

    Meu coração está aos pulos!
    Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
    Por quantas provas terá ela que passar?

    Tudo isso que está aí no ar: malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, do nosso dinheiro que reservamos  duramente pra educar os meninos mais pobres que nós, pra cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais.
    Esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
    Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?
    Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
    É certo que tempos difíceis existem pra aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
    Meu coração tá no escuro.
    A luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam:
    ” – Não roubarás!”
    ” – Devolva o lápis do coleguinha!”
    ” – Esse apontador não é seu, minha filha!”
    Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. Até habeas-corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar, e sobre o qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.
    Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda eu vou ficar. Só de sacanagem!
    Dirão:
    ” – Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba.”
    E eu vou dizer:
    “- Não importa! Será esse o meu carnaval. Vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos. Vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.”
    Dirão:
    ” – É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal”.
    E eu direi:
    ” – Não admito! Minha esperança é imortal!”
    E eu repito, ouviram?

    IMORTAL!!!

    Sei que não dá pra mudar o começo, mas, se a gente quiser, vai dar pra mudar o final.

  • Dar-te-ei: Elementos simbólicos nos relacionamentos capitalistas

    Dar-te-ei: Elementos simbólicos nos relacionamentos capitalistas

    A música “Dar-te-ei”, de Marcelo Jeneci, é bem oportuna para compreendermos os elementos representativos simbólicos nos relacionamentos da sociedade capitalista.  Atentando para a letra da música sob uma perspectiva capitalista somos levados a pensar que o personagem pode ser interpretado como um “tipo pão-duro”, que utilizando-se de elementos sentimentais estaria justificando a sua indisposição em ofertar a amada presentes materiais demonstradores e comprovadores de seus sentimentos. Assim, concluiríamos que trata-se de um “malandro” que não quer, ou não pode, ofertar tais presentes  e que o mesmo estaria recorrendo a um discurso romântico não pautado em ações supostamente concretas para justificar sua indisposição ou incapacidade.
    Nos afastando da perspectiva capitalista, torna-se possível compreender a música de outra forma. Desta, o personagem estaria desejando ofertar à amada elementos mais duradouros, que, segundo ele, seriam elementos que “ficam”. Sob esta perspectiva poderíamos estar sendo acusados de ideólogo romancista. Mas não se trata de romancismo, mas de um olhar focado na representação simbólica. O valor do presente deixa de estar pautado no objeto em sim, mas na intenção e na sua representação. Sob esta ótica o presente enquanto materialidade pouco importa,
    antes importando o significado que ele carrega. No caso do personagem da música sua preocupação está em ofertar algo duradouro, para ele mais significativo…
    permanente.
    Temos, assim, duas formas de compreendermos a letra da música. Ambas tendo como centralidade o símbolo “presente”; porém, uma forma marcada pela representação material, no valor monetário, em “coisas perecíveis” característico da sociedade capitalista, e outra que, ignorando o valor material/monetário, preocupa-se em ofertar algo fundamentado no argumento de que o melhor presente seria aquele mais duradouro tendo seu significado desvinculado dos elementos materiais, buscando fazer alusão ao seu sentimento supostamente permanente.
    Segue abaixo um vídeo da música.

    Segue a letra da música:

    Não te darei flores não te darei elas murcham, elas morrem
    Não te darei presentes não te darei pois envelhecem e se desbotam
    Não te darei bombons não te darei eles acabam, eles derretem
    Não te darei festas não te darei elas terminam, elas choram, elas se vão

    Dar-te-ei finalmente os beijos meus
    Deixarei que esses lábios sejam meus, sejam teus.
    Esses embalam…esses secam…mas esses ficam.

    Não te darei bichinhos não te darei,pois eles querem, eles comem
    Não te darei papeis não te darei, esses rasgam, esses borram
    Não te darei discos não,eles repetem,eles arranham
    Não te darei casacos não te darei, nem essas coisas que te resgardam e que se vão

    Dar-te-ei a mim mesmo agora
    E serei mais que alguém que vai correndo pro fim
    Esse morre…envelhece…acaba e chora…ama e quer…desespera esse vai… mas esse volta

  • Odeio os Indiferentes – Texto do intelectual italiano Antonio Gramsci

    Odeio os Indiferentes – Texto do intelectual italiano Antonio Gramsci

    Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador, é a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos, é o fosso que circunda a velha cidade e a defende melhor do que as mais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e às vezes, os leva a desistir de gesta heróica. continuar lendo…

     

    A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente,mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. O que acontece, o mal que se abate sobre todos, o possível bem que um ato heróico (de valor universal) pode gerar, não se fica a dever tanto à iniciativa dos poucos que atuam quanto à indiferença, ao absentismo dos outros que são muitos. O que acontece, não acontece tanto porque alguns querem que aconteça quanto porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer, deixa promulgar leis que depois só a revolta fará anular, deixa subir ao poder homens que, depois, só uma sublevação poderá derrubar. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença, deste absentismo. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso.

    Mas os fatos que amadureceram vêm à superfície; o tecido feito na sombra chega ao seu fim, e então parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos, parece que a história não é mais do que um gigantesco fenômeno natural, uma erupção, um terremoto, de que são todos vítimas, o que quis e o que não quis, quem sabia e quem não sabia, quem se mostrou ativo e quem foi indiferente. Estes então zangam-se, queriam eximir-se às conseqüências, quereriam que se visse que não deram o seu aval, que não são responsáveis. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas nenhum ou poucos põem esta questão: se eu tivesse também cumprido o meu dever, se tivesse procurado fazer valer a minha vontade, o meu parecer, teria sucedido o que sucedeu? Mas nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao seu cepticismo, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem esse mal combatiam (com o propósito) de procurar o tal bem (que) pretendiam. A maior parte deles, porém, perante fatos consumados prefere falar de insucessos ideais, de programas definitivamente desmoronados e de outras brincadeiras semelhantes. Recomeçam assim a falta de qualquer responsabilidade.

    E não por não verem claramente as coisas, e, por vezes, não serem capazes de perspectivar excelentes soluções para os problemas mais urgentes, ou para aqueles que, embora requerendo uma ampla preparação e tempo, são todavia igualmente urgentes. Mas essas soluções são belissimamente infecundas; mas esse contributo para a vida coletiva não é animado por qualquer luz moral; é produto da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero. Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos.

    Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno grupo se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar e afogue a sua desilusão vituperando o sacrificado, porque não conseguiu o seu intento.

    Vivo, sou militante. Por isso odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.

     

    Primeira Edição: La Città Futura, 11-2-1917 Origem da presente Transcrição: Texto retirado do livro Convite à Leitura de Gramsci” Tradução: Pedro Celso Uchôa Cavalcanti. Transcrição de: Alexandre Linares para o Marxists Internet Archive HTML de: Fernando A. S. Araújo Direitos de Reprodução: Marxists Internet Archive (marxists.org), 2005. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License

     

    Texto de Antonio Gramsci 1 de Fevereiro de 1917

     

  • Intolerância gerando intolerância: reflexão sobre tempo de redes sociais

    Intolerância gerando intolerância: reflexão sobre tempo de redes sociais

    Intolerância gerando intolerância…

    É sintomático o grau de intolerância que marcar a sociedade contemporânea. Movimentos e ações que supostamente criticam e lutam contra a intolerância repletos de ações intolerantes, agressivas e cheias de ódio. Movimentos que, em defesa de um grupo injustamente atacado, atacam veemente outros grupos. Como lutar contra a intolerância sem tolerância? Parece que a mesma arma de defesa tem sido usada para ataque!

    Dias atrás li em um dos muros de São Paulo um grafite a frase “gentileza gera gentileza”, mas parece que na prática cotidiana a “intolerância tem levado à intolerância”.

    Um caso que me chamou atenção foi a repercussão no Facebook de o caso ocorrido em Camaçari, onde dois irmão gêmeos que andavam abraçados teriam sido confundidos com homossexuais e agredidos por um grupo de rapazes. Um dos gêmeos morreu no local com vários golpes de pedra no crâneo.

    A repercussão no Facebook é apenas um exemplo do que vem ocorrendo na sociedade. Um usuário criou uma imagem repudiando a ação, o que seria louvável, se não fosse a forma com que repudiou. A imagem possui um texto marcado pela intolerância religiosa. O pior é que tal postagem acabou sendo compartilhada por outros usuários da rede social, o que evidencia que muitos pensam e agem da mesma forma.

    A postagem apontaria a religião como a raiz desse mal, porém o caso ocorrido não apresenta nenhum indício de ligação com a religião. Segue abaixo a imagem de intolerância e link para a cobertura jornalística do fato ocorrido.

    Intolerância, gerando, intolerância…

    Notícias jornalísticas ligadas ao acontecimento:
    https://www.tribunahoje.com/noticia/31544/brasil/2012/06/28/abraco-de-irmos-acaba-em-ataque-homofobico-e-morte.html
    https://www.tribunahoje.com/noticia/31544/brasil/2012/06/28/abraco-de-irmos-acaba-em-ataque-homofobico-e-morte.html
  • Por que a piriguete como uma tentativa de ser uma “mulher poderosa”?

    Por que a piriguete como uma tentativa de ser uma “mulher poderosa”?

    Piriguete: Por que indivíduos de classe baixa mesmo comprando produtos de marcas caras continuam parecendo pobres?

    Essa pergunta parece ser interessante para pensarmos um pouco, ainda que de forma introdutória ou superficial e sem muito rigor sociológico…
    funkeiro

    É comum notarmos que indivíduos pobres, moradores das periferias (me refiro aqui as periferias pobres) de nossas cidades, mesmo quando usam roupas de marca caras, relógio e óculos de grife continuam com aspectos de moradores da periferia. Por que isso? Não usam eles tais roupas, óculos, relógios, e acessórios de grifes importantes justamente para parecerem ricos ou, pelo menos, de classe média? Para pensar tal situação acredito que o conceito de habitus, de Pierre Bourdieu, nos ajuda a iniciar uma reflexão a respeito.

    Para Bourdieu, cada classe social possui seu habitus próprio (devido suas experiências sociais), o que o leva a perceber o mundo social de forma particular, levando-o a agir também de forma particular. Assim cada classe social possuiria, na perspectivas deste autor, modos de agir, pensar e sentir diferentes.
    Quando a mídia busca influenciar os indivíduos a um comportamento de consumo aparentemente padrão (como, por exemplo, a forma de vestir o corpo) o resultado se materializa de forma diferenciada sobre cada classe social. Isso ocorre devido tais classes absorverem (devido seus habitus distintos) essas mensagens a partir de “seu mundo próprio”. A mensagem é a mesmo, a compreensão desta que muda de classe para classe (certamente varia de indivíduo para indivíduo, mas de forma menos intensa).
    Posto isto, começamos a ter uma indicação do porquê da situação posta inicialmente. Quando o indivíduo de uma dada classe social absorve uma propaganda (que o influencia a comprar uma dada roupa de marca cara), à  absorve de sua maneira, a partir da forma com que percebe o mundo social (ou melhor, da maneira de sua classe social). Assim, cada classe social, sob a mesma influência, recebe a influência midiática de forma diferenciada e o resultado será igualmente diversos, próprio da classe social. Assim, o celular comprado pelo menino da periferia pobre será usado da forma que julgar mais adequado [como por exemplo, ligar o som dentro de um ônibus para que todos ouçam].Por mais que comprem determinados produtos típicos (inicialmente) de classe social mais elevada, continuará com aspecto de pobre. Por mais que a roupa, o carro (como na foto) indique um padrão social de classe médio, outros sinais (de classe baixa) continuam sendo emitidos via habitus.

    Piriguete
    Fonte da imagem: Site o melhor do humor
    A “piriguete”, por exemplo, parece ser uma absorção de uma propaganda (muitas vezes via telenovelas), que vende um ideal de mulher poderosa, chic, fina, “com classe”, sempre frequentando festas importantes e de “auto nível”, independente… A mulher, desprovida de educação escolar, residente da periferia pobre, sem “gosto refinado” e incapacitada de frequentar festas de “auto nível”, de comprar as mesmas roupas daquela, absorve a propaganda a partir de sua perspectiva de mundo, de acordo com suas possibilidades, e sem se desprender de seus costumes anteriores (como a exibição do corpo, as constantes “ficadas”, etc.), tornando o resultado final (desta “imitação”) diferente da típica “mulher poderosa” das telenovelas globais (visto que é, geralmente por esse meio que elas tem acesso ao suposto perfil da mulher poderosa): nasce, assim, a piriguete!